Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) desenvolve apoio da produção à comercialização em 10 municípios capixabas
O método “camponês a camponês”, criado na Guatemala e impulsionado em Cuba, é a base de um projeto que vem transformando a forma de assistência técnica com base na agreocologia no Espírito Santo. O Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) tem comandado a implementação do modelo, com capacidade de atender até 150 famílias em 10 municípios capixabas.
A proposta de adotar um método próprio especialmente para apoiar agricultores que querem fazer a transição para a agroecologia vem justamente da crítica à descontinuidade e fragilidade dos serviços de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater), tanto públicos como privados, além das dificuldades de aceso ao crédito do Programa Nacional de Acesso à Agricultura Familiar (Pronaf) para emprego da agroecolgoia, entre outras questões que atingem os camponeses.
No lugar do conhecimento centralizado no técnico agrícola que faz as indicações para os agricultores, o método vai utilizar a figura de um agente de facilitação de processos, com experiência e conhecimento, mas que vai dialogar com as famílias camponesas, considerando que são sujeitos críticos e capazes de problematizar, pesquisar e desenvolver conhecimentos e técnicas a partir de seus territórios.
No momento, a assistência de camponês a camponês executada pelo MPA, movimento de alcance nacional, tendo como principal referência o Coletivo Estadual de Soberania Alimentar no Espírito Santo, atende grupos organizados de agricultores com associações, já que a proposta busca pensar todo processo da agricultura desde a produção até a comercialização, aspecto fundamental para o escoamento da produção, que não costuma ser abordado nas Aters convencionais.
Dentre as diversas atividades realizadas, estão dias de campo, oficinas, círculos de cultura, visitas individuais à família, reuniões de monitoria, sempre prezando pelo protagonismo das famílias camponesas. O objetivo é manter visitas regulares em intervalos entre 30 e 45 dias a cada propriedade para acompanhar o desenvolvimento. Entre as metas para a transição ecológica, estão a inovação de base utilizando tecnologias sociais que permitam a diminuição dos custos de produção, a redução progressiva do uso de agroquímicos e a promoção de maior interação entre as famílias camponesas para promover a ajuda mútua e cooperação.
Atualmente, os municípios atendidos no método “de camponês a camponês” são Águia Branca, Vila Valério, São Mateus, São Gabriel da Palha, Barra de São Francisco, Água Doce do Norte, Pancas, Baixo Guandu, Santa Maria de Jetibá e Domingos Martins. O projeto já caminha para a realização de um diagnóstico massivo e desenvolvimento de planos de trabalho municipais para culminar em outro plano estadual. Avançar com a agroecologia nos tempos de pandemia do coronavírus é um desafio extra, que exige comprometimento da população e do poder público, considera o coletivo.
Recentemente, além das famílias que fazem parte do MPA, o movimento tem expandido também para grupos organizados de outras associações, incluindo comunidades quilombolas. Num primeiro momento, a assistência aborda questões amplas e estruturais como os problemas da conjuntura sociopolítica, econômica e ambiental, as questões que envolvem cada território e as contradições e impactos do agronegócio, tão presente nos discursos hegemônicos.
O Coletivo Estadual explica que a agroecologia envolve uma quebra de paradigma, fazendo necessária a compreensão de outros aspectos para além da produção. E esse desafio não pode ser colocado apenas nas costas do produtores, é preciso que haja políticas concretas e permanentes para o fomento da agroecologia pelo poder público. “É importante que as buscas de soluções escutem a sociedade civil organizada e busquem atuar de forma sistêmica, não é só a produção sem agroquímicos, é todo um contexto que envolve infraestrutura (estradas, agroindústrias) e marcos legais (sanitário, trabalhista, previdenciário), e processos de educação. São questões que se apresentam em separado, mas fazem parte do contexto”, afirma o Coletivo.
Entre as políticas públicas existentes, mesmo sendo obrigações do Estado, muitas tem funcionado de forma irregular, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que a nível estadual ainda não realizou chamada pública para compras da agricultura familiar, sendo que muitas cooperativas agrícolas se encontram com dificuldades econômicas por conta também de reduções nas vendas no mercado privado devido à pandemia.
A luta do MPA em torno da agroecologia vem sendo constante e acumulando forças ao longo dos anos. Em 2016, o movimento criou seu programa de aceleração da transição agroecológica com um artefato político-pedagógico no qual se inclui a assistência técnica de camponês a camponês, entre outras estratégias compartilhadas entre os estados brasileiros em que atua.
“Quem está na agroecologia tem uma percepção de desenvolvimento distinta, não é acumuladora, mas pressupõe boa qualidade de vida, para quem produz e para quem come e a para a própria natureza, que dispõe dos recursos necessários à produção, como a terra e a água. E isso em muitos ambientes não é visto como interessante, pois não está em questão a mercantilização destes bens”, afirma o Coletivo Estadual de Soberania Alimentar.