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‘Uma embarcação daquela com três pessoas para viajar até o Rio de Janeiro? Absurdo!’

Família do marítimo vítima de naufrágio recorda luta de Eric contra redução de tripulação e jornada exaustiva

Arquivo pessoal

“Quando soube que eram só três naquela embarcação, fiquei em choque! Uma embarcação daquela com três pessoas para viajar até o Rio de Janeiro? Um absurdo! Muito precário. As empresas só querem olhar o lucro e esquecem das pessoas, dos empregados”. 

O desabafo é de Erica Rosa, filha de Eric Barcelos, chefe de máquinas que morreu, aos 56 anos, após naufrágio da embarcação Oceano 1, ocorrido no primeiro dia de novembro na altura da Ilha Escalvada, em Guarapari, sul da região metropolitana. A empresa apontada como responsável pela contratação é a Nave Metre.

Os outros dois tripulantes foram resgatados no dia seguinte, mas Eric ficou desaparecido até essa quarta-feira (25), quando o corpo encontrado dois dias antes, na Praia de Comboios, em Aracruz, norte do Estado, foi confirmado como sendo do marítimo. 


“Foram os piores 24 dias que nossa família já passou. Um desespero nos primeiros dias, quando a gente esperava encontrá-lo na água ainda com vida, com receio de estar em alguma ilha…nesses últimos dias, quando recebemos a notícia de que tinham achado um corpo, ficamos com medo de ser dele, mas também tranquilos em pode dar um destino digno para o meu pai”, relata.

Nesses instantes finais, a família teve ainda que lidar com as imagens do corpo deteriorado, que chegaram às filhas pelas redes sociais. “Infelizmente as imagens chegaram para gente. Foi horrível. Infelizmente eu e minhas irmãs vimos as fotos do corpo em decomposição e percebemos, identificamos o corpo, pelo tronco, parecia mesmo com ele. Eu fiquei em choque”, conta.

Apesar do choque e do misto de tristeza e alívio pelo fim das buscas, Erica diz sentir-se privilegiada pelo desfecho. “Pelo tempo que ficou na água, foi um privilégio ter encontrado parte do corpo pra enterrar, foi um privilégio de Deus. Privilégio de dar essa honra para o meu pai e para os marítimos que encontraram ele”, afirma, referindo-se aos amigos de Eric, que permaneceram em busca, mobilizando todo o Estado, de colônia de pesca em colônia de pesca, mesmo quando a Capitania dos Portos suspendeu os trabalhos.

A partir de agora, o que continua é a investigação por parte da Marinha do Brasil e do Ministério Público do Trabalho (MPT) sobre as causas do naufrágio. Sobre isso, a família compartilha da posição do Sindicato dos Trabalhadores de Transporte Aquaviário do Espírito Santo (Aquasind).

“Não foi acidente. Foi desnecessário, podia ter sido evitado”, ressalta Erica, em coro com declarações feitas a Século Diário pelo presidente da entidade, Antenor José da Silva Filho. “Quando se fala em acidente, é uma coisa que não se pode prever. Mas nós temos alertado as autoridades, temos processos na Justiça há três anos, contra a redução das tripulações de embarcações como essa em que o Eric estava”, expôs o presidente, no início das buscas .

“Era uma coisa que meu pai lutava muito”, recorda Erica. “Tem mensagens dele pra mim falando sobre o sindicato. Lembro claramente do meu pai no terraço ligando pros amigos pedindo para lutar contra essa redução de tripulação. Lembro do meu pai falando ao telefone sobre jornada exaustiva”, conta. “Nas eleições de 2018, ele alertava os colegas: ‘Temos que lutar pelos nossos!”, reforça.
Da antiga agenda do pai, Erica encontra algumas citações importantes para ele: “Se eu fosse trabalhar numa fábrica, primeira coisa que faria era aderir a um sindicato”, atribuída, no manuscrito, a Frank Delano Roosevelt, e “É muito melhor arriscar coisas grandiosas, alcançar triunfos e glórias, mesmo expondo-se à derrota, do que formar fila com os pobres de espírito que nem gozam muito nem sofrem muito, porque vivem nessa penumbra cinzenta que não conhece vitória nem derrota”, de Theodore Roosevelt.

‘Perder o medo’

Na última sexta-feira (20), o Aquasind realizou a primeira de uma nova série de manifestações sobre a necessidade de as empresas que contratam os marítimos respeitarem a legislação quando ao tamanho das guarnições (tripulação), para evitar jornas exaustivas e, fatalmente, possíveis novas tragédias, como a que vitimou Eric Barcelos. 

O lema do primeiro protesto foi “Já perdemos quase tudo, só falta perder o medo”. Medo, explica Antenor, de “dizer não”, medo do desemprego. “Quando diante do perigo e do desgaste, quando não dá para fazer, dizer não! Esse medo é que temos que perder e sermos profissionais. Se não tivermos condições, não vamos sair”, orienta.

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