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O persistente dorme cansado – mas contente

Diz-se que a fé remove montanhas, mas quem já viu uma montanha mudar de lugar?

Diz-se que a fé remove montanhas, mas quem já viu uma montanha mudar de lugar? Só mesmo com a ajuda de tratores e escavadeiras ou em filmes de ficção científica. No entanto, de vez em quando o incrédulo se depara com algum evento que ‘até Deus duvida’, e todo mundo pensa que sonhou ou foi tapeado. Berciano Adufal é um homem honesto, nunca pretendeu enganar ninguém. As coisas se complicaram quando Berciano comprou um terreninho ao lado de uma montanha, e com muito sacrifício construiu uma casa – ali foi morar e decidiu que ali morreria.

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O persistente dorme cansado – mas contente. Berciano descobriu que além da montanha em seu quintal havia um oceano imenso e misterioso. Pra que tanta água? Sabia Deus que iríamos poluir tudo e cobriu mais da metade com água para preservar? Menino criado na roça, Berciano nunca tinha visto o mar, e resolveu contornar a montanha – que não era um morrinho mas também não era o Pico da Bandeira, e deparou com aquele imenso poço eternamente revolto. Sem fim nem começo, lhe disseram, pois todas as águas se comunicam lá entre elas e são sempre as mesmas – seja o Rio Amarelo lá na China ou o Rio Alegre, onde eu molhava os pés quando criança.

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Berciano entendeu que a montanha, vizinha de longos anos, era o entrave entre sua janela e o mar. Perdeu noites matutando, será que montanha tem dono, com papel passado e carimbo de cartório? Morava ali há anos e nunca apareceu ninguém pra cuidar da propriedade. O mar em frente não era essas coisas de rico – areia fina e onda mansa atraindo turistas e surfistas. Penhasco e mato bravo, mais nada. Berciano tanto matutou que decidiu – com dono ou sem dono, a montanha tinha que sumir do mapa – Se alguém viesse reclamar diria que foi obra do vento.

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A fé remove montanhas, diz o ditado, mas não com rezas e velas acesas. Era com trabalho duro, mesmo, e Berciano estava acostumado a trabalhar. Botou a meninada pra cavar: sete filhos somam quatorze braços, tudo forte e armazenando saúde pra velhice. O problema era a terra que foram cavando a pouco e muito. Onde deitar? Jogar no mar poderia acabar com o marzão, e então nem montanha nem mar.

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Criar outra montanha poderia levantar suspeitas… o adevogado do dono: Meu senhor, sabe explicar como essa montanha estava na frente da sua casa e agora se mudou pro lado de trás? Então o senhor num sabe que a fé remove montanhas? Melhor não brincar com as coisas divinas. O jeito foi comprar dois burricos pra espalhar a terra na beira d’água, formando um imenso patamar: da casa até o mar e se esticando prum lado e pro outro…a perder de vista. Eles espalhavam a terra e o terreno arenoso foi criando vida, se enchendo de coqueiros e árvores de flor. A passarinhada veio depois.

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Levou anos. Os filhos cresceram, casaram e tiveram filhos – a casa se esticou também: uma construção comprida, de qualquer cômodo se via o mar, os coqueiros, as flores. Os adevogados nunca apareceram, mas vieram os engenheiros, e nem perderam tempo de ir puxar assunto com o Berciano – com fitas de medir e compassos, dividiram a terra plana onde um dia existiu uma montanha em mil quadradinhos – tudo pequeno e apertado, mas cobriram a vista para o mar.

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