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Plataforma pública sobre saúde da mulher, do feto e da criança em gestação na Ufes

Criação do observatório obstétrico brasileiro pode ajudar a reduzir o volume de cesarianas desnecessárias

Arquivo pessoal

A criação de uma plataforma pública de dados sobre saúde da mulher, do feto e da criança está em gestação na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), num projeto selecionado na chamada internacional Grand Challenges Explorations (GCE), lançada em agosto de 2020, que será desenvolvido em parceria com o Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (USP) e a Faculdade de Engenharia de Sorocaba (Facens).

O financiamento é compartilhado entre o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (Fapes) e a Fundação Bill & Melinda Gates, que contribuirão, respectivamente, com R$ 399,8 mil, R$ 137,5 mil e R$ 149,4 mil, totalizando R$ 686,7 mil para 18 meses de trabalho dos especialistas.

A coordenação é da professora do Departamento de Estatística da Ufes Agatha Rodrigues, que trabalhou originalmente com dados obstétricos durante o doutorado na USP, quando percebeu que o volume de dados sobre o setor no Brasil necessita de uma sistematização e disponibilização para pesquisa por gestores e a população em geral.

“Temos dados públicos, muitos dados, mas eles não são analisados, não são publicados de forma limpa, com algumas estatísticas, para que a população possa conhecer e também gestores possam tomar decisões de políticas públicas. Foi uma surpresa pra mim. Não existe um repositório, uma plataforma onde esses dados possam ser analisados”, expõe.

“Serão disponibilizadas as análises exploratórias dos dados, com visualização on-line, dinâmica e com filtragens escolhidas pelo usuário, além dos resultados de análises e modelos preditivos”, explica.

Interativa, a plataforma contará ainda com uma seção destinada à criação de indicadores obstétricos obtidos a partir de bases de dados públicas, assim como às análises de associação entre indicadores socioeconômicos e indicadores obstétricos já existentes e os que serão criados. Um livro também está no raio de atuação da equipe, e enfocará a ciência de dados aplicada à saúde da gestante, fetal e neonatal, com disponibilização gratuita.

Neste momento, a equipe está conhecendo as bases de dados do Sistema Único de Saúde (SUS), para identificar o que há de material disponível para análise e cruzamento. “Os dados estão no sistema, mas em planilhas que não têm análise. Estamos entendendo essas bases de dados – nascimento, mortalidade fetal, materna e neonatal – e depois vamos integrar essas bases”, descreve.

Em seguida, será possível conversar com os gestores e tomadores de decisões sobre políticas públicas. “Para pautar questões em políticas públicas, tem que ter um ponto de partida confiável. E os dados são excelentes pra isso”, enfatiza.

O acesso da população em geral também é meta. “Como fazer com que esses resultados fiquem mais acessíveis à população? Precisamos muito discutir isso em meio aos pesquisadores, porque a gente analisa dados e publica artigos, mas em inglês. E a população brasileira?”, questiona.

Perguntas elementares como “Como está a taxa de cesárea num determinado estado ao longo dos anos?” poderão ser facilmente respondidas pela plataforma, acentua Agatha, tocando em um aspecto que é de interesse de gestores, de especialistas e da sociedade como um todo.

Atualmente, o último ano com dados fechados sobre esse e outros aspectos elementares da obstetrícia brasileira é 2018. Nesse ano, as cesarianas representaram 56% do total de partos registrados em território nacional. “O dado mostra uma constante. Em 2016 foi 55% e em 2017, 55,71%”, relata.

Arquivo pessoal

Cesárias e ‘desnecesáreas’

Agatha ressalta que há casos em que a cesariana é necessária, e um dos participantes do projeto criou até uma classificação para ajudar a entender os excessos. Os chamados “grupos de Robson” classificam as gestações em dez grupos, do menos indicado até o mais indicado para cesarianas.

Mas o percentual brasileiro é elevadíssimo, segundo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS). Ocupou o primeiro lugar no ranking, estando atualmente entre os três primeiros. Ou seja: ainda ocorrem muitas “desnecesáreas”, como se costuma chamar os atos cirúrgicos em partos que poderiam transcorrer de forma vaginal ou mesmo natural.

Foi em 2017 que que o Ministério da Saúde identificou uma redução inédita no percentual de cesarianas no país, analisando dados referentes a 2015. “Pela primeira vez desde 2010, o número de cesarianas na rede pública e privada de saúde não cresceu no país”, noticiou a Agência Brasil à época.

A queda foi de apenas 1,5 ponto percentual, mantendo ainda o parto cirúrgico em primeiro lugar, com 55,5%. O SUS continuou tendo um percentual maior de partos vaginais (59,8%), estando ainda na conta do sistema suplementar (hospitais particulares) o peso maior da balança em favor das cirurgias cesarianas.

Mesmo pequena, a mudança foi comemorada pelo governo e seguida do anúncio de novas diretrizes de assistência ao parto normal, voltadas a profissionais de saúde e gestantes, com objetivo de permitir que “toda mulher [tenha] direito de definir o seu plano de parto, que trará informações como o local onde será feito, as orientações e os benefícios do parto normal”.

Impactos das pandemias

O projeto objetiva também avaliar os impactos das pandemias da gripe A, em 2009, provocada pelo vírus H1N1, e da Covid-19, em 2020, causada pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), assim como identificar as diferenças entre elas e suas consequências na saúde materna e infantil, para que seja possível desenhar políticas públicas para crises futuras.

“Por meio da chamada internacional, incentivamos pesquisadores a proporem projetos inovadores para a resolução de problemas em ciência de dados para melhoria da saúde das mulheres, das mães e das crianças no Brasil. Projetos nestes temas possuem grande relevância social, pois proporcionam dados que permitirão definir políticas públicas relacionadas à saúde materno e infantil, sendo estas muito importantes para a melhoria da saúde e por consequência da qualidade de vida das mulheres e das crianças”, declarou a diretora técnico-científica da Fapes, Denise Sena.

Grand Challenges Explorations

Em 2007, a Fundação Gates lançou o Grand Challenges Explorations, para apoio a projetos inovadores em todo o mundo. Duas vezes ao ano, são lançadas chamadas públicas para receber propostas de projetos de alto risco e alta recompensa em diversos desafios propostos. No Brasil, uma parceria com o Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), por meio das fundações estaduais de amparo à pesquisa, proporciona um aporte financeiro adicional.

Entre os 12 projetos selecionados na chamada Ciência de Dados para Melhorar a Saúde materno-infantil, Saúde da Mulher e da Criança no Brasil, lançada em agosto de 2020, três receberão apoio financeiro das fundações estaduais. Além da proposta contemplada no Espírito Santo, projetos selecionados na Bahia e no Rio Grande do Sul também contarão com financiamento das agências estaduais de fomento à pesquisa.

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