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​O ‘sim, sim’ e o engano

Lideranças religiosos buscam camuflar a percepção da realidade para impor suas crenças na disputa eleitoral

“Seja, porém, o vosso falar: sim, sim; não, não; porque o que passa disto é de procedência maligna”. Assim Jesus falou a seus discípulos, como está no evangelho de Mateus 5:37, um dos 66 livros da Bíblia evangélica, o manual do povo cristão. Ele ensinava sobre a necessidade de cada um ser honesto com a percepção da realidade, que, no tempo certo, será revelada para aqueles que buscam a verdade. 

Esse texto bíblico me vem à cabeça, insistentemente, depois de assistir ao debate entre João Coser (PT) e o Delegado Pazolini (Republicanos), candidatos a prefeito de Vitória no segundo turno, promovido pelo Conselho das Igrejas Evangélicas do Espírito Santo, domingo passado (22), em um dos mais efervescentes núcleos do bolsonarismo no Estado, a Igreja Evangélica Batista de Vitória (IEBV).

Explico o porquê: o evento, travestido de debate, foi uma autêntica arapuca eleitoral, anulada pela experiência e o preparo da quase vítima, o candidato da oposição ao bolsonarismo, que se saiu bem das perguntas, articuladas sem meios termos, direcionadas não para esclarecer, mas, contrariando o sim, sim de Jesus, confundir e desinformar. Em um momento, João Coser declarou-se injustiçado e identificou ódio no conteúdo dos questionamentos.

Ao abordar de forma distorcida temas em debate na sociedade, com a finalidade de manter o clima de ódio em cima de um partido político, com base em sofismas de defesa da família, dos bons costumes e das pessoas de bem, os formuladores das perguntas se colocam como alheios a práticas que deveriam adotar, pelo menos em tese, a começar por um comportamento transparente.

A realidade é outra. Mostra uma brutal e cruel concentração de poder, que transforma em algoz aquele que deveria ser servo das comunidades, como ensinou Jesus, na medida em que passa a ditar normas e regras, inclusive o voto por meio de falsos ensinamentos, apresentados como dogmas, e, portanto, indiscutíveis. Temas como aborto, casamento homossexuais, entre outros, merecem um debate aberto, pois as igrejas não são bolhas de virtudes e seus pastores santarrões irrepreensíveis.

São homens e mulheres falhos, como todo ser humano. A abordagem tendenciosa de questões sociais e de comportamento que estão sendo debatidas nas mais variadas áreas não pode ser creditada a um partido político. Esse é um comportamento, por mais que se queira camuflar, que segue na esteira da enxurrada de notícias falsas inauguradas no golpe de 2014, que tirou a presidenta Dilma do poder e abriu caminho para a eleição de Jair Bolsonaro. Um cenário construído com participação bastante relevante dos evangélicos, apesar dos reflexos na sociedade, passados dois anos deste governo.

Um ponto a mais no saldo negativo e extremamente prejudicial de sistemas religiosos evangélicos, cuja atuação no Brasil vem desde o início do Século 19, por meio de grande número de pastores estadunidenses mais voltados para garantir a situação de colônia do nosso país do que em pregar o evangelho. Um quadro que explodiu na ditadura militar de 1964, período que registra tortura, prisão e exílio de jovens protestantes que ousaram defender a solidariedade, a fraternidade e a justiça, valores com significado densamente significante na fé cristã.

A percepção da realidade dos que promovem eventos desse tipo está a anos-luz dos ensinamentos bíblicos que dizem professar. Apoiam-se em sofismas disseminados por gabinetes de lideranças políticas e de pastores televisivos, cujos interesses visam alcançar a hegemonia, a fim de garantir um rebanho de fiéis – e eleitores -,que possa conduzir com facilidade. O bolsonarismo envolve esses sistemas religiosos, longe do que é, na realidade, a verdadeira igreja, colocando-se ao lado de núcleos opressores, excludentes e preconceituosos. Até quando?

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