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Lords of Chaos – A Sangrenta História do Metal Satânico Underground – Parte 2

“Este livro de Moynihan e Soderlind anuncia aqui um extenso programa de pesquisa que foi muito bem realizado”

Reprodução/Instagram via Uol

O black metal, desde os anos 90, virou um mosaico que mistura suicídio com tiro de espingarda, queimas de igrejas e assassinatos com arma branca, este trio macabro que se firmou nesta década mais delinquente deste estilo de rock e metal, sobretudo na Noruega. Isto foi alimentado por uma retórica que vai do satanismo ao fascismo, num tipo de ID psíquico de sinceridade fatal, sem qualquer freio ou censura. 

O visual do black metal então se funda num tipo poser e o estilo de vida é algo semelhante ao de lunáticos, um grupo de pessoas que pode reunir verdadeiros demônios ou personagens de desenho animado, a caricatura poser se destaca, e temos, também, o gestual típico que tem a floresta de fiordes como um tipo de fetiche ligado a um culto de origem ancestral.


O desafio ao status quo, aos valores consolidados, o confronto direto com a tradição cristã, numa versão neopagã, tais são os pontos de que parte as contestações feitas por figuras ligadas a este movimento musical, e nas palavras do livro Lords of Chaos: “tudo isso é alcançado ao som militante do próprio black metal – uma cacofonia estrondosa de dimensões atordoantes.

O black metal adota a estrutura básica de um dos subgêneros mais pesados do heavy metal e a reduz a uma força áspera e venenosa de ódio auditivo. Como se com o objetivo de confundir ainda mais o ouvinte desavisado, algumas bandas decidiram também gravar faixas que podem com tranquilidade ser descritas como “belas”, e se arriscaram nos territórios da música eletrônica ambiente, do folk tradicional europeu e até da música neoclássica”.

E segue o relato do livro: “No extremo norte do continente, a natureza incendiária do metal extremo se encontrou com os climas gélidos da Noruega e da Suécia, e o resultado foi uma criação de proporções explosivamente voláteis: o black metal. O norte, rigorosamente controlado pelos elementos da natureza, suas estações dominadas pela escuridão e o frio, ironicamente ofereceu o ambiente desolado que acenderia a faísca para o black metal reunir forças e levantar armas na guerra profana que estava por vir.
O rock and roll já é há muito tempo um adversário de vários dos princípios básicos do cristianismo, mas o heavy metal underground levou isso ao seu extremo. Para esses, o cristianismo não deveria ser gradualmente erodido por constantes incursões de crescente imoralidade, mas deveria, sim, ser abruptamente arrancado e incinerado até seu último suspiro. O black metal forneceria os soldados dispostos a se atirar de cabeça na batalha, com tochas nas mãos, para iluminar com chamas as catedrais e igrejas da Europa.”

Em uma mistura de satanismo, em muitos casos, e outros em que se empreende um projeto de neopaganismo e de combate anticristão, há uma vontade de resgate de tradições que teriam sido ofuscadas e até extintas pela invasão cristã no continente europeu. O livro Lords of Chaos seguirá uma análise cultural e musical, descrevendo o black metal em seus aspectos musicais e os contextos culturais que estão neste influxo, as origens em que se baseia tal militância que mistura música e resgate de tradições perdidas ou eclipsadas dentro da Europa.

Segue o relato do livro: “A conexão entre esses eventos reincidentes é turva, seus detalhes obscurecidos pelas névoas dos mitos e alegorias pré-cristãos. O black metal tomou o fogo de Loki e o usou de combustível, o reagente de uma via de mão única para o inferno. Será que os deuses antigos despertaram novamente, sedentos por sangue após anos de sono? Ou seria essa sua última resistência, um Götterdämerung de proporções wagnerianas, enquanto eles suplicam antes de a cortina se fechar?

Um historiador germanista escreveu que “Não há somente um Crepúsculo dos Deuses, há uma noite profunda, escura e impenetrável”. Com o brilho ardente de lâminas de espadas reais ou imaginadas, as legiões do black metal conduziram suas próprias tentativas desesperadas de iluminar a escuridão. Suas armas são a blasfêmia e o fogo, aliados à artilharia sônica pesada e instigados por íntimos e poderosos impulsos infernais”.

Esta descrição em Lords of Chaos que cotejei e citei aqui é intitulada “preâmbulo: escuridão adentro”. Este livro de Moynihan e Soderlind anuncia aqui um extenso programa de pesquisa que foi muito bem realizado e que é um registro de aspectos que vão de conceitos filosóficos ou pseudo-filosóficos, muitas vezes num caldo de mistificação e teorias de conspiração açodadas, e a descrição de uma geração muito jovem que explodiu no black metal norueguês e de alguns outros países, num tipo de niilismo bem nascido que buscava impacto em meio a um frio nórdico em que a vida parecia bem estabelecida.

Esta miscelânea entre música extrema, e ideias também extremas sobre a realidade, resultaram nos inúmeros eventos que chocaram a sociedade durante a década de 1990, o auge em que tais ações diretas e radicais se deram, tudo isto perpetrado por gente muito jovem e com um tipo de senso de contestação bem questionável e que era uma visão repleta de imoralidade e de concepções que iam de encontro a marcos civilizatórios muito caros e firmes para qualquer modelo de sociedade civil e de instituição. O black metal, nos anos 1990, desafiava interditos que foram pelos ares com esta juventude que entrava, muitas vezes, no submundo da delinquência.

Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
Blog:
http://poesiaeconhecimento.blogspot.com

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