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‘Pescador não é bandido’, protestam pescadores contra proibição da pesca em Vitória

Desde 2017 categoria pede diálogo pra conciliar conservação ambiental e sua atividade econômica tradicional

Divulgação

“Pescador não é bandido”. A afirmação já vem sendo feita pelos pescadores artesanais de Vitória há pelo menos três anos e, na manhã desta terça-feira (10), foi impressa em cartazes e gritos de luta em um protesto em frente à prefeitura da Capital. 

“O pai de família virou bandido. Sem poder exercer a sua função, automaticamente virou um bandido. É perseguido até pela polícia, já que se criou essa lei [Lei Municipal 9.077/2017] de forma inconstitucional. O próprio jurídico da Câmara disse na época que era inconstitucional, mas mesmo assim ela foi assinada e passou a valer. Não teve estudo, não teve base”, relata o presidente da Colônia de Pesca Z-5, Álvaro Martins da Silva, o Alvinho, um dos cerca de 50 pescadores e pescadoras presente no protesto.

“Essa lei foi criada pelo Luiz Emanuel [Zuain, Cidadania] quando ele era vereador e depois ele foi executá-la como secretário de Meio Ambiente. Desse dia pra cá, os pescadores não estão tendo mais condição de exercer a sua atividade. A lei foi feita de uma hora pra outra, sem comunicar o pescador o que podia e o que não podia fazer”, descreve Alvinho.

“Ela proíbe a pesca artesanal de rede em praticamente toda a Grande Vitória, sem respeitar os outros municípios, de Serra, Vila Velha e Cariacica, onde a prefeitura de Vitória não tem autoridade para legislar. Queremos trabalhar de forma honesta como trabalhávamos antes”, reivindica. “Só pode pescar depois de uma milha, em mar aberto. Os barcos pequenos não chegam lá. Pessoal do siri, da Ilha das Caieiras, está todo mundo proibido de trabalhar”, repudia.

Ao longo desses três anos, os pescadores artesanais de Vitória já levaram os temas da inconstitucionalidade e da injustiça que a lei promove contra a categoria aos principais espaços políticos da Capital e do Estado. “A gente já falou com vereador, com deputado, mas até agora ninguém fez nada”, reclama o líder pesqueiro.

Em março deste ano, às vésperas do feriado de Semana Santa, quando aumenta a demanda por peixes e crustáceos, a “tradição culinária capixaba durante o período de Quaresma e sua influência na geração de renda” foi o tema da reunião ordinária da Comissão de Cultura da Assembleia Legislativa.

O vice-presidente do Sindicato dos Pescadores do Espírito Santo, Braz Clarindo Filho, ressaltou, na ocasião, que “a cadeia produtiva de pesca do Estado significa 7% do Produto Interno Bruto (PIB), reunindo 16,5 mil pescadores na atividade, que vai da pesca, da fabricação e comércio dos produtos usados na atividade, como rede, equipamentos, fabricação do gelo, supermercados, peixarias, etc.”.

Braz também criticou o governo do Estado, afirmando que o mesmo está “‘de costas para a costa’, sem uma agenda de investimentos que qualifique e legitime o segmento, inclusive na questão de leis”, enfatizando a mesma 9.077/2017. “Queremos que esta legislação seja revista e adequada no sentido de nos proporcionar tranquilidade para exercermos nossa profissão e sustentar nossas famílias”, pediu.

Em maio do ano passado, um pedido de revisão da lei já havia sido feito pelo pescador Mauro Alves da Silva aos vereadores de Vitória. “A pesca é o nosso ‘ganha pão’, não temos outra forma digna para levar o sustento da nossa família. Agradeço a oportunidade de estar aqui hoje para dialogarmos sobre isso e quero contar com a contribuição dos vereadores para que seja revista essa lei”, disse Mauro, com manifestações de apoio de Davi Esmael (PSD) e Neuzinha de Oliveira (PSDB).

Autorizações, permissões e penalidades

Em seu Art. 1º, a Lei municipal 9.077/2017 estabelece que “fica proibida a pesca utilizando qualquer tipo de rede, na Baía do Espírito Santo, na Baía de Vitória e nos canais de navegação: Canal de Vitória e Canal de Camburi, do Município de Vitória”, bem como o uso dos seguintes aparelhos e métodos: “redes de emalhe, de espera ou de cerco na Baía do Espírito Santo, Baía de Vitória e Canais de Navegação; qualquer tipo de pesca de arrasto na Baía do Espírito Santo, Baía de Vitória e Canais de Navegação; pesca com qualquer tipo de rede em Unidade de Conservação; pesca com rede no raio de 1000 metros a jusante e a montante das desembocaduras de rios; pesca com qualquer tipo de rede de emalhe e arrasto a menos de três milhas náutica s da linha de base formada entre o Farol de Santa Luzia, ponta do porto de tubarão e limite do Município de Vitória com o Município de Serra, em Praia Mole”.

O Art. 2º permite “pesca com linha de anzol assistida na Baía do Espírito Santo e na Baía de Vitória, em locais fora da Unidade de Conservação”. Rede é permitida apenas para “pesca embarcada com tarrafa com malha igual ou maior que 70 milímetros realizada por pescador profissional na Baía de Vitória, fora das Unidades de Conservação, fora do raio de mil metros a jusante e a montante das desembocaduras da foz do Rio Santa Maria da Vitória”.

Aos infratores, conforme o Art. 3º, são aplicadas penalidades previstas na Lei Federal dos Crimes Ambientais nº 9.605/1998, Decreto Federal nº 6.514/ 2008, Lei do Código Municipal de Meio Ambiente de Vitória, nº 4.438/97, e Lei Municipal de Criação da Estação Ecológica do Município Ilha do Lameirão nº 3.377/1986.

APA

Além da Estação Ecológica do Lameirão, citada na lei, outra UC que tem influenciado diretamente a aplicação da 9.077/2017 é a Área de Proteção Ambiental (APA) Baía das Tartarugas, criada um ano depois, pelo Decreto nº 17.342/2018.

Estendendo-se desde o Complexo de Tubarão, passando por toda a Praia de Camburi, até a altura da Terceira Ponte, incluindo as Ilhas do Boi e do Frade e a Curva da Jurema. A APA não possui em seu conselho gestor, no entanto, representantes dos pescadores artesanais de Vitória, o que, provavelmente, tem intensificado a dificuldade de diálogo da categoria com a fiscalização ambiental da capital.

Numa página associada à APA no facebook, uma postagem feita no dia 30 de junho relata que “constantemente operações de fiscalização são realizadas na Baía das Tartarugas, pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semmam) e outros órgãos ambientais, apreendendo redes de pesca ilegais, em busca de assegurar a preservação das unidades de conservação, reduzindo assim a prática de pesca predatória e, consequentemente, a morte de espécies marinhas, como as tartarugas, que acabam ficando presas nessas redes”.

Citando a Lei 9077/2017, a postagem informa que “todo o material encontrado durante a fiscalização é recolhido” e, “caso o responsável seja encontrado, ele poderá além de ter a embarcação apreendida, ser multado, responder a processo por crime ambiental ou até mesmo ser preso”.

A UC faz também um pedido para que “caso tenha o conhecimento e encontre redes de pesca ilegal na área de preservação ambiental, entre em contato imediatamente com os órgãos ambientais como a Polícia Ambiental, Guarda Municipal e a Prefeitura de Vitória e denuncie”.

“A Baía de Vitória tem um potencial enorme para o ecoturismo”, enaltece a postagem. “Nos ajude a preservar, proteger e manter esse ecossistema em constante equilíbrio e cada dia mais belo”, pedem os gestores da página.

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Tradição e modernidade

A legitimidade de ambos os pleitos – conservação ambiental e pesca artesanal – não deveria ser motivo de disputa de território de poder.

Se por um lado a criação da APA e, com ela, o crescimento dos esportes náuticos na praia de Camburi e do turismo ecológico de observação de baleias a partir da Baía do Espírito Santo, são conquistas e movimentos recentes que trazem um novo viés de uso social, econômico e cultural pro litoral da porção continental da ilha, há toda uma tradição socioeconômica e cultural ao longo de toda a costa da capital – incluindo a Baía de Vitória, na porção insular, que não pode ser excluída do processo de gestão.

Primeiro foram expulsos os catraieiros, para que os portos pudessem se expandir. Agora serão os pescadores artesanais? Ou o moderno e o tradicional poderão dialogar?

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