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Conama torna manguezais e restingas mais vulneráveis a grandes empreendimentos

Decisão beneficia indústrias e ameaça cidades litorâneas, comunidades tradicionais e a vida selvagem marinha

Divulgação/Iema

A panela de barro, a moqueca e a torta capixaba, as desfiadeiras de siri, as comunidades catadoras de caranguejo, as dunas de Itaúnas, os pescadores artesanais que ainda resistem ao longo da costa … Alguns dos principais ícones da identidade cultural capixaba têm suas raízes no manguezal e na restinga, áreas naturais fundamentais para a manutenção da vida marinha e a qualidade de vida das sociedades humanas, mas altamente ameaçadas pela especulação imobiliária, indústria portuária e petroleira, que, ano após ano, continuam a impingir perdas aos territórios originais desses ecossistemas e das sociedades humanas a eles associadas. 


Nessa segunda-feira (28), mais um golpe foi proferido, desta vez, pasme, pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama), que, em reunião presidida pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, derrubou quatro resoluções sobre preservação ambiental, sendo que duas delas restringiam o desmatamento e a ocupação em áreas de restingas e manguezais.

Para o ecólogo e professor de Biologia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Mario Garbin, a decisão “é motivo de profunda consternação”. “Para nós, do Espírito Santo, a liberação da ocupação de áreas que antes eram tratadas como de preservação permanente trará consequências irreversíveis. A maior parte dos remanescentes desses ecossistemas está fora de unidades de conservação e ficará muito vulnerável à destruição”, diz.

“Restingas e manguezais são ecossistemas extremamente frágeis e de baixa resiliência, ou seja, uma vez perturbados, dificilmente retornam a um estado minimamente próximo ao original. Eles prestam serviços ecossistêmicos fundamentais à humanidade, como a proteção da costa contra erosão e a filtragem de poluentes. Além disso, abrigam espécies que ocorrem somente ali, caso dos manguezais, e de processos ecológicos ímpares que estão sendo revelados apenas nas últimas décadas, no caso das restingas”, explica, ressaltando os aspectos culturais envolvidos, especialmente na culinária capixaba, centrada em frutos do mar e do manguezal.

O oceanógrafo Raphael Macieira, pesquisador especialista em peixes, também invoca as panelas de barro para qualificar a gravidade da situação. “Imagine um grande empreendimento industrial se instalando na área onde as paneleiras trabalham!”, ressalta, reconhecendo a maximização, espera-se, irreal do risco. “É pouco provável que isso aconteça devido à importância cultural da panela de barro, mas a maioria das áreas de manguezal e restinga estão fora de unidades de conservação e outras proteções específicas, portanto, muito mais vulneráveis caso essa decisão do Conama seja implementada”, expõe.

Ameaça especial se dará nos processos de licenciamento ambiental de empreendimentos, especialmente os de grande porte. As duas resoluções que o Conama decidiu derrubar tornam os licenciamentos mais rigorosos e restritivos sobre essas áreas. “Qualquer alteração antrópica necessitava de um processo muito mais robusto. Com a derrubada dessa legislação, essas áreas ficam muito mais vulneráveis a esses impactos”, compara o oceanógrafo.

“Não faz sentido algum a retirada dessa legislação”, exaspera. “Fica claro o interesse econômico forte por trás disso, que é de uma minoria da sociedade. Mas quem vai arcar com os prejuízos ambientais e econômicos vai ser a sociedade de forma geral”, argumenta, destacando a proteção contra tempestades e inundações oferecidas pelos dois ecossistemas.

Representatividade
Outras duas resoluções derrubadas pelo Conama objetivam liberar a queima de lixo tóxico em fornos usados para a produção de cimento e acabar com a exigência de critérios de eficiência de consumo de água e energia para a aprovação de projetos de irrigação.
A aprovação dessas medidas foi possível devido à alteração promovida na estrutura do Conselho no início do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), quando perdeu 19 cadeiras antes destinadas a representantes da sociedade civil organizada e 22 assentos até então garantidos a governos estaduais e municipais. Na nova configuração, o governo federal e o setor privado passaram a compor a maioria do colegiado.

Ações na Justiça

O senador Fabiano Contarato (Rede), presidente da Comissão de Meio Ambiente, anunciou que irá entrar com ação popular na Justiça Federal pedindo a anulação da decisão do Conama. “Contamos com o Judiciário para frear mais esse retrocesso. Depois da omissão absurda no desmatamento na Amazônia e nas queimadas no Pantanal, o governo federal agora derruba normas de proteção de áreas de preservação permanente e libera manguezais e restingas para especulação imobiliária. Os mangues são o berçário da biodiversidade costeira e sua degradação traz um alto impacto ambiental e social. O ministro do Meio Ambiente quer transformá-los em resorts de luxo e fazendas de carcinicultura. É mais um crime devastando o meio ambiente. A sociedade precisa reagir a essa barbaridade”, afirma Contarato.

Segundo o jornal Folha de S. Paulo, o Ministério Público Federal (MPF), único membro sem direito a voto, também participou da reunião e vai ajuizar ação para anulação das decisões, que ferem a lei e os princípios constitucionais.

A reportagem ressalta que, entre os setores econômicos atendidos pelas revogações, estão a Confederação Nacional da Agricultura (CNA), que aparece nos documentos do Conama como requerente da anulação do licenciamento ambiental para projetos de irrigação. 

E informa que a Associação Nacional dos Servidores de Meio Ambiente (Ascema) defendeu, em nota, o julgamento imediato da ação contra a alteração na composição do Conama, que foi impetrada pela Procuradoria Geral da República no Supremo Tribunal Federal ainda no início do ano passado, bem como pede a aprovação, no Congresso, do projeto de decreto legislativo do deputado Alessandro Molon (PSB-RJ), que susta os efeitos do decreto presidencial que instituiu as mudanças no órgão Conama.

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