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Professores são contrários à militarização de escola em Cariacica

Docentes da EMEF Cerqueira Lima denunciam falta de diálogo com a comunidade escolar e entidades 

Professores da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Cerqueira Lima, em Jardim América, Cariacica, e mais 22 entidades, divulgaram nessa quarta-feira (28) uma nota em que posicionam contrários à transformação da unidade em Escola Cívico-Militar. “O município possui um Conselho de Educação, um Fórum de Educação, um sindicato de professores, um Conselho Escolar ativo, uma direção escolar (eleita pela comunidade escolar via voto direto), e um Grêmio Estudantil, que foram desrespeitados pela ação arbitrária do secretário de Educação [José Roberto Martins Aguiar] em não consultar esses grupos em nenhum momento”, denunciam.

Segundo a gestão de Euclério Sampaio (DEM), o projeto da Escola Cívico-Militar busca atender inicialmente entre 600 e 1.000 alunos da rede municipal do 6º ao 9º ano, nos turnos matutino e vespertino. Além disso, está previsto o apoio do governo federal, disponibilizando profissionais das forças armadas com formação pedagógica para atuar com o corpo docente da unidade, ampliação dos espaços pedagógicos e possíveis reformas necessárias para adequação da unidade de ensino ao modelo proposto.

Para os professores, os princípios democráticos e a proposição de construção coletiva de “uma sociedade mais justa, fraterna e com menos desigualdades” foram feridos no processo de adesão à Escola Cívico-Militar, o que se repete na “transferência da ação de educar para o policial”. Segundo o grupo, “se o professor não pode assumir funções na polícia (o que não nos opomos), ao policial não deve ser atribuído o poder de ensinar”.
Os profissionais da educação destacam que a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) estabelece que a atuação como docente na educação básica, como diretor de escola ou em outras funções na área do magistério, tem como pré-requisito formação específica em licenciatura no ensino superior. Apontam, ainda, que o Plano Nacional de Educação tem como algumas de suas diretrizes a superação das desigualdades educacionais; formação para o trabalho e a cidadania; promoção do princípio da gestão democrática da educação pública; valorização dos profissionais da educação; e promoção dos princípios do respeito aos direitos humanos, à diversidade e à sustentabilidade socioambiental.
Esses princípios, declaram, não foram considerados pelo município, pois os docentes foram comunicados da decisão dois dias antes da consulta pública, realizada em 31 de março. “Durante a consulta, não houve espaço para o diálogo e discussão, ocorrendo somente a exposição do programa via plataforma YouTube, sem a possibilidade de participação mais ampla da sociedade”, apontam.
Uma das justificativas da prefeitura para a transformação do Cerqueira Lima em Escola Cívico-Militar, informam os professores, é o baixo Índice de Desenvolvimento Educacional (Ideb) da escola, os números de evasão e a situação de vulnerabilidade social dos alunos. Porém, a categoria afirma que desde 2005 a escola tem ocupado os primeiros lugares nos resultados referentes ao município no Ideb, com exceção de 2015 e 2019.
Os professores acrescentam que a EMEF Cerqueira Limaa tem aprovado anualmente de três a seis estudantes nos Institutos Federais do Espírito Santo (Ifes), além de alcançar “excelentes resultados nas Olimpíadas de Matemática, com destaque para as menções honrosas e os primeiros lugares”. Eles rebatem também o argumento da evasão. “Na verdade, o problema está na permanência. Isso significa que o Estado que culpabiliza a escola pelos índices da evasão, é o mesmo que não logra garantir a permanência do estudante que, normalmente por razões socioeconômicas, não permanece na unidade escolar”.
Os docentes também questionam a declaração de que a escola cabe nos parâmetros de vulnerabilidade social. “Por conta dos bons resultados, do histórico de mais de 50 anos, e da certeza da EMEF ser uma das melhores escolas de Cariacica, a unidade atrai diversos estudantes que não vivem em Jardim América. Numa amostra de 192 alunos entrevistados, 72% usam transporte público, transporte escolar ou veículo próprio para chegar à escola. Essa porcentagem elevada prova que o estudante, não morador do bairro, consegue arcar com os custos de estudar longe de casa, caso contrário, frequentaria escolas mais próximas de onde residem”, pontuam.
Assinam a nota a Afirmação-Rede de Cursinhos Populares; Associação dos Docentes da Ufes (Ufes); Associação Intermunicipal Ambiental em Defesa do Rio Formate e seus Afluentes (Asiarfa); Campanha Nacional pelo Direito à Educação; Centro de Estudos Bíblicos do Espírito Santo (Cebi/ES); Coletivo Câmara; Coletivo Educação pela Base; Conselho de Ensino Religioso no Espírito Santo (Coneres); Diretório Central dos Estudantes da Ufes (DCE); Federação das Associações de Moradores de Cariacica (Famoc); Fórum de Educação de Jovens e Adultos do Espírito Santo; Fórum de Mulheres do Espírito Santo (Fomes); Fórum Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Fórum DCA/ES); Frente Popular em Defesa da Educação; Grupo de Estudos em Educação Comparada – Proex/Ufes – Geduc; Fórum de Mulheres Cariacica; Juventude da Resistência Socialista do Partido dos Trabalhadores; Movimento Enfrente; Diretório do Psol de Cariacica; Pastoral Operária Espírito Santo (PO); Sindicado de Trabalhadores da Ufes (Sintufes); e Sindicato dos Servidores de Cariacica (Sindismuc).
Falta de Transparência
Após a consulta pública do dia 31 e março, o integrante do Conselho Municipal de Educação de Cariacica e coordenador da Famoc, Dauri Correa, relatou que a iniciativa foi feita com foco na comunidade escolar, ou seja, profissionais da educação, estudantes e seus familiares, que poderiam votar. Porém, um link de formulário do Google Forms foi enviado para o chat, fazendo com que qualquer pessoa pudesse ter acesso e dar seu voto.
Além da organização da votação, Dauri questionou também a transparência no resultado, uma vez que não havia sido divulgado o número de favoráveis e contrários. Dias depois, a gestão municipal encaminhou ofício para o Cerqueira Lima comunicando que a votação contemplou as seguintes categorias: membros da comunidade, alunos, pais e servidores. No ofício, consta que houve um total de 720 votos, sendo 656 considerados válidos. Desse total, 493 foram favoráveis e 163 contrários.
Para Dauri, os números não refletem a realidade, sendo o quantitativo de pessoas que participaram da consulta superior ao que foi apresentado. Outra crítica é em relação ao quesito membros da comunidade. O coordenador da Famoc acredita que é preciso especificar quem são esses membros. “São lideranças comunitárias? Se são, quais e de que movimentos?”, questiona.
Live invadida por hackers
Nessa terça-feira (27), professores do Cerqueira Lima e o Coletivo Educação Pela Base organizaram uma roda de conversa sobre Escola Cívico-Militar, mas a live foi invadida por hackers. Segundo a integrante do Educação Pela Base e pedagoga da rede municipal de ensino, Emiliana Amorim, hackers falaram palavras de baixo calão e exibiram imagens pornográficas. Para dar prosseguimento à atividade, as pessoas tiveram que sair da sala e entrar novamente.
A live, segundo Emiliana, foi uma das ações de um Grupo de Trabalho criado com os professores do Cerqueira Lima para debater com a sociedade sobre a implantação da Escola Cívico-Militar. Embora já tenha sido anunciada uma no bairro Itanguá, que está em fase de obra, a pedagoga afirma que, no Cerqueira Lima, a implantação será mais imediata, pois a escola já está pronta.
“A população de Cariacica quer discutir o assunto. Muita gente participou da live, não somente a comunidade escolar do Cerqueira Lima, mas também de outras escolas do município. Temos que fazer a discussão para entender o que é a militarização”, ressalta.

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