segunda-feira, novembro 25, 2024
24.9 C
Vitória
segunda-feira, novembro 25, 2024
segunda-feira, novembro 25, 2024

Leia Também:

Costa do ES tem papel central na regulação do clima do planeta, avalia especialista

Apoiando a Década do Oceano da ONU, Alexander Turra ressalta importância da ocupação responsável do litoral

ICMBio

Bancos de rodolitos. Ainda pouco conhecidos da Ciência e menos ainda da sociedade, essas estruturas aquáticas complexas e sensíveis são capazes de sequestrar volumes significativos de gás carbônico (CO²), reduzindo, assim, os efeitos do aquecimento global, além de atraírem inúmeros outros organismos, prestando serviço essencial na conservação da biodiversidade e na produção pesqueira das regiões a eles circundantes.

Na Década do Oceano, declarada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para o período entre 2021 e 2030, os rodolitos serão estrelas de importantes debates, campanhas e ações de pesquisa e conservação, ao lado dos manguezais, recifes rochosos e de corais e todo o conjunto de hábitats, ecossistemas e suas interações com as comunidades humanas que compõem as áreas costeiras.

No Espírito Santo, um conjunto de fatores coloca o litoral capixaba numa posição crucial para o debate e a aplicação das mais modernas tecnologias de uso responsável do litoral, de forma a conciliar a melhoria da qualidade ambiental e de vida com as atividades econômicas tradicionais e em expansão.

Responsável pela Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano, o professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IO/USP) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, Alexander Turra conta que o Espírito Santo está no centro da área que compreende a maior parte do banco de rodolitos brasileiro, este, considerado o maior do mundo.

“O Espírito Santo tem papel central na conservação da biodiversidade e na produção pesqueira própria e dos estados vizinhos da Bahia e Rio de Janeiro e tem um papel ainda mais abrangente na regulação do clima do planeta, especialmente pelo seu banco de rodolitos”, explica o especialista.

O Estado, observa Alexander, tem se destacado como “uma área emergente em estudos oceanográficos, que está se consolidando fortemente nos últimos anos, com ampliação do número de instituições e pesquisadores”. Um pouco em função de suas especificidades biogeográficas, mas também em função de vários “estímulos mais recentes, como o rompimento da barragem de Fundão [da Samarco/Vale-BHP, ocorrido em novembro de 2015]”.

ICMBio

 Os rodolitos são compostos por algas vermelhas e calcáreas que crescem muito lentamente, formando crostas, e se assentam no fundo do mar, em formato de pequenos pães ou batatas, que se unem uns aos outros, formando estruturas semelhantes a recifes. Sem eles, afirma, “a temperatura do planeta estaria bem mais elevada”.

Unidades de Conservação

Nesse sentido, é extremamente louvável a existência da Área de Proteção Ambiental (APA) Costa das Algas, gerida pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Criada em 2010, ela representa a vitória da natureza, após doze anos de uma acirrada batalha da comunidade de Santa Cruz, em Aracruz, norte do Estado, à qual se somaram pesquisadores e ambientalistas capixabas e de outros estados brasileiros, em favor da proteção do banco de rodolitos no local, ameaçado, na época, pela mineradora Thotam, que requereu a extração de algas calcáreas na região do estuário do rio Piraquê-açú.

A APA Costa das Algas foi criada em 2019. Foto: ICMBio

“A APA agrega diferentes tipos de uso sustentável. Junto à Reserva Biológica de Comboios, racionalizam o uso da zona costeira no norte do Estado. Embora haja problemas de implementação, não são UCs só no papel, possuem conselhos, são atuantes, indutoras de bons usos na zona costeira”, observa Alexander Turra.

Essas e outras UCs, em associação com a comunidade científica crescente, avalia, têm deixado claro o que o Espírito Santo tem a perder se abrir mão das ferramentas de conservação e uso sustentável de seus recursos naturais: atividade pesqueira, turismo, regulação do clima, biodiversidade. “Quem pode ser a favor de perder esse tesouro?”, questiona Alexander Turra. “Lucidamente, é preciso fazer as coisas com um pouco mais de zelo, de cuidado”, orienta.

Também integrante da RECN, bem como cientista da Academia de Ciências da Califórnia e membro da ONG Associação Voz da Natureza, o oceanógrafo Hudson Pinheiro ecoa o pedido de cautela e inteligência na ocupação das zonas costeiras e marinhas capixabas.

“O litoral do Espírito Santo apresenta uma grande diversidade de ecossistemas costeiros, com recifes de corais nas águas quentes do litoral norte e recifes rochosos e muitas ilhas no litoral sul, além de muitos rios, lagoas costeiras, estuários e manguezais espalhados ao longo de toda costa”. Essa diversidade, enaltece, faz com que o Estado abrigue a maior diversidade de peixes recifais e de algas marinhas do Brasil, além de sustentar uma enorme quantidade de pescadores, que dependem destes ecossistemas saudáveis para a sustentabilidade de suas atividades”.

Contraditoriamente, “o estado do Espírito Santo sofre com um desenvolvimento desordenado, com aterro de manguezais, portos sendo propostos a cada poucos quilômetros de linha de costa, muita poluição e desastres ambientais que ameaçam a biodiversidade e atividade pesqueira capixaba”, expõe Hudson, endossando o remédio prescrito pelo colega na Rede de Especialistas: “através de Unidades de Conservação, gestores ambientais e sociedade podem discutir e criar medidas que garantam a preservação da natureza e sustentabilidade dos recursos que nós dependemos”.

ICMBio

A presença das UCs costeiras, no entanto, ressalva o cientista, são em número insuficiente, “impossibilitando alternativas de desenvolvimento sustentável”. Os processos de propostas de conservação, aponta, “têm sido mais rigorosos e demorados que processos de desenvolvimento econômico oportunistas, criando um cenário preocupante no Espírito Santo”.

Década do Oceano

Um esforço global para reverter esse processo de degradação está sendo lançado pela ONU, ao declarar a Década do Oceano, entre 2021 e 2030, focalizando esforços também nas zonas costeiras, onde reside parte considerável da população mundial. A Organização estima que 40% das pessoas vivam em regiões distantes no máximo 100 km da costa.
Em um relatório publicado em dezembro passado, o Painel de Alto Nível para a Economia Sustentável do Oceano mostrou que os habitats costeiros fornecem proteção para centenas de milhões de pessoas e contribuem fortemente com a economia. Só os recifes de corais contribuem com US$ 11,5 bilhões por ano para o turismo global, beneficiando mais de 100 países.

Já os manguezais, reduzidos a três quartos de sua área original, geram, apenas no Brasil, US$ 5 bilhões em benefícios ao país pelos serviços prestados pela sua simples existência ou pelo suporte à pesca ou turismo, segundo a publicação Oceano sem mistérios: desvendando os manguezais, publicado pela Fundação O Boticário.

“Os recifes de corais e os manguezais são os habitats que têm atuação mais direta na proteção da costa, pois eles reduzem a energia das ondas que nela incidem, o que costuma ser bastante evidenciado em regiões propícias a tsunamis. Consequentemente, isso protege a linha da costa, a infraestrutura urbana localizada ao redor e, acima de tudo, a vida humana que existe na localidade”, explica Alexander Turra.

Os manguezais, por sua vez, agem na suplementação desse efeito de dissipação energética, entre outras ações. “Cerca de metade do CO2 que lançamos no ar fica no oceano, a partir da ação de organismos que fazem fotossíntese. Isso é feito pelos manguezais, pelas macroalgas, pelos rodolitos, pelas gramas marinhas e pelo fitoplâncton. Ao regular o clima do planeta, esses ecossistemas ajudam a garantir a resiliência da costa e a saúde do planeta”, esclarece.

A Década do Oceano, ressalta o responsável pela Cátedra Unesco de Sustentabilidade do Oceano, se lança a ser “um grande dinamizador”, para estimular reflexões sobre o uso sustentável do oceano. “O mundo espera um oceano limpo, seguro, saudável e resiliente, produtivo e explorado sustentavelmente, previsível transparente inspirador e envolvente. A gente tem muito disso no Espírito Santo. A década traz um esforço pra essas discussões de nível local em função da importância local e global”, afirma.

Mais Lidas