Movimentações na região norte do Estado que visam atravancar o processo de demarcação de territórios quilombolas encontraram mais um opositor. O Ministério Público Federal (MPF) em São Mateus divulgou, nesta segunda-feira (25), uma nota se posicionando contrariamente a uma ação movida por 14 proprietários rurais da região. Eles tentam anular o processo de demarcação dos territórios das comunidades de São Domingos e de Santana, localizadas entre os municípios de Conceição da Barra e São Mateus, norte do Estado.
A ação foi feita contra o Instituto Nacional de Reforma Agrária (Incra), responsável pela demarcação dos territórios, e tem como base o argumento de que os moradores das comunidades não seriam remanescentes de quilombolas.
Além disso, os ruralistas afirmam que não foram notificados sobre o trabalho de identificação da área e ainda contestam a constitucionalidade do Decreto 4.887/200, que regulamenta os procedimentos para a demarcação de territórios das comunidades quilombolas.
Por sua vez, o MPF contesta os argumentos do grupo. Segundo o órgão, de acordo com o parecer da Funai, mesmo que não for provado que os habitantes do local não descendem diretamente de escravos fugidos, bem como dos locais de morada dos fugitivos, eles podem ser donos das terras por direito, já que a definição de quilombolas já não está restrita a essa condicionante.
A correta conceituação passa hoje, segundo o órgão, pela determinação do Decreto 4.887, que estabelece que são remanescentes de quilombolas “os grupos étnicos-raciais com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”.
O órgão afirma, também, que não há o que ser questionado no processo de reconhecimento dos territórios, já que a fase contestada pelos autores da ação tem exatamente o objetivo de identificar a terra, bem como os seus limites e habitantes. Na nota, o MPF também comunica que os proprietários rurais foram notificados posteriormente, na época da publicação do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID).
Travar processos de demarcação de territórios quilombolas tem sido a principal tática utilizada por grandes proprietários rurais, tendo sido um dos principais fatores para os baixíssimos índices de titulação dos territórios nos últimos anos. Em 2012, por exemplo, apenas um foi titulado em todo o Brasil.
A lentidão no andamento dos processos que visam à regularização dos territórios quilombolas é resultado de ações dos latifundiários, que não aceitam que os territórios sejam devolvidos aos seus verdadeiros donos. No Estado, isso é feito pelo Movimento Paz no Campo (MPC), que defende os interesses ruralistas e da Aracruz Celulose (Fibria), no território do Sapê do Norte, formado pelos municípios de São Mateus e Conceição da Barra.
O cenário nada otimista apresenta uma realidade complicada para os povos tradicionais. Informa a Comissão Pró-Índio de São Paulo que no País somente 193 comunidades quilombolas têm suas terras tituladas, o que representa 6% das três mil comunidades existentes no Brasil. Além disso, 87% dos processos em curso no Incra não contam ainda com o Relatório Técnico de Identificação e Delimitação, etapa inicial do processo de titulação.