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‘Abolicionismo animal’ em pauta nas eleições da Capital

Renata Bomfim, Professor Gean e Naone Garcia se comprometeram em carta a levar os direitos dos animais ao legislativo

Divulgação

“Enquanto houver matadouros, haverá campos de guerra”. A famosa frase do célebre escritor russo Leon Tolstói, em defesa da dieta vegetariana, resume de forma radical a visão mais profunda sobre a influência que a alimentação humana exerce sobre a evolução moral das civilizações. Passados mais de cem anos de sua morte, a humanidade continua avançando nessa pauta, como ele mesmo já havia constatado em relação ao século XIX, tendo agora, como uma de suas bandeiras-conceito mais avançadas, o “abolicionismo” ou “libertação”. 

Em nível nacional, a ONG Fala – Frente de Ações pela Libertação Animal -tem trabalhado na campanha Voto Animal, angariando apoio de candidaturas ao executivo e legislativo municipais por meio da assinatura de uma carta-compromisso com uma ampla pauta de defesa dos direitos dos animais. Até agora, 257 candidaturas assinam a carta, sendo treze de prefeituras, quatro delas em capitais.

O Espírito Santo marca presença com quatro nomes: Sérgio Sá (PSB), que disputa a prefeitura de Vitória, e três concorrentes à Câmara: Renata Bomfim (PV), Professor Gean Jaccound (Rede) e Naone Garcia (PSD).

A carta apresenta 31 propostas de ações que, apesar da aparente radicalidade do nome da entidade, são, em sua maioria, pragmáticas, facilmente compreensíveis mesmo para os recém-iniciados nas discussões sobre bem-estar animal (linha mais suave de defesa dos direitos dos animais) e amparadas na Constituição Federal, na Lei de Crimes Ambientais e em iniciativas e leis em tramitação no país já há algum tempo.

Diferentemente do que muitos poderiam imaginar, a alimentação não é o centro das propostas. Das 31, a dieta vegana (livre de qualquer proteína animal ou sofrimento animal) aparece em apenas três, que abordam o estímulo à capacitação de profissionais de saúde para atender pacientes veganos; o desenvolvimento de cursos, oficinas, degustações e demais ações de divulgação da dieta vegana; e o incentivo à oferta de refeições veganas em estabelecimentos públicos e privados, incluindo a rede de ensino, saúde, assistência social e de privação de liberdade.

Nessa linha, se situa a única mulher na lista da Fala no Estado. Professora, escritora, arte-terapeuta, ambientalista, proprietária de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN) e ex-presidente da Academia Feminina Espírito-Santense de Letras, Renata afirma que, mesmo sendo vegetariana, entende que a alimentação é apenas uma parte da questão, e não necessariamente tem que ser a primeira a ser pautada num espaço complexo e democrático como o poder público.

“Vegetarianismo não como imposição, mas como uma referência, um hábito alimentar que nos encaminha para uma sociedade mais saudável, mais justa e menos violenta”, defende. “Sustentabilidade é viva, ela pulsa. É muito pouco reduzir a sustentabilidade a um conceito! Hoje toda empresa é sustentável? O que que é isso? A sustentabilidade está nas pequenas práticas do cotidiano”.

Para o Professor Gean,  “a proposta é ampla e ousada, mas não radical. É uma proposta para se pensar no futuro; ela está à frente de seu tempo. Alguns itens dizem respeito a Vitória, outros não, seja por já existirem leis em consonância com o exposto na carta, seja por se tratar de uma realidade diferente da nossa”, declarou, citando a construção de um hospital veterinário público e a intensificação dos serviços de castração como pautas necessárias de serem discutidas na Câmara de Vitória, e outras que não estão no seu escopo de atuação caso eleito, como a proibição de uso de animal para tração, por já haver lei nesse sentido, e a proibição de caça de animais silvestres, por não se destacar na realidade da cidade.

Já Naone Garcia ressalta prioridades da carta como o incentivo à realização de eventos de adoção de animais abandonados; a política pública de castração de animais domésticos, comunitários e errantes; e a promoção de campanha de conscientização para a importância da adoção de animais domésticos. “Não concordo com os pontos que sugerem criar estruturas administrativas, porque isso onera o município, mas acredito que com adequação de processos e pessoal, as equipes atuais da prefeitura podem dar conta das demandas que são levantadas”, ponderou.

Fundo e Conselho municipais

Há ainda proposta de criação de um fundo e um conselho municipal de proteção animal e de uma frente parlamentar com a temática; a proibição de queima de fogos de artifício ruidosos (a serem substituídos pelos silenciosos); a criação de um santuário de animais; a proibição da utilização de superfícies contínuas de vidro que atraem aves que se machucam ou morrem ao se chocarem contra elas; e uma política tributária que favoreça empreendimentos de venda de produtos ou serviços em que haja sofrimento animal e onere os que atuam no sentido contrário.

No documento, os candidatos se comprometem ainda a indicar, até o primeiro dia de seu mandato, caso eleito, uma pessoa da equipe para ser interlocutora junto à ONG e demais organizações parceiras para facilitar o diálogo constante; e o acompanhamento contínuo do cumprimento dos compromissos, com prestação de contas semestral.

Especismo e senciência

Na esteira do apoio às propostas, os candidatos são provocados a apoiar mobilizações nacionais em favor de inovações científicas que permitem a produção de cosméticos e medicamentos sem testagem em animais (não-humanos) e mesmo a produção de conhecimento científico como um todo sem os experimentos que utilizam, como cobaias, outros seres sencientes. Aqui, outro termo moderno, que também é apresentado para os que ainda não o conhecem: a capacidade que outros animais, não-humanos, possuem de sentir emoções e sentimentos de forma consciente, e que está associado ao igualmente contemporâneo conceito de “especismo”.

“Considerar-se no direito de explorar outros indivíduos simplesmente porque pertencem a um outro grupo abstrato, desconsiderando suas propriedades concretas, é uma atitude discriminatória. Quando fazemos isso com os animais de outras espécies que também têm os mesmos interesses que nós, animais humanos, essa discriminação se chama especismo: uma atitude antiética e antropocêntrica baseada na ideia de que a espécie humana é tão mais superior, tão mais especial, que se vê no direito de explorar e, em muitos casos, torturar e assassinar animais de outras espécies, desconsiderando totalmente os interesses similares aos nossos que esses animais também têm”, explica a Fala.

Em resposta, a entidade propõe “o conceito de Direitos Animais como o mais completo na atualidade relacionado à cultura de paz, sustentabilidade e justiça social, pois a defesa dos Direitos Animais engloba não somente a defesa dos animais sencientes de outras espécies contra o especismo, mas também nossa própria defesa (nós, animais humanos) contra qualquer forma de discriminação e opressão existente em nossa sociedade, promovendo também a defesa de todo o ambiente onde nós animais estamos inseridos, ou seja, a defesa da sustentabilidade em todas as suas dimensões”.

Os crimes contra os animais, ressalta a entidade, “mancham nossa democracia, pois, numa verdadeira democracia, é preciso tratar com igual respeito todos os demais animais que também tenham os mesmos interesses que nós animais humanos”.

Em coro, Renata afirma: “Não é conto de carochinha. Podemos dizer que é uma utopia possível. O respeito para com os animais é a base para a construção de uma sociedade mais justa e pacífica”.


Para além do respeito e da proteção das pessoas e demais animais sencientes, Renata propõe uma postura de empatia para com todas as formas de vida. “Precisamos pegar um caminho que nos leve para isso que a gente deseja, e passa por olhar pras criaturas, para uma árvore, e ver um ser que está aqui, muitas vezes, muito antes da gente, e que merece respeito”, convida, ressaltando: cidades mais verdes são cidades mais seguras, mais saudáveis e onde vivem pessoas mais felizes. “Vamos abraçar as árvores, cuidar das árvores que estão nas nossas calçadas”, poetiza.

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