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Bispos da Arquidiocese de Vitória assinam carta com críticas ao governo Bolsonaro

Dom Luiz Mancilha e Dom Frei Dario aderiram ao documento, que defende o respeito à Constituição e à democracia

Leonardo Sá/Diocese São Mateus

Um grupo de 152 bispos do País assinaram uma carta com críticas ao Governo Bolsonaro (sem partido), divulgada na imprensa nacional nesse domingo (26). Entre eles estão o arcebispo de Vitória, Dom Frei Dario Campos; e o arcebispo emérito de Vitória, Dom Luiz Mancilha Vilela, conforme lista a qual Século Diário teve acesso. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) afirma que não tem relação com o documento. Entretanto, entre os signatários também está o bispo auxiliar de Belo Horizonte, Dom Joaquim Giovani Mol Guimarães, que preside a Comissão Episcopal Pastoral para a Comunicação da CNBB. 

No documento, intitulado Carta ao Povo de Deus, bispos de várias regiões do Brasil afirmam terem sido interpelados “pela gravidade do momento em que vivemos, sensíveis ao Evangelho e à Doutrina Social da Igreja, como um serviço a todos os que desejam ver superada esta fase de tantas incertezas e tanto sofrimento do povo”. Eles afirmam não ter interesses político-partidários, econômicos ou ideológicos, tendo, unicamente, interesse no Reino de Deus, avançando “na construção de uma sociedade estruturalmente justa, fraterna e solidária, como uma civilização do amor”. 

De acordo com os bispos, o País “atravessa um dos períodos mais difíceis de sua história”, comparado a uma tempestade que precisa ser atravessada, mesmo que dolorosamente. A causa disso, apontam, “é a combinação de uma crise de saúde sem precedentes, com um avassalador colapso da economia e com a tensão que se abate sobre os fundamentos da República, provocada em grande medida pelo presidente da República e outros setores da sociedade, resultando numa profunda crise política e de governança”. 
Ainda segundo o documento, esse cenário exige das instituições, líderes e organizações civis “muito mais diálogo do que discursos ideológicos fechados”, com apresentação de propostas e pactos objetivos, “com vistas à superação dos grandes desafios, em favor da vida, principalmente dos segmentos mais vulneráveis e excluídos, nesta sociedade estruturalmente desigual, injusta e violenta”. Essa realidade, de acordo com os sacerdotes, não comporta a indiferença, sendo dever de quem se coloca em defesa da vida se posicionar de maneira clara. 
Sobre a Covid-19, os bispos salientam que o país vive discursos anticientíficos, que tentam naturalizar ou normalizar milhares de mortes causadas pela doença, tratando-a “como fruto do acaso ou do castigo divino”, diante do caos socioeconômico que se avizinha, com o desemprego e a carestia que são projetados para os próximos meses, e os conchavos políticos que visam à manutenção do poder a qualquer preço”. Esse discurso, afirmam, não se baseia nos princípios éticos e morais, além de ser contrário à Doutrina Social da Igreja. 
Quanto ao cenário político, os bispos afirmam analisá-lo sem paixão, o que permite a eles “perceber claramente a incapacidade e inabilidade do Governo Federal em enfrentar essas crises”. Na carta, as reformas trabalhista e previdenciária são apontadas “como armadilhas que precarizaram ainda mais a vida do povo”. Para os bispos, “é insustentável uma economia que insiste no neoliberalismo, que privilegia o monopólio de pequenos grupos poderosos em detrimento da grande maioria da população”.
O sistema do atual governo, segundo os bispos, “não coloca no centro a pessoa humana e o bem de todos, mas a defesa intransigente dos interesses de uma ‘economia que mata”, centrada no mercado e no lucro a qualquer preço, como apontam.

“Convivemos, assim, com a incapacidade e a incompetência do Governo Federal para coordenar suas ações, agravadas pelo fato de ele se colocar contra a ciência, estados e municípios, e poderes da República; por se aproximar do totalitarismo e utilizar de expedientes condenáveis, como o apoio e o estímulo a atos contra a democracia, a flexibilização das leis de trânsito e do uso de armas de fogo pela população, e das leis do trânsito e o recurso à prática de suspeitas ações de comunicação, como as notícias falsas, que mobilizam uma massa de seguidores radicais”. 

Os bispos se dizem “estarrecidos com o desprezo pela educação, cultura, saúde e diplomacia. Esse desprezo, prosseguem, “é visível nas demonstrações de raiva pela educação pública; no apelo a ideias obscurantistas; na escolha da educação como inimiga; nos sucessivos e grosseiros erros na escolha dos ministros da Educação e do Meio Ambiente e do secretário da Cultura; no desconhecimento e depreciação de processos pedagógicos e de importantes pensadores do Brasil; na repugnância pela consciência crítica e pela liberdade de pensamento e de imprensa; na desqualificação das relações diplomáticas com vários países; na indiferença pelo fato de o Brasil ocupar um dos primeiros lugares em número de infectados e mortos pela pandemia sem, sequer, ter um ministro titular no Ministério da Saúde; na desnecessária tensão com os outros entes da República na coordenação do enfrentamento da pandemia; na falta de sensibilidade para com os familiares dos mortos pelo novo coronavírus e pelos profissionais da saúde, que estão adoecendo nos esforços para salvar vidas”. 
Quanto ao cenário econômico, a carta faz críticas ao ministro da Economia, Paulo Guedes, que “desdenha dos pequenos empresários, responsáveis pela maioria dos empregos no País, privilegiando apenas grandes grupos econômicos, concentradores de renda e os grupos financeiros que nada produzem”. O governo federal, denunciam os bispos, “demonstra omissão, apatia e rechaço pelos mais pobres e vulneráveis da sociedade, quais sejam: as comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, as populações das periferias urbanas, dos cortiços e o povo que vive nas ruas, aos milhares, em todo o Brasil”, que segundo os bispos, são os mais atingidos pela pandemia. 
Entre as ações que demonstram o descaso do governo federal com esses grupos, os bispos apontam o veto ao acesso à água potável, material de higiene, oferta de leitos hospitalares e de terapia intensiva, ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea nos territórios indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais. Também é destacada a “utilização da religião para manipular, provocar ódio e causar divisões, ressaltando que é perniciosa toda associação entre religião e poder no Estado laico, especialmente a associação entre grupos religiosos fundamentalistas e a manutenção do poder autoritário”. 
Os bispos finalizam a carta afirmando que o momento é de unidade no respeito à pluralidade e propõem “amplo diálogo nacional que envolva humanistas, os comprometidos com a democracia, movimentos sociais, homens e mulheres de boa vontade, para que seja restabelecido o respeito à Constituição Federal e ao Estado Democrático de Direito, com ética na política, com transparência das informações e dos gastos públicos, com uma economia que vise ao bem comum, com justiça socioambiental, com ‘terra, teto e trabalho’, com alegria e proteção da família, com educação e saúde integrais e de qualidade para todos”.

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