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Mais de 100 juristas pedem afastamento imediato do juiz Mário de Paula

Em Carta Aberta, signatários afirmam que autos da ação civil pública conduzida pelo magistrado são “um show de horrores”

Reprodução/YouTube

Um verdadeiro “show de horrores”. Em Carta Aberta de Juristas do Brasil sobre o Caso Rio Doce, é assim que mais de 120 assinantes – advogados, defensores públicos, pesquisadores e políticos brasileiros – classificam os autos da Ação Civil Pública nº. 1016756-84.2019.4.01.3800, impetrada pelo Ministério Público Federal (MPF) em favor da reparação integral dos atingidos pelo rompimento da Barragem de Fundão, de propriedade das mineradoras Samarco, Vale e BHP Billiton, ocorrido em Mariana/MG em cinco de novembro de 2015, considerado o maior crime socioambiental do país.

A ação está nas mãos do juiz substituto da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, Mário de Paula Franco Junior, responsável pelos citados “horrores”, que envolvem o descumprimento do devido processo legal em vários aspectos, descritos pelos juristas na Carta.

“Alguns atores do Poder Judiciário brasileiro têm se nomeado como os corretores da democracia brasileira e, em nome da resolução de casos complexos, relativizam garantias constitucionais e distorcem os regramentos básicos atinentes ao devido processo legal. Cabe lembrar que no Sistema de Justiça não deve haver heróis e justiceiros, mas sim funcionários públicos submetidos ao ordenamento jurídico brasileiro, e não acima dele”, apontam os signatários.

A Carta relata que, “passados mais de cinco anos, o processo de reparação pouco progrediu”, não tendo havido nenhum reassentamento, nem responsabilização criminal dos envolvidos, tampouco cumprimento dos acordos firmados pelas empresas criminosas e sua Fundação Renova. Ao contrário, denuncia, o que se vê “são notícias de ações sistemáticas das empresas Samarco, Vale e BHP, através da Fundação Renova, para cortarem direitos das comunidades atingidas e se furtarem ao cumprimento dos Acordos”, como o corte de milhares de auxílios financeiros no auge da pandemia de Covid-19 e o questionamento sobre o reconhecimento de áreas impactadas, situação que os juristas ilustram com matéria publicada neste Século Diário. Tais atitudes, salientam, “fomentam a judicialização e a paralisação das medidas de reparação”.

Os juristas também descrevem falas de Mário de Paula em um vídeo divulgado com exclusividade pelo Observatório da Mineração, em que o magistrado orienta advogados, advogadas e segmentos das comunidades atingidas em como atuar no caso, para que adotem o modelo indenizatório sugerido pelas empresas, a Plataforma Novel, o que destoa dos modelos previstos nos acordos judiciais que levaram anos de mesa de negociação, sob condução do MPF e outros órgãos de Justiça.


Para piorar, “tais reuniões não foram convocadas como atos processuais, seja como audiência pública ou como audiência judicial e, não se encontram documentadas formalmente nos autos, violando o dever de publicidade, moralidade e imparcialidade, pela visível ausência de tratamento isonômico entre as partes envolvidas no processo”.

A ausência de imparcialidade do juiz, no entanto, vem sendo progressivamente constatada desde o início do processo, em 2015, “em palestras e entrevistas proferidas nas quais explicita a sua interpretação sobre o caso, como também a partir do tratamento desigual dado às instituições de justiça frente às empresas, chegando ao absurdo de – reiteradamente – não intimar o Ministério Público Federal (MPF), autor da ação principal, para ciência de movimentações processuais e decisões, inclusive colocando inúmeros atos processuais sob sigilo”, elencam os juristas.

“A gravidade da parcialidade suscitada coloca todo o processo em insegurança jurídica, o que certamente revitimiza as comunidades atingidas, favorecendo a impunidade e a repetição de crimes socioambientais desta grandeza”, sublinham. E, em função disso, os signatários pedem que as condutas de Mário de Paula “sejam apuradas com seriedade, sendo de imediato nomeado um juiz ou uma juíza substituto/a ao caso, tendo em vista o premente perigo de danos irreparáveis a essas já cansadas vítimas”. 

O pedido é semelhante ao que consta na Arguição de Suspeição impetrada no final de março pelo MPF, Ministério Público de Minas Gerais (MP/MG), Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais (DP/MG) e Defensoria Pública do Espírito Santo (DP/ES), pelos mesmos motivos de parcialidade no julgamento dos processos referentes ao crime no Rio Doce.
Lições de Brumadinho

Exemplos do atropelo de direitos dos atingidos pelo juiz substituto da 12ª Vara Federal foram evidenciados durante live realizada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) nessa terça-feira (27), com a presença do coordenador nacional do MAB e do atingido em Regência, Linhares, norte do Espírito Santo, João Paulo Lyrio; do atingido em Conceição da Barra, na mesma região, o pescador e vereador Leandro Paranaguá (PV); e da coordenadora da assessoria técnica AEDAS, em Brumadinho, Ísis Táboas.

Leandro conta que, no Rio Doce, quem primeiro chegou junto aos atingidos foram os advogados em busca de procurações para representarem as vítimas em ações com pagamentos de fartos honorários. “Antes de tudo chegaram os advogados pegando procurações, depois a Renova pra fazer os cadastros”, disse o pescador.

Em Brumadinho, ao contrário, Ísis conta que poucos dias após o desastre, ocorrido em 25 de janeiro de 2019, os atingidos foram atendidos pelo Ministério Público e demais instituições de justiça, que iniciaram a preparação dos processos judiciais. Os atingidos, por sua vez, “assumiram a frente das reivindicações pelos direitos à assessoria técnica e auxílio emergencial”.

“A Assessoria Técnica Independente é a instituição que contribui para que haja uma paridade, algo mais próximo do que a gente chama de igualdade dentro do processo de identificação dos danos causados pelo rompimento. A empresa responsável pelo rompimento tem muito dinheiro e condições de garantir técnicos de todas as áreas do conhecimento para identificar, produzir laudos, dizer se a água está ou não poluída, qual é o nível de dano causado a determinadas comunidades”, explica Ísis.

“A Assessoria vai garantir que os atingidos tenham acesso às informações, que são muito técnicas, de forma traduzida aos atingidos – o que a Vale quis dizer com aquele laudo, o que o juiz disse em relação a determinado pedido – e vamos traduzir de volta para dentro do processo de reparação de identificação dos danos, as demandas dos atingidos”, reforça a coordenadora.

No Rio Doce, apenas uma assessoria técnica foi contratada, na comunidade quilombola de Degredo, em Linhares, estando todos os demais territórios sem esse assessoramento previsto no Termo de Ajustamento de Conduta para a Governança (TAC-Gov).

“Aqui não teve discussão, eles já trouxeram a matriz de danos pronta, com os valores já definidos. E hoje está pior, com essa plataforma Novel e os advogados. Os pescadores profissionais estão sendo reconhecidos como pescador informal!”, relata Leandro Paranaguá.

“A assessoria faz muita falta, a gente não tem estudo, não sabe qual o grau de contaminação, estão cortando lucro-cessante dos pescadores, e a gente fica recebendo telefonema da Renova pressionando para aderir à plataforma, que é uma sentença de morte para os atingidos. Como vai ser sem o lucro-cessante?”, questiona o pescador.

“Tem muita gente da cadeia produtiva da pesca que não está sendo assistida. Em plena pandemia foram criadas aquelas comissões de atingidos, com os advogados, pra gente aderir à plataforma da Renova. Queria ver se não fosse a pandemia, se as comissões teriam crescido. Eles são covardes com os atingidos. E uma parte da justiça tem sido covarde com os atingidos também, atingidos que pagam o salário deles, que são funcionários públicos”, repudia.

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