Coren vai oficiar Sesa e MPES sobre gravidade dessa e outras irregularidades, que ameaçam segurança dos pacientes
Começou a correr nesta segunda-feira (12) o prazo concedido pelo Conselho Regional de Enfermagem (Coren-ES) ao Vila Velha Hospital, para que sejam tomadas as medidas necessárias à resolução das diversas irregularidades constatadas durante inspeção efetuada na última sexta-feira (9), após manifestação feita por profissionais que trabalham no local, com apoio do Sindicato dos Enfermeiros (Sindienfermeiros/ES).
A inspeção só pôde ser realizada sob acompanhamento da Polícia Federal, após horas de espera, sem que houvesse consentimento espontâneo da direção do hospital. Durante cerca de dez horas, os conselheiros se distribuíram entre as diferentes alas da instituição, verificando péssimas condições de trabalho, que, além de trazerem prejuízos para os trabalhadores, colocam em risco a segurança dos pacientes, sejam os de convênios particulares quanto os oriundos do Sistema Único de Saúde (SUS).
“O Coren é um órgão fiscalizador, não precisaria de polícia para entrar no hospital. E o que a gente encontrou lá dentro só reforça a atitude abusiva da instituição, de querer impedir o Coren de realizar seu papel”, aponta a presidente do Coren-ES, Andressa Barcellos.
Uma das primeiras irregularidades constatadas foi o desrespeito à Nota Técnica nº 04 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que estabelece o “fluxo exclusivo dos pacientes com síndrome gripal nos prontos-socorros”.
“Se o paciente tem sintoma gripal, ele tem que entrar num caminho diferente do paciente que não tem sintoma gripal. Eles não podem se encontrar dentro do hospital”, descreve, salientando que a separação deve acontecer em todos os sentidos, desde o espaço físico até os instrumentos e laboratórios, e incluindo os profissionais que atendem aos dois públicos diferentes. “Se eu atendo um paciente com Covid e depois atendo outro que não tem Covid, sou uma fonte de infecção”, reforça.
Faltam profissionais
Outra situação que chocou profundamente os conselheiros foi a defasagem de quadro de pessoal. A denúncia já havia sido feita na manifestação de sexta-feira, quando os enfermeiros afirmaram ter que cuidar de um número até duas vezes maior que o estabelecido na legislação.
A presidente do Coren-ES explica que o quantitativo exato, no entanto, sequer pôde ser medido, pois o hospital não dispõe do enfermeiro técnico responsável, que é quem faz esse dimensionamento. A contratação desse profissional é uma das primeiras exigências do relatório da inspeção e tem prazo de três dias pra ser cumprida, até esta quarta-feira (14). Após essa contratação, o dimensionamento precisa ser entregue em uma semana.
“É muito leito para pouco técnico e enfermeiro”, afirma a presidente do Coren, de forma simples e direta. “Paciente com diagnóstico de Covid é grave e potencialmente grave”, ressalta. A instabilidade e o cansaço respiratório são muito comuns, mesmo na enfermaria, o que demanda auxílio constante para as atividades mais elementares. “Demanda um olhar e um monitoramento maior”, acentua.
Na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), então, afirma, a demanda é ainda maior, pois o paciente via de regra, se alimenta por sonda, permanece sedado, precisando de auxílio até para a limpeza oral, para fazer suas necessidades fisiológicas, além de receber a medicação no horário certo. “Se não tem profissional suficiente, o paciente é exposto a riscos extras”, salienta. A posição de pronação, por exemplo, de virar o paciente de barriga pra baixo, pode requerer de seis a nove pessoas para ser realizada. E enquanto esses profissionais cuidam de um paciente, outros podem ficar desassistidos e terem piora no seu quadro de saúde.
Devido ao déficit grave de pessoal, o hospital tem trabalhado com muito remanejamento, o que não é a solução para o problema. “Estão tirando de outros setores para cobrir o setor de Covid”, observou Andressa e os demais conselheiros. A manobra, explica, é perigosa, pois faz com que profissionais não habituados com a rotina de internação Covid tenham que se adaptar por conta própria, sem o devido treinamento.
A situação caótica, avalia a presidente do Coren, não se justifica, nem mesmo nesse momento de novo e mais intenso pico da pandemia no Estado, pois não tem sido registrada, com tamanha gravidade, em outros hospitais, nem privados nem públicos, apesar da sobrecarga de trabalho dos funcionários que todos atravessam. “É uma questão de planejamento, já estamos com um ano de pandemia”.
EPIs e aglomerações
A inspeção identificou diversas outras irregularidades, como o não fornecimento de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) adequados – especialmente o avental “capote” com a espessura correta – e a impossibilidade de distanciamento físico mínimo de 1,5 metro entre os funcionários durante a alimentação no refeitório.
O hospital também não disponibiliza locais de repouso em quantidade e condições adequadas, havendo casos de funcionários que se deitam sobre cadeiras e até dentro de banheiro. E mesmo furtos são comuns, pois não há armários para guarda dos pertences pessoais durante o expediente, ficando todos amontoados em espaços coletivos.
“A assistência aos pacientes é muito precária e os profissionais estão trabalhando no limite físico, técnico e psicológico, com muito assédio moral”, relata a presidente. “É inaceitável que uma instituição que se propõe a cuidar da vida das pessoas ofereça essas condições, que comprometem o exercício profissional e a segurança dos pacientes. Saúde não é mercadoria”, declara, indignada.
Diante da gravidade da situação, o Coren vai monitorar a instituição e levar o caso ao conhecimento da Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), já que o governo do Estado contratualizou 70 leitos de UTI no hospital, além de outros leitos de enfermaria, bem como ao Ministério Público Estadual (MPES).