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‘Precisamos de uma maior responsabilização individual dos gestores das OSS’

Nésio Fernandes anuncia mudança na legislação, mas diz que Estado manterá gestão por OSS, inclusive no Himaba

Sesa

“O marco legal precisa ser atualizado, nós precisamos caminhar para um maior grau de responsabilização individual dos gestores das OSS [Organizações Sociais de Saúde]”. A afirmação foi feita pelo secretário de Estado da Saúde, Nésio Fernandes, em coletiva de imprensa realizada nesta segunda-feira (22), ao lado do subsecretário de Estado de Vigilância em Saúde, Luiz Carlos Reblin.

“Nós entendemos que o modelo de gestão sobre OSS do Brasil enfrenta há muitos anos uma grave crise. E o Espírito Santo trabalhará para mudar a legislação do modelo. Nós estamos trabalhando na atualização da lei estadual que trata do modelo de gestão por organizações sociais porque, de fato, com o atual marco legal e a forma como se operam os contratos pelas OSS, implica num alto risco, não somente para o Estado, para a população, mas também para as próprias OSs”, expôs o secretário.

A declaração toca em um ponto enfatizado por Século Diário desde o início do primeiro pico da pandemia de Covid-19, em junho de 2020, quando mencionou os elevados lucros obtidos pelas OSS em todo o Brasil, sem que haja sequer a prática regular de auditorias sobre o cumprimento dos contratos, favorecendo seguidos casos de desassistência à população e recontratações de OSS envolvidas em corrupção, inclusive em território capixaba.

“Nós precisamos caminhar para um maior grau de medidas punitivas às organizações que não impliquem necessariamente na inviabilização financeira do contrato, porque essa inviabilização acaba levando a possíveis situações de desassistência dentro dos serviços geridos pelas Organizações Sociais”, salientou Nésio Fernandes.

Da mesma maneira, prosseguiu, “as questões relacionadas ao centro de custos compartilhado, ao superávit que esses contratos possam apresentar, precisam ser pacificadas para que as OSs tenham um ambiente legal, de baixo risco, e capaz de poder ser implementado em nosso Estado de modo que exista estabilidade da oferta dos serviços e a maior eficiência prometida pelo modelo”, afirmou.

‘OSS são falsas organizações sociais’

De fato, foi a promessa de maior eficiência na gestão que abriu caminho para que as OSS se multiplicassem no país, no início dos anos 1990. Declamada pelo economista Bresser Pereira, então ministro de Fernando Henrique Cardoso, a prometida maior eficiência do modelo de OSS se revelou um grande engodo, como qualquer cidadão pode observar no dia a dia de vários hospitais administrados por OSS no país e como ficou demonstrado no estudo nacional Complexo Econômico Industrial da Saúde (CEIS), Inovação e Dinâmica Capitalista: Desafios Estruturais para a Construção do Sistema Universal no Brasil.

Conduzida entre 2014 e 2018 pela doutora Ligia Bahia, a pesquisa teve financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e envolvimento de oito universidades brasileiras, e se debruçou sobre as dez maiores OSs do país. Participante do estudo, a doutora em Bioética e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB), Elda Bussinger, que atua no Estado, afirmou que as OSS escondem, na verdade, uma caixa-preta que abriga muita corrupção e drenagem de dinheiro público.

“A grande questão é a seguinte: as OSS são falsas organizações sociais. Elas não visam o interesse público”, afirmou. “A natureza jurídica delas não é de empresas, mas na prática elas atuam como verdadeiras empresas privadas. Do ponto de vista jurídico, possuem sim diversos mecanismos de lucratividade”, contou, citando uma recente listagem feita pelo jornal Valor Econômico, em que constava, entre as empresas mais lucrativas do Brasil, uma grande OSS.


A cultura de privatização da saúde pública, salientou Elda Bussinger, criou uma situação incontestável “a saúde suplementar [privada] é ‘SUS-depentente’. Os hospitais privados todos se sustentam com a venda de leitos e serviços para o SUS [Serviço Único de Saúde]”, sublinha. “Mais de 80% dos recursos da saúde estão nas mãos da iniciativa privada”, estima a doutora em Bioética, explicando que essa drenagem de recursos públicos para a iniciativa privada se dá tanto por meio da gestão dos hospitais públicos feita pelas OSS, quanto por meio da contratualização de leitos e serviços de hospitais privados pelos estados.
O cenário, no entanto, não promete ter mudanças radicais a curto prazo, se considerada a postura de gestões estaduais como a de Renato Casagrande. Ainda na coletiva desta segunda-feira, Nésio Fernandes declarou que “concomitante à atualização do modelo [de gestão por OSS, a partir da mudança da legislação estadual]”, a Sesa implementa a migração dos hospitais do Estado para a Fundação [Fundação Estadual de Inovação em Saúde – iNOVA Capixaba], que já administra o Hospital Central, que antes era administrado por uma organização social, com importantes resultados assistenciais ainda no seu primeiro mês de gestão”.
‘Modelo heterogêneo é o mais adequado para o ES’
“O Espírito Santo não deverá avançar no modelo de OSS para outras unidades assistenciais que estão hoje geridas pela administração pública direta e iremos então preservar essas unidades para o modelo de gestão pela Fundação”, esclareceu Nésio Fernandes.

As outras unidades assistenciais, complementou, não irão migrar para a Fundação. “Irão permanecer sob a gestão pública direta, e acreditamos que o modelo heterogêneo que possa coexistir a filantropia, o modelo de OSs, o modelo da Fundação, administração pública direta, é o modelo mais adequado para o Espírito Santo”, considerou.

O calendário da Sesa prevê que mais sete hospitais passarão a ser administrados pela iNOVA ainda em 2021: Infantil Nossa Senhora da Glória, em Vitória; Hospital Dr. Dório Silva, na Serra; Hospital Geral de Linhares; Hospital Roberto Arnizaut Silvares, em São Mateus; de Atenção Clínica, em Cariacica; Hospital e Maternidade Silvio Avidos, em Colatina; e Hospital Estadual de Vila Velha.

‘Pesadelo sem fim’

O planejamento não inclui o Hospital Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves (Himaba), em Vila Velha, que na última semana foi alvo de mais uma denúncia feita a Século Diário por funcionários e mães de pacientes.

No dia seguinte à publicação da reportagem Pesadelo sem fim: falta de insumos e de profissionais se perpetua no Himaba , a Sesa foi ao hospital comunicar que assumiria a gestão, no luar do Instituto Gnosis, OSS contratada pela a função em novembro de 2019, substituindo a anterior, IHG, por problemas de descumprimento de contrato com o Estado. Ambas OSS, no entanto, estão envolvidas em corrupção também em outros estados.

A intervenção do Estado no Himaba foi oficializada nesse domingo (21), com a publicação, em edição extra do Diário Oficial, da Portaria nº 032-R da Sesa, que nomeia a diretora do Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória, em Vitória, Thais Vieira Chiesa Regado, como interventora do contrato do Himaba.

O acúmulo de funções da diretora teve início à zero hora desta segunda-feira (22) e se estende até o término do contrato do Gnosis, no dia dois de março. Após essa data, informou Nésio Fernandes em pronunciamento no canal da Sesa no YouTube, “entre o dia dois de março até aproximadamente o dia 17 ou 20 do mesmo mês, o hospital será gerido pela administração pública direta, período necessário para que a nova organização social que será selecionada no processo que se finda por esses dias possa assumir a unidade de maneira definitiva”.

O motivo da intervenção, explicou o secretário no pronunciamento, foi o “descumprimento de cláusulas contratuais por parte do Instituto Gnosis e do risco de desassistência e descontinuidade do serviço no hospital Himaba, em Vila Velha”.

A “decisão de força” tomada pelo governo do Estado, frisou, “irá garantir e preservar pagamento dos trabalhadores, das pessoas jurídicas e permitirá que a unidade não tenha nenhum prejuízo assistencial”.

A Portaria 32-R/2021 também estabelece que “os valores decorrentes do saldo contratual do Contrato de Gestão Emergencial nº 002/2020 deverão ser depositados pelo Fundo Estadual de Saúde em conta bancária específica, a ser movimentada exclusivamente pela Interventora para o pagamento das despesas decorrentes do Contrato de Gestão” e instaura “o procedimento administrativo para apurar as causas determinantes da presente intervenção e definir as suas eventuais responsabilidades, assegurado o direito de ampla defesa”.

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