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Quilombolas trazem vida de volta a território arrasado pela monocultura de eucalipto

Enquanto aguarda reconhecimento oficial, Comunidade do Córrego do Felipe sofre ação judicial da Suzano

Arquivo APPAQCF

Na comunidade do Córrego do Felipe, no Território Quilombola Tradicional do Sapê do Norte, entre São Mateus e Conceição da Barra, no norte do Espírito Santo, 40 famílias estão, há cinco anos, recuperando uma terra arrasada pela monocultura de eucaliptos. Em cerca de 80 hectares, cultivam frutas, verduras, especiarias e árvores nativas, colhem alimentos e fazem rebrotar a água. 

As mesmas 40 famílias estão sendo ameaçadas de despejo por uma ação de reintegração de posse da Suzano (ex-Fibria e ex-Aracruz Celulose), assinada por 40 advogados pagos com honorários elevados pela papeleira, cujo capital social declarado é de R$ 80 bilhões. 


Nos autos, a multinacional acusa a comunidade de invadir suas terras e roubar-lhe as toras de eucalipto enfileiradas na paisagem desertificada pelo monocultivo e agrotóxicos. A comunidade já apresentou sua defesa e aguarda a retomada da tramitação do processo a partir do final de janeiro, após o recesso do Judiciário.

“Não há nenhuma prova a favor desse argumento. Em nenhum momento nós invadimos nem retiramos nenhuma benfeitoria dela. Sempre reivindicamos reforma agrária justa. A comunidade tem toda a documentação das terras devolutas que ainda não foram demarcadas e as famílias exigem que as políticas públicas façam estudo científico comprovando sua presença tradicional e seu direito ao território”, explana Diogo Gomes dos Santos, liderança local e presidente da Associação de Pequenos Produtores Agrícolas Quilombolas do Córrego do Felipe (APPAQCF).

A entidade teve que providenciar assessoria jurídica particular para defender seu território e seus direitos. Apesar das denúncias no Ministério Público Federal (MPF) sobre invasões nas terras quilombolas e dos pedidos feitos às autarquias federais, o apoio do governo ainda não chegou.
Arquivo APPAQCF

No processo, a própria Suzano pediu que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) fizesse um parecer sobre as famílias do Córrego do Felipe e o juiz federal responsável pelo caso solicitou que a Fundação Palmares emitisse também um parecer. A Fundação ainda não se manifestou e o Incra se limitou a dizer que a família do presidente da Associação não é cadastrada no quilombo do Angelim 1, este já reconhecido pela Fundação Palmares e apoiador da luta do Córrego do Felipe. 

A comunidade do Angelim 1, ressalta Diogo, reconhece que o Córrego do Felipe faz parte de seu território. Também o Conselho Nacional Quilombola (Conaq) e a Comissão Quilombola do Sapê do Norte reconhecem a luta da Associação de Pequenos Produtores Agrícolas.

“Nós precisamos que a Fundação Palmares faça um estudo científico das famílias que estão aqui”, expõe o líder quilombola. “Que as famílias sejam reconhecidas e que possamos ter o direito de reconhecimento e preservação do território”, roga. 

As 40 famílias que residem atualmente no Córrego do Felipe consistem no desdobramento das 23 que inicialmente retomaram o território, em 2016, e de outras que substituíram algumas das pioneiras que não puderam se manter no território por dificuldades diversas, mas que são igualmente reconhecidas como remanescentes de quilombos do Sapê do Norte.
Arquivo APPAQCF

Nesse período, a maioria conseguiu erguer casas de alvenaria e viver da agricultura de subsistência e criação de animais. Com o reflorestamento feito com espécies nativas e frutíferas, o açude já consegue abastecer a comunidade. “O açude não tinha uma gota de água antes da retomada, por causa dos eucaliptos. E agora tem uma vazão de 60 litros por segundo. E algumas famílias já conquistaram seu direito de outorga da água”, comemora Diogo.

Arquivo APPAQCF

Arquivo APPAQCF

Dois moradores locais já estão cadastrados como produtores de pimenta-rosa no Instituto Capixaba de Pesquisa e Extensão Rural (Incaper). Para 2021, o desejo é de que outros agricultores consigam formalizar o cadastro na produção desta e outras culturas, como banana e coco; que a energia elétrica chegue para todos; e, principalmente, que os estudos científicos oficiais sejam feitos, reconhecendo mais uma comunidade quilombola na região, freando a expansão do deserto verde e apoiando o uso social e ambientalmente justos do território.

Arquivo APPAQCF

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