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Retornar ao remetente

A turminha enclausurada encontrou na filatelia uma atividade que classificou de “relaxante, palpável e instagramável”

A vida é um troca-troca constante, renovação e retrocesso. Para ganhar idade nova precisamos nos desfazer da velha. O mesmo vale para o dia e a hora, um ano que entra e um ano que sai, o ontem e o agora, a juventude e a velhice. O sol pela lua, o aluguel pela rua, diria um poeta sem inspiração. Os filmes perdem para os seriados e os livros para o Twitter. Quanto menos melhor, diria o poeta preguiçoso. Se ontem foi a carta e hoje é o e-mail, alguma coisa se perdeu no meio do caminho.

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A reclusão imposta por uma pandemia desenfreada trouxe de volta uma velha senhora muito respeitada: a filatelia. Andava claudicante, mas de repente voltou à moda, transformando o selo postal em obra de arte. Disfarçado de pombo-correio, o selo registra a história, atesta as mudanças sociais, morais, religiosas, acompanha modismos e tendências, eternizando a arte e o artista. Mesmo custando pouco, um selinho pode alcançar valores que extrapolam os algarismos nele impressos. Muitos ficaram famosos e altamente valorizados no mercado de antiguidades. Convém dar uma olhada nos guardados do seu avô.

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A arte milenar de apreciar, preservar, incentivar e colecionar selos estava se afogando no excesso de tecnologia. Mas de repente sobe à tona e respira ar fresco: a turminha entediada encontrou na filatelia uma atividade que classificaram de relaxante, palpável e “instagramável” – quer dizer, que se adapta ao Instagram. É isso, a turma jovem deixou o Facebook para os coroas e debandou para o Instagram. Para eles, a maior vantagem da filatelia é ser ‘unplugged’, sem precisar de tomadas para sobreviver, e isso mostra uma saudável tendência.

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Quem não nasceu ontem deve se lembrar do filme Charada, mas falar nisso é ‘spoiler’, como se diz por aqui. Tá no Netflix, portanto, se não viu vai correndo assistir – depois vem terminar essa interessante leitura. Colecionar selos era sinônimo de educação e bom gosto – crianças de todas as idades os disputavam como se fossem figurinhas de super-herói. Quando o carteiro chegava, o selo causava mais frisson do que a carta. Era comum enviar cartas a consulados e embaixadas espalhadas pelo mundo para receber de volta um envelope adornado com selos coloridos.

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A corrida atrás do cobiçado FDC – Primeiro Dia de Circulação, quando o carimbo do dia coincide com a data do lançamento do selo, era uma caça ao tesouro, provocando longas filas na porta dos correios. A decadência começou quando os correios inventaram o famigerado carimbo postal – feio, sem personalidade, insignificante. O carimbo matou a correspondência e provocou o avanço tecnológico, ou vice-versa? Nessa reação em cadeia, a filatelia foi a vítima: sem carta não tem selo e sem selo não tem colecionador. Mesmo assim, os filatelistas reagiram, e indo ao correio despachar uma carta, exigiam o selo.

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Por muitos séculos esse pedacinho de papel serrilhado, de ínfimo valor, cumpriu seu dever de levar a mensagem aos quatro cantos do mundo, mesmo sem cola. Nesses antanhos as agências tinham um cilindro de cerâmica rolando sobre uma base cheia de cola. Veio o selo com cola seca e o pote de cerâmica continha água para umedecê-lo. Teve a história da assistente em um consultório lotado que selava uma pilha de envelopes lambendo os selos um a um. A cena incomodava os impacientes, que lhe diziam que aquele lambe-lambe prejudicava a saúde. Ela nem aí, até que alguém mudou o discurso, Sabia que cola engorda? Ela correu atrás de um potinho com água.

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