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​Dia D do descaso

O discurso do ministro da Saúde sobre a vacinação contra a Covid-19 só demonstra descaso e autoritarismo da parte do governo

Passados 11 meses da descoberta do primeiro caso de Covid 19 no Brasil, em 26 de fevereiro de 2020, o país caminha para registrar 210 mil mortes causadas pela doença e mais de oito milhões de casos, segundo os números oficiais, quando somos impactados pela fala do general ministro da Saúde – especializado em logística -, que a população será vacinada no “Dia D, na Hora H”. Do tom do discurso não sobra nada de concreto, a não ser o autoritarismo, um linguajar natural do militarismo, que se fortaleceu no Brasil a partir do governo Bolsonaro, e a certeza de que o governo não está aí muito preocupado em vacinar a população e sim em fazer política. 

Apesar do tom imperativo do ministro, sua fala se perde por não estabelecer uma data, o dia D da vacinação, como ocorreu no fato histórico que o inspirou, o desembarque das tropas aliadas na região da Normandia, norte da França, uma das frentes de batalha para a derrubada de Hitler e do nazismo. Naquela época, o Dia D significava uma data fixada – 6 de maio de 1945 – concretizado na forma estabelecida nos quartéis encarregados da logística do ataque.


Um exemplo perfeito de logística, parte de um contexto onde se destaca a invasão das tropas soviéticas em Berlim, capital da Alemanha, na mesma época, que pôs fim ao regime de terror implantado na Europa e que ainda hoje influencia governos autoritários mundo afora, pois o vírus do nazismo nunca morre, como disse o escritor franco-argelino Albert Camus (1913-1960), por meio de uma personagem do seu livro A Peste.

Um fato facilmente confirmado com um olhar mais acurado sobre a realidade atual: estão à mostra a expansão do autoritarismo e a construção de engrenagens para sustentá-lo por meio da força e do desrespeito às normas institucionais vigentes. Em 2020, segundo ano da era Bolsonaro, por exemplo, os pedidos de registros de armas de fogo no país cresceram 90%, percentual baixo para o presidente da República, defensor do cidadão armado e responsável pelo militarismo em postos de comando do governo, que hoje abriga mais de seis mil integrantes das Forças Amadas -, e que invade, também, as casas legislativas do país.

Paralelamente, aliados do governo se movimentam para votar no Congresso Federal dois projetos de lei orgânica das polícias civil e militar que restringem o poder de governadores sobre braços armados dos Estados e do Distrito Federal. Estão previstas mudanças na estrutura das polícias, entre elas a criação de um Conselho Nacional de Polícia Civil ligado à União.
Caso os projetos sejam aprovados, o controle político dos governadores sobre as polícias ficará limitado, na mesma proporção em que aumentará o poder do oficialato da PM e dos delegados-gerais, quando se tratar da Polícia Civil. Exatamente onde Bolsonaro investe para garantir reforço no caso de uma quase certa crise política mais grave que possa desaguar em um processo de impeachment, difícil, mas não de todo descartado, em decorrência da situação de desmonte imposto a partir de 2019, gerando retrocessos na economia.

O caso mais emblemático do encolhimento que tomou conta do país é o fechamento das três fábricas da Ford, anunciada nesta segunda-feira (11), deixando milhares de desempregados, e o aumento do botijão de gás para R$ 88, em um quadro sombrio para uma população aturdida com o cheiro de sabotagem procedente desse atraso do programa de imunização do povo. 
São dias Ds que se repetem há dois anos, marcados pelo tom da irresponsabilidade e diante de uma oposição acomodada, incapaz de interagir com as camadas mais atingidas. Passado o período eleitoral, onde estão os partidos de esquerda, de que forma age a oposição? São respostas cruciais para se entender o momento atual e sentir até onde o descalabro pode chegar sem que haja alguma reação à altura, pois será a partir de uma oposição com o apoio popular que o autoritarismo será reprimido.

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