Tempos de construir o agora, frente à antiga normalidade, com o melhor aproveitamento da lição
Inspirado na aula do professor Walter Kohan (UERJ), comecei a pensar no tempo, em suas múltiplas faces, e convido o nobre leitor a viajar comigo, na possibilidade de reflexão filosófica do tempo, em “tempos de pandemia”.
O possível recuo da pandemia exige a reflexão da construção, a partir da desconstrução, o que podemos chamar de reconstrução, de “um tempo”.
Não se trata de “um tempo cronológico” do qual não temos ingerência, mas de um “tempo de viver”, de fazer, de desfazer e refazer, de se permitir destruir e reconstruir e, acima de tudo, um “tempo de pensar”.
As rupturas na construção da vida, inevitavelmente, aparecem, assim como na tragédia grega, com sua dose de determinação e de liberdade de escolhas, atitudes pessoais, muitas vezes orgulhosas de sua forma, sem questionamento do conteúdo, como a atitude de Creonte em Antígona, de Sófocles.
A pandemia, que parou o mundo em “seu tempo”, afirmou-se de forma superior ao imperativo “daquele tempo”, tudo urgente, um vínculo muito forte na relação capital x tempo: tempo é dinheiro.
Todo frenesi que a rotina exigia pode ser exemplificado desde a partida matinal para o labor que, muitas vezes, não permitia ao ser comum, o trabalhador, aguardar alguns minutos para tomar uma condução em que pudesse se transportar sentado, até o desespero dos pais, pela marcha de ascensão dos filhos, na escola e na carreira profissional, tudo, toda essa urgência, de repente foi paralisada.
O ano escolar pode ser perdido, o estágio, a preparação para o Enem ou concursos, a prosperidade dos negócios, as produções culturais públicas, os empregos e até os quebra-galhos, espalhados pelas ruas entre catadores de recicláveis, vendedores de sinais e ônibus, flanelinhas, etc., enfim “o tempo” tornou-se outro.
A vida passou a se reger por um “tempo de dentro”, de cada um, de cada família, de cada grupo social ou econômico, de cada momento (que também é tempo). O trabalho em home office proporcionou a interseção do mundo do trabalho com o doméstico e passaram a participar de importantes reuniões, não só os filhos, mas também os animais da família que, volta e meia, passam frente à câmera. A rigor, podemos dizer que o “tempo do trabalho” não é mais exclusivamente do trabalho.
Em tempo: algumas atividades já estão em condições de ter seu tempo integral, outras uma parte dele e outras, ainda não. Contaminados pelo saudosismo de “outros tempos”, uns se precipitam, atropelam o tempo e acabam sendo forçados a se darem ainda mais tempo.
A angústia de quem conta o tempo é sempre “o tempo perdido”. Como recuperar todo atraso?
“Tempos difíceis”…
Retornando à aula do professor Kohan, só vamos construir nosso tempo, parando o tempo para o exercício do pensamento. Este só acontece se não existir a exigência do tempo, é preciso calma, vagareza, um hiato na ação, para que se deem os laços entre os raciocínios e a compreensão dos fatos, para a construção de hipóteses, nova reflexão, num movimento circular do pensamento com ele mesmo, para validação ou não dessas hipóteses, podendo ser necessária ainda a especulação de outras hipóteses e, só depois de muito exercício do pensamento em torno da questão, poder decidir a ação.
Seria prudente acelerar a vida para “ganhar mais tempo”, ou “recuperar o tempo perdido”?
Se imaginarmos que paramos em março e só agora iniciamos a construção do retorno, dá para ver que tivemos “um bom tempo” para refletir sobre o que vivíamos no “tempo passado”, como sobrevivemos o “tempo parado” e “que tempo” queremos viver doravante.
Afinal, o que precisamos mais?
Mais tempo, menos tempo ou parar no tempo?
Everaldo Barreto é professor de Filosofia