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Descartes e a maconha – parte IV

O tabagismo na Holanda se disseminava, então é de se concluir que Descartes experimentou o tabaco

Frédéric Pàges continua seu périplo para pesquisar sobre a estadia de Descartes na Holanda. Em sua tentativa de refutar a tese canábica de Tobie, descobre que o tabaco havia chegado na Holanda ao fim do século XVI, pouco antes da ida de Descartes para o país, e nas palavras de Pàges, em relação ao retorno de Descartes para a Holanda: “Em 1628, quando volta, ele encontra um país enfumaçado”.

Segundo Pàges, “os Holandeses se tornaram os especialistas do tabaco na Europa. Fizeram dele um comércio, fumavam-no intensamente, até mastigavam-no. Além das escarradeiras, fabricavam cachimbos renomados, e, no fim dos anos 1630, conseguiram aclimatar em seu país, nos campos de Amersfoort em particular, a erva de Nicot”.

E segue: “Voltemos a Descartes. Ele viu uma população se entregar com furor e deleite a uma erva que apavorava, em toda a Europa, os poderes públicos. Na Inglaterra, o consumo de tabaco foi severamente reprimido pelo rei James I. Na Rússia, o czar mandou decapitar os fumantes. Na França, um decreto de 1629 proibia que os fumantes se reunissem em lugares públicos. Na Holanda, os calvinistas denunciaram a erva do diabo, o que não impedia que alguns deles a comercializassem”.

Contudo, o tabagismo na Holanda se disseminava, então é de se concluir que Descartes experimentou o tabaco, o que Pàges coloca ironicamente como: “Daí a imaginar que, no lugar do ‘Grande Livro do Mundo’, Descartes partiu para descobrir o grande Herbário da Europa (..).”. A respeito das tabernas, Pàges descobre que Descartes frequentou o Bogt van Gune (Golfo da Guiné).

E Pàges volta a falar de Tobie: “Era nesse tipo de taberna, segundo Tobie, que Descartes havia encontrado uma certa Helenja. Em todo caso, meu provocador conhecia esse ‘Golfo da Guiné’, pois tinha dado o mesmo nome ao seu ‘coffee shop’ de Amsterdã”.

Em relação a Helenja, Pàges se remete ao relato de Alexandre Astruc, em seu Le Roman de Descartes: “Em Amsterdã, onde reside, Descartes (…) tem junto dele uma empregada, jovem holandesa de Deventer, uma bela moça loira de vinte anos, alegre como todas as holandesas, Helenja Jans (Helenja, filha de João). O filósofo a via ir e vir dentro de sua morada”. Contudo, foi ficção, em parte, o que Pàges descobre é que houve uma Helenja de 39 anos, nascida em Deventer.

Pàges afirma que Descartes amava as mulheres, e diz: “A respeito do instinto que nos leva “ao gozo das volúpias corporais”, ele diz (que) “não deve ser sempre seguido”… Não sempre… Somente algumas vezes…Por exemplo, naquela noite de 15 de outubro de 1634, na qual sabemos por uma confidência de Descartes a Mersenne, que ele fez um filho em Helenja”.

Pàges segue: “Em 19 de julho de 1635, foi batizada na igreja luterana de Deventer uma pequena ‘Francintge’, filha de Helenja Jans e Reyner Joachems (Renato filho de Joaquim). Francine ou literalmente Francinette, que nome cheio de significado! Homenagem ao solo natal! São nos pequenos detalhes como esse que vemos se somos franceses ou não. Esse nascimento encantou nosso quarentão. Com sua pequena família, ele se instalou em Santpoort, numa casa com um grande quintal”.

No relato de Pàges, esta menina morreu com cinco anos, e depois não se sabe do paradeiro de Helenja. Diante do questionamento de Voetius, Pàges relata: “Mas esse concubinato com uma empregada (alguns dizem que houve casamento) foi assumido orgulhosamente por Descartes quando Voetius o acusou de fazer filhos naturais. Ao que Descartes respondeu com uma larga e honrosa expressão em latim: ‘Nuper juvenis fui’ (‘Não faz muito tempo que eu era jovem’). E continua: ‘et nunc adhuc homo sum’ (‘e hoje ainda sou homem’) … E faço o que eu quiser”.

Pàges então enumera os amigos de Descartes: “entre os amigos franceses que vieram ver nosso ‘Reyner Joachems’ na Holanda, encontravam-se personagens duvidosos. O primeiro da lista, o amigo íntimo, é Claude Picot, libertino radical, conhecido em Paris por sua vida de devassidão, entretanto capaz de traduzir em francês os Principia do filósofo”.

Pàges cita novamente Tobie, e enumera mais dois amigos de Descartes: “Descartes tinha um cachorro que se chamava Monsieur Grat. O cachorro de Tobie!”. Decididamente, o dono do Bogt van Gune conhecia bem a biografia de Descartes… Mas continuemos a lista. Outro amigo próximo: um chamado Touchelaye, “apesar de abade, um devasso desleixado e indelicado”, informa René Pintard. Enfim, um certo Des Barreaux, “senhor incontestado da gula e um crápula””, que Pàges situa como autor de um poema-manifesto que, segundo ele, “não deve ter desagradado Descartes”.

(continua)

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog:
http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

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