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Extinção da Fundação Renova é pedida judicialmente pelo MP de Minas Gerais

Ação aponta desvio de finalidade e ineficiência no reparo dos danos do crime que devastou o Rio Doce no ES e MG

Leonardo Sá

O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) ajuizou ação civil pública na Justiça estadual mineira pedindo a extinção da Fundação Renova, entidade criada em 2016 e mantida pela Samarco/Vale-BHP, as mesmas mineradoras responsáveis pelo rompimento da barragem de Fundão, ocorrido em cinco de novembro de 2015 em Mariana (MG), e considerado o maior crime ambiental do Brasil e o maior da mineração mundial.

Na ação, o MPMG evidencia o desvio de finalidade da Fundação, que deveria executar as medidas de reparação e compensação dos danos socioeconômicos e socioambientais advindos do crime, estabelecidas no Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC). Conforme a ação, a Fundação vem atuado muito mais como um instrumento de limitação da responsabilidade das empresas mantenedoras do que como agente de efetiva reparação humana, social e ambiental.

Também é apontada a ineficiência, inclusive contábil, já que o órgão ministerial rejeitou por quatro vezes seguidas as contas da Renova. Na análise relativa a 2019, o órgão ministerial entendeu não terem sido apresentadas soluções para as irregularidades contábeis apontadas pela Controladoria do Centro de Apoio Operacional do Terceiro Setor, tampouco as justificativas para os valores exorbitantes praticados pela entidade fundacional quanto à remuneração de seus dirigentes.

Salários exorbitantes e relações trabalhistas espúrias


Os salários dos dirigentes da Fundação são “absurdamente desproporcionais ao rendimento médio de mercado para as respectivas profissões, o que gera perplexidade em se tratando de instituição sem fins lucrativos e com finalidade de reparar gravíssimos danos causados por suas instituidoras e mantenedoras à vida humana, à saúde, ao meio ambiente e à sociedade em geral”, afirma a ação.
A diretora de Planejamento e Gestão, por exemplo, é citada duas vezes nos registros empregatícios da Relação Anual de Informações Sociais da entidade, com remunerações diferentes, nos valores de R$ 639,8g mil e R$ 375,6 mil, totalizando uma remuneração anual superior a R$ 1 milhão.

A decisão informa também sobre a existência de relações empregatícias espúrias na Fundação, já que, conforme apurado, pessoas que trabalham para as mantenedoras migram, com altos salários, para a Renova, o que evidencia a falta de autonomia e independência da fundação para cumprir devidamente suas finalidades.

Intervenção judicial
Em função desses dois aspectos, desvio de finalidade e ineficiência, o MPMG pede, em caráter liminar, a intervenção judicial com a nomeação de uma junta para exercer a função de conselho curador, incluindo um desenho institucional de transição. “É urgente a situação de perigo e de risco ao resultado útil do processo em razão da ineficácia dos programas geridos pela entidade, dos desvios de finalidade, como as propagandas enganosas praticadas e outras práticas ilícitas e inconstitucionais”, diz trecho da ação.

O MPMG pede também que as empresas Samarco, Vale e BHP sejam condenadas à reparação dos danos materiais causados no desvio de finalidade e nos ilícitos praticados dentro e por intermédio da fundação, com a frustração dos programas acordados no TTAC, além de condenação por danos morais no valor de R$ 10 bilhões.

Irregularidades

Para o MPMG, no modelo por intermédio do qual a fundação está estruturada e em funcionamento, sem independência e autonomia e com práticas de desvios de finalidades, é evidente a sua ilicitude constitucional e legal e impossível a sua manutenção. As ações em curso pela fundação consumiram até o momento um valor superior a R$ 10 bilhões, mas seguem sendo executadas com excessivo atraso e baixíssima eficácia. 
“É inconcebível que uma fundação funcione sem autonomia e independência, que são princípios que devem caracterizar a criação, a existência e o funcionamento de uma Fundação. Era para funcionar como se fosse uma instituição social, autônoma e independente, sem fins lucrativos, e canal de acesso à Justiça na reparação e compensação dos gravíssimos danos sociais e ambientais causados pelo rompimento da Barragem do Fundão”, salienta o MPMG.

Na prática, segundo o órgão ministerial, a fundação, em suas decisões, é comandada pelas empresas responsáveis pelos ilícitos e pelos graves danos sociais e ambientais causados, Samarco, Vale e BHP. “É como se fosse autorizado que os acusados no processo penal e nos processos coletivos em geral pudessem decidir e gerir os direitos e as garantias fundamentais das suas próprias vítimas”, comparam os promotores de Justiça que assinam a ação, Gregório Assagra e Valma Leite.

Além disso, não obstante os altos salários praticados na fundação aos seus dirigentes, o que em tese deveria corresponder a um trabalho realizado com excelência, a entidade sempre teve dificuldades de gestão, até mesmo em observar simples regras previstas em seu estatuto fundacional, como o envio, dentro do prazo, de atas de reuniões de seus conselhos para análise e eventual aprovação pelo Ministério Público.

Se não bastassem as irregularidades, a entidade ainda está veiculando diversas propagandas nas mais diversas emissoras de televisão, rádio e sites enaltecendo os “resultados” da reparação dos danos, tendo celebrado contrato com uma agência de publicidade no valor de R$ 17,4 milhões, propagando informações inverídicas.

“Faltam resultados, falta reparação, falta boa vontade das empresas: falta empatia e humanidade para com as pessoas atingidas. Cinco anos depois, as duas maiores empresas de mineração em todo o mundo não conseguiram reconstruir um único distrito”, conclui a ação.

Quitação geral é ilegal
Entre as inúmeras agressões aos direitos dos atingidos, já denunciadas pelos órgãos de justiça federais e estaduais do Espírito Santo e Minas Gerais, está a medida, contestada judicialmente na última quinta-feira (18), em que a Renova condiciona o pagamento de indenização à assinatura de um Termo de Quitação Integral e Definitiva, por meio do qual os atingidos abrem mão de receber indenizações futuras, referentes a outros danos identificados pela Justiça, e até mesmo do Auxílio Financeiro Emergencial (AFE).
O TTAC e a constituição da Renova
No dia 2 de março de 2016, os entes federativos União e estados do Espírito Santo e de Minas Gerais firmaram, com as empresas Samarco Mineração S/A, Vale S/A e BHP Billiton Brasil Ltda., o Termo de Transação e Ajustamento de Conduta (TTAC).
O termo estabeleceu 42 programas voltados à reparação socioambiental e socioeconômica dos territórios afetados em 40 municípios em um trecho de aproximadamente 650 km de extensão, o que foi ratificado pelo Termo de Ajuste de Conduta (TAC Governança), assinado em 2018 entre os signatários do TTAC, o Ministério Público Federal, os Ministérios Públicos Estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo e as Defensorias Públicas da União e dos dois estados.
Foi a partir do TTAC que o poder público e as empresas responsáveis pelo dano instituíram a Fundação Renova.
Rompimento e danos
O crime, ocorrido em 5 de novembro de 2015, foi capaz de despejar mais de 44 milhões de m³ de rejeitos de mineração na bacia do Rio Doce, que seguiram o curso dos rios Gualaxo do Norte, Carmo, Piranga e Doce, em uma avalanche que, além de provocar a morte de 19 pessoas, arrasou rios e nascentes, dizimou parte da flora e fauna, destruiu vilas e comunidades, incluindo casas, empresas, hotéis, patrimônios públicos e históricos.
Foram atingidos 680 quilômetros percorridos desde o subdistrito de Bento Rodrigues, em Minas Gerais, até o mar de Regência, no litoral capixaba e, no Espírito Santo, a lama, em seu amálgama com rejeitos de mineração, se espalhou, acabando com toda a vida marinha numa área de 40 quilômetros quadrados, deixando danos sociais e ambientais com extensão inédita no país e no mundo.

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