Guilherme Henrique Pereira condena os financistas, que visam manter privilégios do mercado
“Eu já previa o que os financistas iriam dizer para apoiar Paulo Guedes. E já começaram a campanha para aproveitar a crise e ‘passar a boiada”, comenta o professor aposentado da Universidade Federal do Estado (Ufes), Guilherme Henrique Pereira, doutor em Economia, ao contestar dados do Instituto Millenium apresentados na campanha lançada nessa segunda-feira-feira (10) visando a reforma administrativa, para reduzir o chamado “custo Brasil”, que afeta diretamente os servidores públicos.
O movimento, apoiado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e tendo entre seus porta-vozes o ex-governador Paulo Hartung, para o economista “um financista de altíssima periculosidade”, envolve instituições patronais e empresários, como o ex-presidente da Federação das Indústrias (Findes), Léo de Castro. O projeto de reforma deverá ser apresentado ao Congresso Nacional no início de 2021, depois de conhecidos os resultados das eleições municipais.
Guilherme Henrique Pereira aponta equívocos na campanha: “O Milleniun, instituto bancado por empresários do mercado financeiro e divulgado por financistas, não tem nenhuma credibilidade para propor uma reforma administrativa e está advogando em causa própria”. Para ele, “é burrice, porque se continuarem cortando benefício de trabalhadores, a demanda de bens e serviços cairá; e quem manterá o consumo de mercadorias para garantir o lucro da galera? Henry Ford há mais de um século já tinha uma visão mais moderna que isso”.
Na edição desta terça-feira (11) do Valor Econômico, em matéria sobre a necessidade de redução pelo Estado do custo com pessoal, Paulo Hartung afirma que o setor público custa em torno de 33% do Produto Interno Bruto (PIB) e apresenta baixa qualidade, sendo necessários novos critérios para promoções e progressões.
Para Guilherme Pereira, é verdade que o Governo foi tomado por grupos de interesses, mas definitivamente isso não pode ser dito dos servidores; e sim dos grupos de rentistas que há anos dominaram as políticas de governos. “Basta lembrar que o Brasil há décadas pratica as maiores taxas de juros do mundo sem nenhuma justificativa. Embora existam grupos de privilegiados em alguns poderes e que justifica uma revisão, mas ficará longe de resolver os problemas orçamentários”, comenta.
“É importante falar que no Brasil as grandes rendas não pagam impostos, é preciso uma reforma tributária progressiva e não regressiva. Suportada na maior parte pelo imposto de renda, lembrando que salário não é renda. Renda são dividendos, lucros, juros recebidos, aluguéis, ganhos no mercado de capitais, entre outros”, destaca o economista.
Sobre as despesas financeiras, Guilherme Pereira ressalta: “É fundamental que o Governo construa uma nova política de financiamento das suas despesas. Primeiro de tudo é uma mudança radical de cultura: o serviço público existe para servir a população; gosto de dizer “maximizar o atendimento” e não maximizar “fluxo de caixa”.
Cortando o atendimento, completa Guilherme, para gerar superávit primário e garantir aos rentistas o recebimento de suas receitas. É esta garantia de renda versus corte de benefícios de trabalhadores que vem aprofundando as desigualdades. “É ridículo a fala de que salários de servidores amplificam desigualdades no Brasil”.
Ele destaca que a grande maioria de servidores recebe na média do mercado ou abaixo. “A minoria de dirigentes que recebe salários mais altos, precisa ser comparada com os dirigentes de empresas privadas. Quanto é o salário de um diretor de banco, devidamente engrossado por participação de lucro; seguramente muito maior que de um ministro do Supremo (Tribunal Federal – STF) que é o maior salário pago pelo governo.
Voltando às despesas financeiras, ele diz que “o Brasil não pode continuar acumulando reservas internacionais, aplicadas a juros menores do que paga internamente. Olha o absurdo: toma dinheiro no mercado interno a juros ‘x’ para comprar os dólares dos exportadores; pega esta soma de dólares e deixa aplicada no mercado financeiro internacional por um juros ‘y’ menor do que paga internamente. Isso é um privilégio mantido para alguns que precisa acabar”.
O professor de economia lembra que o financista entende que o mercado tem mecanismos de autorregulação e basta que o governo não atrapalhe com suas políticas. Deve manter o custeio e o investimento públicos bem contidos e, se possível, abaixo da receita arrecadada. “Superávit e aplicações financeiras elevadas, para garantir qualquer eventualidade, tem efeitos positivos sobre ânimo do empresariado para implementar novos projetos e manter o nível elevado do investimento”. Não há nenhuma preocupação com as necessidades da população, com o nível da renda pessoal e com o nível de emprego, reforça.
“O foco é maximizar os saldos positivos do fluxo de caixa, no limite. O financista gostaria que o governo minimizasse até os serviços essenciais para que a robustez das aplicações financeiras do governo deem, por um lado tranquilidade e garantia de cumprimento das pequenas despesas de governo e, por outro, demonstrasse para o mercado o afastamento de qualquer possibilidade de aumento de impostos e garantia de pagamentos de compras sempre em dia”, destaca.
Ele critica a postura dos financistas, que “apreciam a defesa de fundos previdenciários com elevadas reservas, criação dos chamados ‘fundos soberanos’ e outras preciosidades semelhantes. O ajuste fiscal, restrito ao corte de custeio e investimentos, mas, nunca o atraso de pagamentos de compromissos com o mercado financeiro, é o viés de políticas governamentais mais desejado”.
“Lamentavelmente é muito evidente a predominância do perfil financista nos governos federal e estaduais. Deste modo, não é possível esperar que sejam formuladas políticas ativas de recuperação da atividade econômica no pós-pandemia do coronavírus”, pontua.