Essencial é identificar os interesses por traz desse discurso
Vivemos num país em que a educação, como plataforma de campanha eleitoral, é o item comum a todas as candidaturas. O discurso é o mesmo e já vem pronto: “por uma educação de qualidade”. Ocorre que essa generalização não traz nenhuma proposta, discurso vazio, sem correspondência pragmática.
Raramente um político se interessa pelo “problema” da educação, aliás, pouquíssimos têm a capacidade primária de definir esse conceito, afinal o dia a dia de seus interesses a muito desproblematizou esse “problema” e convive com “sua” existência numa rotina prazerosa, de se nomear preocupado com uma questão essencial a toda a sociedade, o que justifica sua utilidade na condição de representante com suas regalias e ótimos (para eles mesmos) salários.
Utilizando aqui expressões de Dermeval Saviani extraídas do texto A Filosofia na formação do educador – que indico a leitura – vou esclarecer a “origem do problema”. O autor pressupõe os entendimentos de problema como questão, desconhecimento, mistério, obstáculo, dificuldade, dúvida, etc. e descarta todas essas visões com a proposta de recuperar a problematicidade do problema. Por fim, conclui que a problematicidade do problema ou a “sua essência” é a necessidade (Uma questão cuja resposta se desconhece e se necessita conhecer).
Por favor degustem o texto do Saviani, facílimo de encontrar na internet, principalmente os senhores políticos representantes do povo, antes de se referirem à educação e seus “problemas”.
Estabelecida essa premissa, vamos analisar o que leva nossos representantes na Câmara dos deputados, nesses momentos tão difíceis, a declarar a educação como serviço essencial. Se não viesse de um público que, como disse anteriormente, utiliza conceitos, na superficialidade do discurso, com seus objetivos obscurecidos por uma pseudo-concreticidade para impressionar a população, imersa na ingenuidade do senso comum, estaríamos felizes e esperançosos de finalmente o Estado enfrentar o “problema da educação”.
Muito já falamos por aqui da educação como fundamental para a formação integral do ser humano, que chega a um mundo velho com a necessidade de conhecê-lo, principalmente para transformá-lo, como na visão de Hannah Arendt “A cada nascimento, um novo começo surge para o mundo, um novo mundo em potencial passa a existir”.
Para que a educação cumpra seu papel “essencial”, junto a esses novos integrantes do mundo, o Estado precisa enfrentar os “problemas da educação”, suas necessidades, que não dependem de uma análise tão profunda, vez que transparecem em nossa rotina concreta, seja nas instalações escolares, na baixa valorização de seus profissionais, na falta de políticas públicas concretas e, eu diria principalmente, na mercantilização da atividade que deveria ser pública, mas que exatamente se justifica com a ineficiência do que é público.
Esta mercantilização da atividade se torna valorizada no senso comum e oportunista das classes mais privilegiadas, que destacam seus descendentes, desde a infância, para se estabelecerem no mundo em posição privilegiada seccionando sua casta da população em geral.
Sim, a educação é um serviço essencial, não para expor seus integrantes, profissionais e estudantes, à doença e morte frente a pandemia. Aliás, não podemos esquecer que a gravidade da pandemia em nosso país se dá, exatamente, por ter sido e continuar sendo negligenciada, por esses mesmos governantes que querem considerá-la essencial.
Está claro que o interesse não é resolver seus problemas, mas retornar seu funcionamento precário e manipulado, para o atendimento aos interesses menores desses políticos, principalmente no maniqueísmo político/eleitoral que vivemos no Brasil, reafirmando seu descompromisso efetivo com a atividade educacional em si e com a formação da população em geral.
Fiquemos com a visão de Hannah Arendt que para educar, antes de tudo, é preciso amar o mundo.
Everaldo Barreto é professor de Filosofia