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Com que grau de risco a educação básica capixaba fará sua volta às aulas?

Cientistas e professores discorrem sobre desejo manifestado pelo governador de reabrir ensino médio em outubro

Diante do desejo de retornar com as aulas do ensino médio em outubro, manifestado pelo governador Renato Casagrande (PSB) mais uma vez, em pronunciamento nesta sexta-feira (4), coletivos de professores se posicionaram contrariamente ao retorno da educação básica antes da vacinação em massa da população e cientistas ouvidos por Século Diário discorreram sobre os parâmetros técnicos recomendados para o retorno da educação básica e o conceito de segurança – ou de “menos insegurança” – que será possível compactuar na sociedade capixaba para que o retorno às aulas aconteça. 

“Ausência de risco não existe mais pra Covid, nem com a vacina”, adverte o doutor em Matemática Etereldes Gonçalves Junior, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e integrante do Núcleo Interinstitucional de Estudos Epidemiológicos (NIEE), que assessora tecnicamente o governo do Estado para o enfrentamento à pandemia. “Há pais que escolhem não vacinar os filhos, a vacina às vezes não chega pra todo mundo. As pessoas vão continuar adoecendo de Covid e morrendo, isso é um fato”, argumenta. 


A partir dessa constatação, diz, é preciso definir o conceito de “segurança” aceitável para o retorno às aulas presenciais. “Se um jovem morrer de Covid na volta às aulas, eu não posso considerar que foi seguro reabrir. Definir esse parâmetro é muito difícil. Uma família que perdeu um jovem vai falar ‘a escola disse que era seguro e eu perdi o meu filho’. Eu não vou afirmar isso, eu vou dizer quando os riscos são menores”, assevera o cientista.

E quando os riscos serão menores? Etereldes se baliza em uma nota técnica publicada pela Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz), onde uma das condições recomendadas é a existência de menos de um caso ativo por 100 mil habitantes, situação que permite tempo suficiente para isolamento das pessoas contaminadas e outras medidas necessárias à contenção da transmissão e preparação da rede de saúde para atendimento dos doentes.

Essa condição matemática essencial poderá ser medida até o final do mês. Com o retorno no próximo dia 14 das faculdades privadas – já que a Ufes seguirá com ensino remoto até dezembro – entre os dias 24 e 28 de setembro os primeiros impactos já serão sentidos nas curvas de óbitos e casos ativos do Estado, diz Etereldes.

“Responsabilização individual está fadada ao fracasso”
A epidemiologista Ethel Maciel, também professora da Ufes e integrante do NIEE, destaca ainda uma taxa de positividade nos testes menor que 5%, com base em um editorial publicado nos Estados Unidos sobre a avaliação da volta às aulas no ensino superior feita em agosto naquele país, sem nenhum plano federal coordenado para a reabertura.

O experimento estadunidense ‘se mostrou um desastre” e traz dados preocupantes, afirma Ethel. “O que podemos aprender?”, pergunta, em sua conta no Twitter, respondendo, com outros três prontos de destaque do editorial. 
Um deles é a importância de realizar quarentena antes do início das aulas, pois “muitos estudantes retornam de regiões com altas taxas de transmissão”. Outro relaciona-se ao plano de testagem. Testar apenas os sintomáticos não é uma estratégia robusta de rastreio, sendo sugerida “a testagem universal a cada dois ou três dias, apesar de reconhecida a não-executabilidade em todos os contextos”.
Finalmente, prossegue Ethel, os autores constataram que qualquer estratégia baseada na responsabilização individual com a expectativa de que os jovens não irão em festas e confraternizações está fadada ao fracasso e não é uma medida de saúde pública efetiva.

Tal estratégia, calcada na individualização da responsabilidade, salienta a epidemiologista, deve resolver o problema dos ônibus lotados, conseguir proibir aglomerações, impor medidas de distanciamento social e fiscalizar cumprimento de protocolos de biossegurança, o que é, na prática, impossível.

“Os autores afirmam que as universidades enquanto centros de conhecimento devem conduzir as pesquisas para guiar a reabertura. Devem publicar seus próprios protocolos de segurança e divulgar dados internos diários com o número de testes realizados, infectados e mortes”, afirma. “Transparência e responsabilidade é o mínimo esperado das lideranças universitárias quando decidem colocar tantas vidas em jogo. Fica a dica para seguirmos a ciência!”, orienta.

“Nossas vidas importam?”
Em suas redes sociais, o Coletivo LUTE-ES, formado por educadores de diversas redes do Espírito Santo, se manifestou a respeito dos formulários da consulta pública para o retorno presencial das aulaslançados pela Secretaria de Estado da Educação (Sedu) neste sábado (5).

“Vários elementos irreais do protocolo sanitário elaborado em parceria com a Secretária de Saúde são elencados nos três formulários, mas um item bastante cruel e insensível chamou a atenção da sociedade capixaba: um protocolo de luto no caso de morte de alguém da escola”, destaca o Coletivo. “Sabendo que a retomada presencial nesse momento promoverá mais contaminações, mortes e pessoas com sequelas devido à Covid-19, por que levar adiante esse plano?”, indagam os educadores.

“Clamamos à sociedade para responder à consulta pública, repudiando os protocolos da Sedu/Sesa, pois se tratam de medidas ineficazes e que colocam em risco milhares de capixabas, não somente a comunidade escolar. O Lute-ES já denunciou em outras oportunidades o que vem acontecendo em locais que reabriram escolas, será que a gestão da Sedu ignora esse tipo de informação propositadamente, visando atender as pressões das escolas privadas? A pandemia não acabou! Retorno presencial às aulas só com vacina!”, conclama.

“Somos descartáveis para o governo”
Entendimento semelhante tem o Coletivo de Oposição Sindiupes Pela Base. “O nosso posicionamento é de que as aulas presenciais só deveriam retornar após imunização em massa da população. Não faz sentido colocar em rico as vidas envolvidas na comunidade escolar: estudantes, professores, demais funcionários, familiares”, afirma a professora de Biologia da Rede Estadual Verbênia Andrade, coordenadora do Sindiupes pela Base.
“Estaremos todos confinados em salas de aula sem a menor condição de ventilação e circulação de ar. Muitas vezes não temos acesso nem a papel toalha pra secar nossas mãos quando lavamos. Isso desde antes desta situação de pandemia”, expõe.

Outra situação grave é o receio dos profissionais em se afastarem do trabalho caso apresentem sintomas. “O Estado pune quem falta, mesmo que justificada com atestado médico. Perdemos bônus-desempenho no ano seguinte quando adoecemos. Muitos não acham que vale a pena abrir mão do bônus e acabam trabalhando doentes”, relata.

Entre os estudantes, conta, grande parte é proveniente de comunidades carentes e não tem acesso a itens essenciais, como alimentação digna. “Como se manterão seguros diante deste vírus, mesmo que a escola fornecesse todo o aparato necessário para a prevenção no horário de aula?”, pergunta, enfatizando a situação lamentável do transporte público a que eles estarão submetidos. “Quem garante que não se contaminarão e não espalharão para os demais na escola?”? inquire.

Tocando na responsabilização das escolas para o controle do cumprimento dos protocolos, Verbênia reforça o que já vem sendo dito por acadêmicos, pesquisadores, epidemiologistas, pedagogos, professores e estudantes: “não haverá controle rígido para o cumprimento de protocolos. Não temos profissionais preparados pra isso. Não temos profissionais de saúde nos dando suporte na escola. Não temos condições de exercer todos os papéis estipulados neste documento”, afirma.
“Nessa consulta pública não nos perguntam sobre nossa opinião acerca do retorno. Nos impõem um retorno!”, diz.

O protocolo em consulta, prossegue a coordenadora, “coloca professores demais funcionários das escolas como responsáveis por dar um suporte emocional e psicológico. Como faremos isso?”, suplica, também destacando a orientação sobre como conduzir o luto em caso de morte na escola. “Isso deixa muito nítido como somos descartáveis para este governo”, repudia. “É importante salientar que o ano letivo recupera-se. As vidas não!”, roga.

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