A 5ª Vara Federal Cível de Vitória inocentou quatro entidades representativas da Polícia Militar (PM) em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) que pediu ressarcimento de R$ 49 milhões ao erário por ocasião da greve da Polícia Militar de 2017.
A decisão é favorável à Associação Geral dos Militares do Espírito Santo, Associação dos Cabos e Soldados da Polícia Militar e Bombeiro Militar, Associação de Benefícios aos Policiais e Bombeiros Militares e Associação dos Militares da RR, REF, da Ativa da Polícia Militar, do Corpo de Bombeiros Militar e Pensionistas Militares.
O MPF pleiteou que as associações fizessem um ressarcimento “do prejuízo material sofrido pelo erário federal (incluindo-se os gastos ordinários e extraordinários realizados pela União em razão do envio de tropas e agentes de segurança federais para o Espírito Santo durante o evento, diárias, gratificações e outras vantagens paga aos agentes estaduais integrantes da Força Nacional, e a remuneração ordinária dos militares federais que tiveram que ser deslocados para o Estado). Dada a complexidade do cálculo, o importe total deverá ser definitivamente apurado em liquidação de sentença, adiantando-se que a referida quantia supera R$ 37 milhões”. Outro pedido foi “a condenação das rés a ressarcirem os danos morais causados às pessoas residentes e em trânsito no Estado durante o período da greve da Polícia Militar Estadual, estimando-os em R$ 12 milhões“.
A greve da PM teve início no dia 4 de fevereiro de 2017, terminado no dia 25 do mesmo mês, depois de quatro anos de arrocho salarial e falta de diálogo com a gestão Paulo Hartung. Segundo o sargento Renato Martins Conceição, que na época presidia a Associação de Cabos e Soldados (ACS), a sentença foi justa.
“Não existem elementos que fundamentassem a denúncia feita pelo MPF. Era vazia de argumento. As associações não orquestraram a greve. Foi um movimento horizontal, que não tinha lideranças, era espontâneo. Foi resultado de uma insatisfação coletiva”, ressalta.
Renato afirma, ainda, que o fato de não ter liderança fez com que a paralisação se alongasse. “Houve falta de tato do Governo do Estado para conduzir a situação. A falta de um gabinete de crise e o próprio fato de não ter uma liderança dificultou o diálogo com o governo e contribuiu para durar tanto tempo”, defende.
De acordo com a sentença, a “responsabilidade civil subjetiva’ – na qual se enquadra a pretensão tratada nos autos – está, necessariamente, atrelada à noção de conduta culposa do agente causador do dano. A vítima deve provar que o agente do dano agiu com culpa, indicando o nexo causal existente entre a conduta do agente e o dano causado, e, finalmente, o dano efetivamente ocorrido”.
Além disso, “para se caracterizar o ilícito, é necessário que haja uma ação ou omissão voluntária, que viole norma jurídica protetora de interesses alheios ou de um direito subjetivo individual, e que o infrator tenha conhecimento da ilicitude de seu ato, agindo com dolo, se intencionalmente procura lesar outrem, ou culpa, se consciente dos prejuízos que advém de seu ato, assume o risco de provocar o evento danoso”. A sentença conclui que, “portanto, tem-se que a presença desses três elementos (“conduta”; “nexo causal” e “dano”) se mostra imprescindível para subsidiar qualquer espécie de pretensão indenizatória”.
Consta ainda que “analisando o extenso rol de documentos anexado aos autos, incluindo a prova testemunhal nele produzida, a par de qualquer discussão sobre a legalidade ou não desse movimento paredista, assim como sem querer adentrar nos aspectos relacionados aos incontestáveis prejuízos daquele advindos, observa-se que a pretensão ministerial esbarra em um dos pressupostos da responsabilidade civil, haja vista a não demonstração de indícios probatórios suficientes que possam comprovar a conduta voluntária e consciente das associações-rés no sentido de promover/coordenar/patrocinar e ou, até mesmo, apenas incentivar, a ‘greve dos militares”.
A sentença também afirma que “contrariamente do que sustenta o órgão ministerial, assistido pela União, a conclusão a que se chega é que, ainda que pareça estranho – e, de fato, o é – admitir que um pequeno grupo de mulheres/familiares tenha tido o poder de impedir a saída dos militares, ditos como ‘aquartelados’, dos seus próprios batalhões, fazendo eclodir uma das mais graves crises de segurança pública identificadas na história do Estado do Espírito Santo, por outro lado, não se pode quer imputar o ocorrido a postura e/ou a conduta adotada pelas associações demandadas. Não há nexo de causalidade entre a greve em si e a atuação das associações”.
Segundo a 5ª Vara Federal Cível de Vitória, investigações feitas pelo MPF apontam que “a deflagração desse movimento paredista teve como fator determinante a atuação conjunta de alguns policias militares, tidos como ‘líderes’, que agiram de forma coordenada e articulada com um grupo de familiares, em sua maioria esposas desses militares, sendo que seus interesses, durante toda a crise, foram representados por uma ‘Comissão de Negociação’, que atuou como uma espécie de órgão gestor do movimento”.
Ainda de acordo com a sentença, mesmo que algumas das pessoas apontadas como líderes ocupassem cargos de dirigente nas associações denunciadas, “não se comprovou que eles teriam agido nessa condição (de dirigentes/representantes das associações) e/ou em nome dessas Associações. Pelo contrário, a prova constituída nos autos demonstrou, a todo tempo, que eles estariam agindo de forma individual – e não em nome dessas associações -, com o intuito de autopromoção política”.
Operação capixaba
A ação realizada no Estado, denominada Operação Capixaba, contou com o efetivo de 3.169 militares das Forças Armadas, quatro aeronaves, 227 viaturas e sete blindados. Foram realizadas 260 horas de voo, com 1, 5 mil patrulhas, 38 operações, 11,5 mil abordagens e 108 prisões. A Força Nacional de Segurança Pública (FNSP) veio para o Espírito Santo durante o início da greve e, atendendo à solicitação do governo, permaneceu até o final de abril. Seu efetivo chegou a 300 profissionais.
Arquivamento
Apesar de terem sido investigadas, não foram recolhidas provas que confirmassem a responsabilidade na organização do movimento das seguintes entidades: Associação dos Subtenentes e Sargentos da Polícia e Bombeiro Militar do Espírito Santo (Asses); Associação dos Bombeiros Militares do Espírito Santo (Abmes); Clube dos Oficiais – Associação dos Oficiais Militares do Espírito Santo (Assomes); Associação de Saúde dos Policiais e Bombeiros Militares do Espírito Santo (ASPBMES); e da Associação Nacional de Apoio aos Servidores Públicos Aposentados e Pensionistas (Anasp). Portanto, o MPF arquivou o inquérito civil que citava essas entidades.