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‘Temos muitas músicas e artistas incríveis e devíamos nos orgulhar’

João Depoli, editor do portal Inferno Santo, acompanha e divulga desde 2017 a cena musical independente  do Espírito Santo
Divulgação

Desde 2017, o engenheiro ambiental João Depoli se dedica a uma tarefa quase quixotesca: divulgar a música autoral que vem sendo feita no Espírito Santo. Não é loucura ou utopia, é questão de justiça, como diria o personagem de Cervantes. A rica e diversa produção dos artistas capixabas dificilmente encontra seu lugar no céu. Mas tem ao menos encontrado seu lugar no Inferno Santo – nome do portal comandado por Depoli, que também é músico, para falar do cenário musical local.

Um nome provocativo mas que surgiu inspirado no calor que a maior parte dos capixabas enfrenta a cada ano nessas terras tropicais. “É um péssimo nome, mas agora já era”, brinca o criador, que diz já ter tomado puxão de orelha de gente religiosa. Mas o nome pegou e segue. Amante da música e da escrita, João Depoli chegou a escrever no Tenho Mais Discos que Amigos, portal nacional especializado em música que tem quase 300 mil fãs no Facebook e serviu de inspiração para a criação do Inferno Santo, este totalmente focado na música feita por capixabas ou no Espírito Santo.

O “QG” do Inferno Santo, em tons nada celestiais. Foto: Divulgação

De lá pra cá foram mais de mil posts acompanhando o panorama da música local, com lançamentos, cobertura de eventos, entrevistas e outros temas. A maior parte do público que acompanha o site é jovem, cerca de 70% possui até 34 anos de idade. “Embora eu tente falar sobre todos, as matérias acabam refletindo o meu gosto pessoal e o foco maior fica com a nova safra”, diz, antenado com a nova geração que vem despontando nos últimos anos, com alguns nomes ganhando destaque também fora do Estado.

“Eu fiz um levantamento de tudo que foi lançado em 2020 e fiquei impressionado com a quantidade e diversidade de tudo. É algo da ordem de 500 lançamentos dos mais variados estilos e níveis de qualidade. Isso por si só já é uma grande conquista para a nossa música, embora a grande massa ainda não tenha percebido toda essa mina de ouro cultural que circula”, relata o editor do portal.

Durante a pandemia veio o baque para o setor cultural, incluindo os músicos e bandas, que tiveram que rever seus planos. Sem a possibilidade de fazer shows, que também são uma importante fonte de recursos, muitos se voltaram à produção e gravação durante o período, além de terem que enfrentar os diversos dilemas pessoais e profissionais. O Inferno Santo também teve que refletir e se adaptar ao momento. Por isso lançou o Quarentalks, uma série de entrevistas que já ouviu mais de 60 artistas refletindo sobre sua adaptação a este momento excepcional e o reflexo disso em suas vidas e carreiras.

Para 2021, o Quarentalks deve continuar, já que a pandemia ainda não foi superada e os resultados das conversas têm sido interessantes. Mas o Inferno Santo também quer expandir sua cobertura para além da música: focar em atitudes, comportamentos, experiências e também na conexão da música com outras temáticas com literatura e esportes. “Ainda não sei como isso vai se desenrolar. Como tudo que faço nesse site, vai ser na tentativa e erro”, reflete João Depoli. Seu trabalho no portal é totalmente voluntário e sem apoios financeiros para custos de produção, hospedagem, layout, redes sociais e outras necessidades. “Tudo fica sob minha insanidade e responsabilidade”, diz.

Os melhores discos  de artistas capixabas em 2020 segundo o Inferno Santo. Imagem: Divulgação

Sobre defesa da música autoral feita no Espírito Santo, é uma luta contra o que parece ser contra um ciclo vicioso. O público pouco conhece os artistas e falta divulgação e espaços que abram suas portas para o autoral. Mas nem sempre foi assim. “Para os espaços, por exemplo, atualmente, o autoral não garante o mesmo retorno financeiro que uma banda cover. Mas isso é uma realidade cíclica. Há alguns anos o cover não tinha lugar. O que é necessário agora é direcionar esforços para que a roda gire novamente. Isso, no entanto, envolve diversos degraus numa longa subida para todos os envolvidos: artistas, público, mídia e espaços”, analisa

Mas a produção e a cena continuam existindo apesar do pouco espaço oferecido. “Quando eu comecei o site, a minha intenção foi tentar mostrar que nós temos muitas músicas e artistas incríveis e que isso deveria fazer com que a gente se orgulhasse de não ter que depender de São Paulo ou Rio de Janeiro para ter um cenário diferenciado. Nós já temos o nosso”.

João Depoli entende que para superar o cenário de invisibilidade da produção autoral é preciso que muitas engrenagens girem em sintonia: mais foco, organização, profissionalização, concessão, compreensão, divulgação, oportunidades e um pouco de sorte. O editor acredita que quem fala que “no Espírito Santo não tem música boa” na maioria das vezes são pessoas que não conhecem de fato o que vem sendo feito por aqui.

Sobre apostas de sucesso para o ano de 2021, João evita citar nomes mas indica um caminho: dos 500 lançamentos que acompanhou em 2020, quase a metade foi de artistas ligados ao rap, hip hop, trap e outras vertentes. “Hoje eu ouvi dizer de uma fonte bem confiável que esse número não foi nada e que em 2021 é que vai realmente sair o grosso. Acho que vale a pena abrir os olhos pra isso”. Se ele prefere não citar, nós lançamos alguns para quem quiser acompanhar: Budah, Morenna, César MC, Noventa, VK Mac, Dudu MC, Afronta, Melanina MCs, Axânt, entre muitos outros da nova geração que vem trazendo novidades com muita frequência.

Para quem quiser dar uma mergulhada no que foi produzido recentemente, o Inferno Santo publicou uma lista com o que considerou os 27 melhores discos ou EPs de 2020, com grande diversidade de estilos. 

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