Sem qualquer experiência bem-sucedida no mundo de retorno às aulas antes da vacina contra a Covid-19, o Espírito Santo segue trilhando o mesmo caminho de incertezas e perigo. Sob pressão das empresas privadas de educação, o governo do Estado já publicou uma portaria com os protocolos de biossegurança que devem ser seguidos quando for dada autorização para o retorno de 240 mil estudantes da rede estadual às salas de aulas e, como consequência, da boa parte dos 700 mil matriculados nas redes municipais.
A questão envolve um universo de quase um milhão de estudantes. Somando a eles suas respectivas famílias, bem como os familiares dos cerca de 90 mil professores, além de servidores. Olhando os números por alto, é possível dizer que bem mais do que a metade da população capixaba será afetada diretamente pela polêmica decisão de retorno. Havendo ainda os desdobramentos subsequentes, no transporte coletivo e escolar, especialmente.
O assunto é tema neste domingo (16) de live transmitida pela doutora em Epidemiologia Ethel Maciel e o doutor em Matemática Etereldes Gonçalves Junior, ambos professores da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), com ênfase nos “riscos envolvidos tanto para os trabalhadores quanto para os estudantes e se, no momento, é ou não recomendado o retorno”.
Se há alguma iniciativa fora do Brasil que possa ser referência no assunto, Ethel Maciel afirma desconhecer. “Não, muitos países tiveram que fechar logo em seguida, mas tudo depende muito da epidemiologia da doença e do contexto local”, conta.
Defensora da retomada das aulas apenas após a vacinação em massa da população escolar, a epidemiologista faz um esforço para visualizar as condições que podem permitir a retirada de um número tão grande de pessoas da proteção do isolamento social – incluindo os idosos que estão em contato com as crianças e adolescentes em casa – antes da vacina.
“Eu defenderia a volta antes se achasse que seria possível nós aderirmos e cumprirmos os protocolos. Mas não acredito. Conheço muitas escolas e o contexto de violência em que estão”, declara, quando perguntada se a vacina deixou de ser a principal condição que ela defende.
Com muito menos esforço, por sua vez, Ethel lista alguns dos principais argumentos contrários à intenção de decretar a volta às aulas em plena pandemia: “o transporte coletivo, a dificuldade de adesão aos protocolos de biossegurança e a diferença da curva epidemiológica nos diferentes municípios.
O inquérito mostrou que as pessoas em grupo de risco e idosos ainda estão protegidos, uma abertura poderá resultar em casos graves, pois foi essa população que esteve mais protegida certamente com as crianças”.
Ponto por ponto, de fato o transporte coletivo tem sido evidenciado, nas seguidas fases dos inquéritos sorológicos realizados pelo Estado, como a principal causa de transmissão do novo coronavírus (SARS-CoV-2).
A dificuldade de adesão aos protocolos certamente é maior entre as crianças menores, por isso a especulação em torno de um retorno gradual, começando pelo ensino médio até chegar à educação infantil. Porém, o ensino médio é usuário importante do transporte coletivo, tornando a situação ainda sem uma solução satisfatória para a segurança exigida pelos estudantes e suas famílias.
Sobre as diferentes curvas epidemiológicas nos municípios, o estabelecimento de datas diferenciadas para o retorno não é a opção preferida dos gestores, visto que criaria problemas para uma equalização mínima dos calendários escolares, necessária para as avaliações estaduais e nacionais, para os profissionais que atuam em mais de uma rede de ensino, e para os estudantes que precisem migrar de uma para outra.
Os protocolos definidos na
Portaria Sesa/Sedu nº 1-R/2020, elaborada pelas secretarias de Estado da Saúde e da Educação, são necessários, afirma Ethel, mas só irão funcionar mediante “financiamento e continuidade”. A vacina, ressalta, pode vir este ano, sendo mais provável em 2021. “As escolas talvez voltem antes, mas
precisa estar muito definidas as responsabilidades de cada um e, principalmente, a capacidade de testagem e isolamento rápidos”, adverte.