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Câmara de Vitória aprova projeto nos moldes do Escola Sem Partido

Foram 11 votos favoráveis. Somente as vereadoras Karla Coser e Camila Valadão foram contrárias

Com 11 votos favoráveis e dois contrários, sendo estes os das vereadoras Camila Valadão (Psol) e Karla Coser (PT), foi aprovado na manhã desta segunda-feira (15), na Câmara de Vitória, o Projeto de Lei 15/2021, de autoria do vereador Gilvan da Federal (Patriota). A votação foi acompanhada por dezenas de professores, liderados pelo grupo Professores Associados pela Democracia de Vitória (Pad-Vix), que fizeram um ato na frente da Casa de Leis, por considerarem o projeto inconstitucional e por acreditarem que criminaliza os servidores públicos.

A Pad-Vix afirma que o projeto acusa os servidores de apresentar conteúdos pornográficos “para atender à ideologia do grupo Escola Sem Partido, buscando silenciar a educação sexual e de gênero para repressão da diversidade”. A associação diz isso com base na justificativa de Gilvan da Federal para o projeto. O vereador afirma que “por desconhecimento, má-fé ou despreparo, não apenas professores, mas diversos serviços ou servidores públicos que atendem crianças e adolescentes desrespeitam os direitos fundamentais infanto-juvenis e o direito da família na formação moral dos filhos, e expõem crianças e adolescentes a conteúdo pornográfico, obsceno ou impróprio, bem como as induzem à erotização precoce”.

O projeto de lei diz que “os serviços públicos e os eventos prestados, autorizados ou apoiados pelo Poder Público Municipal devem respeitar as leis federais que proíbem a divulgação ou acesso de crianças e adolescentes a imagens, músicas ou textos pornográficos ou obscenos, assim como garantir proteção a conteúdos impróprios ou obscenos, assim como garantir proteção a conteúdos impróprios ao seu desenvolvimento psicológico”.
A lei afirma que isso se aplica a qualquer material impresso, sonoro, audiovisual, ou imagem, “ainda que didático, paradidático ou cartilha, ministrado, entregue ou colocado ao acesso de criança e adolescentes, bem como ‘folders’, panfletos, ‘outdoors’, ou qualquer outra forma de divulgação em local público ou evento autorizado ou patrocinado pelo Poder Público municipal, inclusive mídias e redes sociais”.
O projeto de lei considera como conteúdo pornográfico ou obsceno, “áudio, vídeo, imagem, desenho, texto escrito ou lido, cujo conteúdo descreva ou contenha palavrões, imagem erótica de relação sexual ou de ato libidinoso, qualquer violação ao disposto nos artigos 218-A, 233 e 234 do Código Penal e artigos 78 e 241-E do Estatuto da Criança e do Adolescente”.
A iniciativa também prevê que os servidores devem apresentar previamente às famílias “o material pedagógico, cartilha ou qualquer tipo de publicação que pretendam apresentar ou ministrar em aulas ou outro tipo de atividade, em observância aos princípios constitucionais da legalidade, moralidade e publicidade e publicidade a que estão sujeitos todos os servidores públicos, no exercício de suas funções, conforme o artigo 37 da Constituição Federal”.
Polêmicas e acusações
A votação foi marcada por polêmicas e acusações. O autor da proposta rebateu as críticas ao projeto dizendo que em nenhum momento chamou professor de criminoso. “Se ler com calma, sem ideologia, vai ver que não está escrito professores, mas serviços públicos municipais, pois em um museu podem querer abocanhar nossas crianças, em um posto de saúde”, diz. Falou, ainda, que os docentes que estavam na porta da Câmara eram “militantes travestidos de professores” e que entre eles estava “um militante do PT derrotado nas eleições e que quer bancar o vereador”, em clara referência ao secretário executivo da Pad-Vix, Aguinaldo Rocha de Souza, que se candidatou à Câmara no pleito de 2020. 
Gilvan defendeu que o projeto é com fins de prevenção. Camila Valadão questionou a iniciativa afirmando que o conteúdo trabalhado nas escolas é discutido com a comunidade escolar. “Essa preocupação já existe nas escolas, de debater como será conduzida a educação no ano letivo”, disse. A vereadora também se posicionou criticamente ao fato de o projeto ter sido votado em regime de urgência. “Parece que a urgência é usada como estratégia para dificultar a análise pelas comissões da Casa. As comissões poderiam ouvir o Conselho Municipal de Educação de Vitória [Comev] e outras entidades”, defende.
Camila destacou, ainda, que o projeto é uma cópia de outros já apresentados em outros locais, além de uma “repetição de dispositivos legais”, não tendo “comprovação com a realidade local”. “Há dados do Conselho Tutelar? Eu desconheço. E me parece que o vereador [Gilvan da Federal] também. Quero que diga aqui em qual escola isso acontece. Já chegou nessa Casa aqui alguma denúncia?”, questionou a vereadora, que afirmou ser a justificativa de Gilvan para o projeto uma “acusação aos servidores do município”.
Karla Coser apontou que o projeto é “flagrantemente inconstitucional”, tendo sido derrubado em outros locais por meio de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no Supremo Tribunal Federal (STF). “Vai ser derrubado judicialmente em qualquer instância em que for discutido”, garante a vereadora. Para ela, votar esse projeto é “gastar tempo com uma medida que não deveria ser apresentada”, pois já existe legislação que impeça a exposição de crianças e adolescentes a conteúdo pornográfico, como o Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (Ecriad). Karla Coser defendeu que é preciso falar sobre educação sexual, uma vez que 70% dos casos de abuso acontecem no ambiente familiar e doméstico.
O coordenador de Diversidade da Pad-Vix recorda que o projeto é praticamente igual ao que foi apresentado em 2017 para a rede estadual de ensino de Alagoas e para a rede municipal de Ribeirão Preto, em São Paulo. Ambos foram aprovados, mas em 2020 foram considerados inconstitucionais pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Roberto Barroso.

Participação da sociedade civil
Durante a sessão a vereadora Camila Valadão solicitou o direito de fala do Conselho Municipal de Vitória, por meio da presidente Zoraide Barbosa de Souza, o que foi questionado por Gilvan da Federal, alegando possibilidade de haver desrespeito aos vereadores. “Se houver desrespeito vou sair do plenário. É inadmissível vir atacar vereadores aqui”, disse. “Respeito não significa não poder falar a verdade, é entender que a diferença, as possibilidades, não têm uma verdade única”, respondeu Zoraide.
A presidente do Comev afirmou que o projeto será enviado para a Comissão de Educação do Conselho, que dará um parecer e “se algum vereador quiser entrar com Adin, estamos juntos”. Outra representante da sociedade civil que falou na Tribuna da Casa foi da Associação de Pais e Alunos do Estado do Espírito Santo (Assopaes). Alechandra, cujo sobrenome não foi falado durante a sessão, leu sua carta de desligamento da entidade, na qual se posiciona favorável ao projeto e se afirma cristã e conservadora. De acordo com ela, em sua atuação na Assopaes foi chamada de “fundamentalista, retrógrada, intolerante, sendo atacada por não aceitar o pensamento de doutrinação militante da esquerda”.
Entidades se manifestam
Devido à votação do projeto, a Pad-Vix divulgou nesse domingo (14) um manifesto assinado por 19 entidades. “Enfatizamos que o PL debatido colide com as leis maiores do nosso país, abre espaço para que os familiares determinem o conteúdo a ser ensinado nas nossas escolas, desrespeita os Conselhos de escola (com representatividade de pais e estudantes/líderes comunitários), responsabiliza os familiares por conhecimentos que não tiveram (formação pedagógica), desrespeita os currículos de formação das nossas Instituições de Ensino Superiores e Resoluções do Conselho Nacional de Educação que determinam as Diretrizes Curriculares Nacionais para formação de professores, a Base Nacional Comum Curricular, as diretrizes curriculares da nossa cidade, os Projetos Políticos Pedagógicos das Unidades de Ensino e toda a pesquisa em educação feita no nosso país; tudo isso em nome de uma moralidade sem ser caracterizada e sustentada”, diz o manifesto.
No manifesto, a Pad-Vix salienta que, além da “fragilidade jurídico-científica-discursiva do PL”, ele traz em seu artigo quinto “a multa entre 5% e 15% ou do salário ou do contrato, somada ainda a garantia de denúncia de qualquer pessoa física ou jurídica a apresentação da denúncia, conf. Art. 6º”. O coordenador de Diversidade da Pad-Vix, Juca Bitencourt, faz questionamentos em relação a isso. “Como irão fiscalizar? Quem vai multar? Abre precedentes para vereador que quer perseguir alguém com quem ele não se dá, para pais perseguirem servidores de quem eles não gostam e para o próprio servidor perseguir outro com quem não se dá bem”, diz.
O manifesto foi assinado pelo Sindicato dos Servidores Municipais de Vitória (SINDSMUVI), COMEV, Fórum Municipal de Educação de Vitória, Fórum de Diretores Escolares do Município de Vitória, Coletivo Educação pela Base, Sindicato dos Professores no Estado do espírito Santo (SINPRO), Laboratório de Gestão da Educação Básica do Espírito Santo da Universidade Federal do Espírito Santo (Lagebes/Ufes), Laboratório de Ensino e Aprendizagem em Geografia, Grupo de Pesquisa e Políticas Educacionais, Grupo de Pesquisa Formação e Atuação de Educadores, Núcleo de Estudos e Pesquisas em Políticas Educacionais, Grupo de Pesquisa Gestão, Trabalho e Avaliação, Grupo de Pesquisa e Formação, Pesquisa-ação e Gestão de Educação Especial, Núcleo de Estudo, Pesquisa e Extensão em Medicalização da Educação, Núcleo de Artes Visuais e Educação (NAVEES/CE/Ufes), Núcleo de Artes Visuais e Educação, Núcleo de Estudos e Pesquisas em Filosofia, Educação e Linguagens e Turma 15/2018 do Doutorado em Educação.
Tramitação suspensa em 2018
Um projeto semelhante teve sua tramitação suspensa na Câmara de Vitória em 2018. Foi o PL nº 225/2017, de autoria do vereador Davi Esmael. A juíza Marianne Júdice de Mattos, da 5ª Vara da Fazenda Pública de Vitória, concedeu, na ocasião, liminar favorável ao mandato de segurança impetrado pelo então vereador Roberto Martins. Na liminar, a magistrada reconheceu a jurisprudência citada na ação – decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) – que comprova a inconstitucionalidade do projeto de lei, pois “usurpa a Câmara Legislativa Municipal de Vitória competência Legislativa da União”.
Conhecido como “Lei da Mordaça”, o PL já havia obtido parecer contrário da Comissão de Educação da Casa, orientando pela sua retirada da pauta, mas continuou tramitando, sob o aval da Comissão de Constituição e Justiça.

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