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Dentistas vão acionar a Justiça contra precarização do trabalho no Estado

Contratos de trabalho na Atenção Primária são substituídos por bolsas de estudo, sem direitos ou vínculo comunitário

Vitor Campanato/Agência Brasil

Sem solução amigável por parte do governo do Estado, o Sindicato dos Odontologistas do Espírito Santo (Sinodonto-ES) prepara acionar a Justiça para que seja declarada a ilegalidade dos contratos estabelecidos pelo Instituto Capixaba de Ensino, Pesquisa e Inovação em Saúde (ICEPi) no âmbito do Programa Estadual de Qualificação da Atenção Primária à Saúde (Qualifica-APS).

A ação, explica a presidente do Sinodonto, Rossana Bezerra de Rezende, irá solicitar também a abertura de concurso público ou processo seletivo, a depender da realidade do município que vem utilizando a mão de obra dos bolsistas, e indenizações para os profissionais selecionados, como o pagamento do adicional de insalubridade, que foi suprimido com essa modalidade de contratação. O problema, afirma, “vem acontecendo em todo o Estado, em especial no interior”.

A projeção, explicou o secretário, baseia-se nos altos índices de inscrição – foram mais de 2,5 mil inscritos – para atuação nesses municípios por parte de médicos, dentistas e enfermeiros, que disputam uma das 387 vagas oferecidas para o Qualifica-APS do ICEPi. São 50 vagas para cirurgião-dentista, 208 para médicos e 129 para enfermeiros, distribuídas em 51 municípios – que se somam aos 621 profissionais que já atuam por meio do programa.
Embora não tenha informado o número, segundo Nésio os municípios mais procurados pelos profissionais foram Vila Velha e Cariacica. Com isso a Sesa calcula ser possível atingir mais de 80% de cobertura de ESF nos dois municípios já nos primeiros cem dias das atuais gestões municipais, chegando a 100% até o final do ano.
Em pronunciamento no final de janeiro, o governador Renato Casagrande (PSB) também destacou a iniciativa, informando que os bolsistas terão uma formação de três anos, sendo pagos pelos municípios, sob a supervisão de monitores remunerados pela gestão pública estadual. As bolsas pagas aos médicos serão no valor de R$ 11,86 mil. Para enfermeiros e cirurgiões dentistas, R$ 3,5 mil.
Na prática
O Sindicato afirma que,  ao invés de haver um aumento do número de médicos, cirurgiões-dentistas e enfermeiros nas unidades municipais de Atenção Primária em Saúde (APS), como vem anunciando o governo do Estado, o que acontece, na prática, é a substituição de contratos de trabalho – seja por Organizações Sociais de Saúde (OSS) ou outras formas – com direitos trabalhistas mínimos, como férias e 13º, por contratos de bolsas de estudo, sem qualquer direito trabalhista.
“É clara a substituição dos cirurgiões-dentistas, seja por concurso público ou contratos, por bolsistas que atuam exatamente nas mesmas funções, porém estes não têm nenhum direto assegurado, como por exemplo receber insalubridade”, expõe a presidente do Sinodonto.
Sequer o salário-base da categoria é respeitado, ressalta Rossana, visto que é de três salários mínimos para 20 horas semanais e as bolsas do ICEIPi pagam esse valor, mas para uma carga de 40 horas.
Outro ponto questionado é o almejado vínculo entre o profissional e a comunidade que ele atende. O edital ICEPi/Sesa [Secretaria de Estado da Saúde] nº 02/2021 afirma que “estabelece normas para o processo seletivo simplificado para atuação de profissionais bolsistas médicos, enfermeiros e cirurgiões-dentistas para o Componente de Provimento e Fixação de Profissionais do Programa Estadual de Qualificação da Atenção Primária à Saúde (Qualifica-APS)”. Mas a precarização das relações trabalhistas que ele impõe acaba também impedindo que esse vínculo aconteça na prática.
“Como pode haver fomento ao vínculo com a comunidade se o edital não adota qualquer pontuação pra quem já tem um trabalho na comunidade e quer continuar naquele local, manter seu vínculo profissional e comunitário com o lugar?”, questiona uma dentista que, por pouco, não foi preterida na seleção em um município do interior.
Rossana salienta que que o Sinodonto não é contra a abertura de novas frentes de trabalho, muito pelo contrário. “Mas exigimos que as mesmas sejam feitas conforme as leis vigentes desse País, e que os profissionais sejam tratados com a dignidade que merecem, respeitando os direitos que lhe são cabíveis. Até mesmo porque a nossa profissão, por características próprias, está entre as com maior risco de contaminação pela Covid-19”.

Sem acordo

A saga que levou a entidade a preparar a judicialização do problema teve início em novembro, quando o Sinodonto notificou o Ministério Público (MPES), o ICEPi e o governo do Estado “sobre a real finalidade deste modo de ‘ensino'”. Em fevereiro, o sindicato interpelou o Executivo capixaba sobre o valor da bolsa oferecida aos cirurgiões dentistas. Não havendo respostas, foi aberta denúncia junto ao Ministério Público do Trabalho de Colatina e, em março, ocorreu uma audiência de conciliação sem qualquer acordo entre as partes. Após muitas reuniões, não havendo ainda acordo, a mediação foi arquivada, o que levou o Sindicato a preparar o acionamento da Justiça.
“Em plena pandemia do Sars-Cov2, o que se vê, são profissionais abandonados à própria sorte, haja vista estarem atuando nas unidades básicas de saúde, diretamente com a população, sem qualquer tipo real de viés educacional, mas tão somente, com o claro objetivo de suprir a demanda dos municípios em relação aos profissionais da Saúde”, lamenta a entidade.

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