Pessoas com Deficiência (PCDs) que habitam em residências inclusivas estão entre os que serão imunizados nessa primeira etapa de vacinação. Contudo, o professor do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Douglas Ferrari, alerta para o fato de que é preciso mobilização para que, de fato, as demais PCDs, previstas para serem vacinadas na quarta etapa do plano de imunização, possam também ter acesso à vacina. “O planejamento não garante a ação prática”, acredita.
Douglas, que é pesquisador da Covid-19 com foco nas PCDs, afirma que as estratégias de vacinação da quarta-fase, que incluem outros grupos, como caminhoneiros e quilombolas, não estão definidas. De acordo com ele, a única fase que tem definição é a atual, carecendo de nota técnica do governo Bolsonaro (sem partido) sobre como se dará não somente a quarta fase, mas todas as que ainda estão por vir. Douglas demonstra preocupação, por exemplo, sobre como se dará a vacinação para quem não tem acessibilidade.
Na fase atual, além das PCDs que habitam em residências inclusivas, também serão vacinados idosos de instituições de longa permanência, população indígena e profissionais da saúde, não precisando se deslocar até o posto de saúde. Entretanto, o pesquisador destaca que para as outras etapas, nas quais haverá necessidade de deslocamento, não há definição de uma logística com foco no atendimento domiciliar para PCDs impossibilitadas de se deslocar e outras pessoas com o mesmo impedimento, como idosos.
Douglas também chama atenção para as duas possibilidades de comprovação da deficiência estabelecidas para que as PCDs tomem vacina. Uma é a autodeclaração. A outra, comprovante de limitação permanente grave. Ele aponta para a possibilidade de fraude que pode haver na primeira. “No Brasil pessoa com deficiência tem desconto na compra de carro. Às vezes o que acontece é que a pessoa chega na concessionária na cadeira de rodas, compra e sai andando. Temos que tomar cuidado para que na vacinação também não aconteça isso”, exemplifica.
Há pessoas com deficiência leve, moderada e severa. As que estão inclusas na quarta etapa são de deficiência severa, ou seja, com incapacidade grande ou total, por exemplo, as que não enxergam, não ouvem ou não andam.
Luta por inclusão
Douglas destaca que as PCDs têm travado uma luta intensa por inclusão em meio à pandemia da Covid-19, como a própria inserção delas nos grupos prioritários. O pesquisador recorda que conseguiram incluir dados sobre as PCDs no Painel Covid após constatação, por meio de pesquisas, de que elas têm maior vulnerabilidade. Posteriormente, a epidemiologista e professora da Ufes, Ethel Maciel, conseguiu fazer com que fossem inclusas no Plano Nacional de Imunização. Douglas destaca que não precisariam lutar por isso se houvesse respeito à legislação.
“A Lei Brasileira de Inclusão garante prioridade para as pessoas com deficiência em casos como os de calamidade pública por ser um grupo vulnerável. Não precisaríamos lutar pela inclusão entre os grupos prioritários caso a lei fosse cumprida”, denuncia. Quanto aos dados das PCDs no Painel Covid, Douglas afirma que se trata de uma iniciativa importante, mas que isso não basta. Ele defende que os dados devem motivar a formulação de políticas públicas para as PCDs, que, inclusive, já foram sugeridas para o governo do Estado, mas não concretizadas.
Algumas das sugestões, relata Douglas, foram garantia de acompanhantes nos hospitais; campanhas com acessibilidade, com recursos como braile, libras, audiodescrição, legenda; e a criação de um observatório composto pela Ufes, Secretaria de Estado de Saúde (Sesa) e Ministério Público do Espírito Santo (MPES), por exemplo, para acompanhar e pensar ações com foco nas PCDs. Ele também defende protocolos de como lidar com as PCDs na saúde pública. “Quantos profissionais da saúde fazem libras, por exemplo?”, questiona.
De acordo com Douglas, o Espírito Santo é o único Estado que tem dados sobre PCDs no Painel Covid. Com base no Painel, ele afirma que, nesta semana, já foram confirmados cerca de 5 mil casos de Covid-19 em meio a esse grupo e 238 óbitos. A taxa de letalidade foi de 4.7%, ou seja, mais do que o dobro da taxa do restante da população, que é de 2%.
Grupo de risco e condição e fator de risco
Douglas explica que as PCDs não fazem parte do grupo de risco, e sim, do grupo de pessoas com condição e fator de risco. Grupo de risco trata-se de idosos, profissionais da saúde e pessoas com comorbidades. Neste último, aqueles que têm, por exemplo, doenças como hipertensão e diabetes. “Deficiência não é doença. Nem toda pessoa com deficiência é doente. Mas se uma pessoa com deficiência tiver hipertensão, por exemplo, ela será vacinada na terceira etapa, que é a que contempla quem tem comorbidades”, diz Douglas.
O pesquisador salienta que as condições e fatores de risco levam em consideração fatores ambientais, orgânicos e comportamentais. As PCDs se encaixam nas três condições. “Uma pessoa com deficiência visual acaba não podendo fazer muito o distanciamento social por ter que botar a mão no ombro de outra pessoa para se locomover, com uma pessoa surda é preciso falar mais perto para que ela possa escutar, um cadeirante tem dificuldade de lavar as mãos porque a pia é muito alta”, exemplifica.
Uso político da pandemia
Douglas afirma que as considerações feitas por ele, como a ausência de estratégias para vacinação, além da falta de vacinas, já que não há previsão de compra de lotes que possam imunizar toda a população, são fruto do “uso político da pandemia, da Covid e da vacinação em todas as esferas”. Ele aponta não somente a negligência do governo Federal, mas também dos estaduais e municipais.
O pesquisador acredita que é preciso comemorar o início da vacinação, entretanto, é preciso ficar atento para o fato de que ela está sendo utilizada politicamente, como na disputa entre Jair Bolsonaro e João Dória, governador de São Paulo. Ele também faz críticas do governo Renato Casagrande, que não divulgou publicamente o Plano Estadual de Vacinação.
Painel Covid-19
De acordo com o Painel Covid, foram registrados 280.426 casos de Covid-19, sendo 1387 nas últimas 24 horas. O número de óbitos até o momento foi de 5590, sendo 25 nas últimas 24 horas.