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Novas variantes, novos protocolos de segurança para as aulas presenciais

Lagebes/Ufes pede mais transparência, além de regras realistas e fiscalização sobre distanciamento, ventilação e EPIs

As novas variantes do coronavírus (SARS-CoV-2) e descobertas da ciência colocam em xeque os protocolos de biossegurança estabelecidos na Portaria Conjunta nº 1 das Secretarias de Estado da Saúde e Educação (Sesa e Sedu), para o funcionamento das aulas presenciais em escolas públicas e privadas capixabas. Se antes eles já eram precários, agora se mostram pouco realistas diante do comportamento da pandemia em 2021.

A avaliação é da doutora em Educação Gilda Cardoso, que coordena o Laboratório de Gestão da Educação Básica, vinculado ao Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (Lagebes/Ufes), feita ao final do debate online realizado nessa quarta-feira (28), com a participação da doutora em Epidemiologia e também professora da Ufes Ethel Maciel, do procurador-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT/ES), Valério Soares Heringer, e da promotora de Justiça e dirigente do Centro de Apoio Operacional de Implementação das Polícias de Educação do Ministério Público do Espírito Santo (Caope/MPES), Maria Cristina Rocha Pimentel.


“É preciso que o protocolo determine distanciamento físico ideal por metro quadrado e regras de ventilação nos espaços da escola, e que espaços podem ser utilizados e inutilizados. E que se faça uma fiscalização em cada uma das unidades de ensino para saber quantos alunos cabem ali, se a determinação do distanciamento e ventilação está sendo cumprida, uma vez que não temos o equipamento de proteção Hepa”, elencou a educadora.

Os filtros Hepa – sigla para High Efficiency Particulate Air – foram citados pela doutora Ethel Maciel durante sua apresentação, como exemplo de equipamento que tem sido utilizado em escolas da Europa e Estados Unidos em ambientes com pouca ventilação natural, onde também são utilizados monitores de CO² para avaliar a eficácia da ventilação instalada.
“As escolas na Europa e Estados Unidos estão fazendo investimentos pesados na compra de filtros Hepa. Aqui no Brasil a gente não tem isso. Ao contrário, o Congresso Nacional quer votar uma lei colocando a aula presencial como atividade essencial, isso com o menor investimento anual em Educação, que foi em 2020. É uma piada de mau gosto. Queremos investimento na Educação para que a gente possa falar em segurança”, expôs a epidemiologista.

A transformação também precisa se dar na descrição dos equipamentos de proteção individual (EPIs) dos professores. “Nós não temos máscaras PFF2, o Estado ainda fornece máscaras de pano”, adverte.

Outro ponto fundamental de mudança é do ponto de vista administrativo, que envolve os rodízios de professores, alunos e trabalhadores. “Não é possível manter o critério de 50% vai à escola e 50% não vai. Não é assim que se calcula, mas sim a partir do espaço disponível e da ventilação do ambiente”, pontua.

É necessário ainda transparência das informações prestadas à sociedade, enfatiza Gilda Cardoso. “As determinações em termos de engenharia de obras, que a gente cobrou em requerimento enviado à Sedu no ano passado, têm que ser transparentes: quais escolas estão passando ou vão passar por mudanças infraestruturais em decorrência do contexto pandêmico e pós-pandêmico? Nós não temos clareza de quais obras foram realizadas em decorrência da pandemia. Os espaços precisam de ventilação dada a descoberta dos aerossóis, das variantes”, posiciona Gilda, remetendo-se aos dados apresentados pela promotora Maria Cristina, que em sua apresentação mostrou que, em março deste ano, a maioria dos municípios do Estado não tinha condições de cumprir os protocolos da portaria conjunta Sesa/Sedu.

“Não há critérios de fiscalização e de fechamento de escolas, em caso de surtos. Os dados não estão disponíveis em lugar nenhum, o que dificulta o acompanhamento da sociedade civil. Quais os planos de combate à Covid nas escolas?”, inquire a coordenadora do Lagebes.

Distanciamento é a primeira medida de segurança
Os questionamentos da educadora têm embasamento no que a Ciência tem revelado após esse primeiro ano pandêmico. Conforme expôs Ethel Maciel, dois artigos recentes, publicados nas revistas científica Nature e Lancet, mostram as escolas como locais importantes de aglomeração.
O artigo da Nature concluiu que duas coisas que mais aumentaram a transmissão do vírus foram a aglomeração de um número igual ou maior que dez pessoas e a abertura das escolas. O da Lancet afirmou que um lockdown com escolas abertas mantém alta a transmissão do vírus em praticamente todas as faixas etárias e quando o lockdown fecha também as escolas, a taxa de transmissão caiu em toda a população.

“Esses dois artigos trazem a informação de que a escola é local de aglomeração. No Brasil tivemos muito pouco investimento na infraestrutura das escolas em relação à melhoria na circulação de ar. No ano passado, acreditávamos que a transmissão por superfície era muito importante. Hoje, aprendemos que a transmissão aérea é responsável pela maior parte das transmissões. Covid pega no ar, pelas gotículas que emitimos ao falar. Quando as gotículas caem, o vírus morre muito rapidamente. E não houve no Brasil nenhum investimento de controle de ar em ambientes. Distanciamento físico é essencial”, explica Ethel.

Os “níveis hierárquicos de biossegurança”, salienta Ethel, colocam o distanciamento físico como a primeira medida de segurança. Em seguida vêm os controles de engenharia, sobre ventilação, principalmente. Depois, o controle administrativo, que define a entrada e saída das pessoas, os locais de lavagem de mãos, etc.. Os EPIs vêm por último. “Se tudo falhar, tem os EPIs”, diz.

‘Sem testagem, não há retorno seguro’
Ethel enfatizou também os oito indicadores da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz) sobre retorno seguro das aulas presenciais no Brasil. “Os indicadores da Fiocruz devem ser nossos faróis”, salientou a cientista. Como já noticiado outras vezes em Século Diário, o Espírito Santo está longe de atender aos oito indicadores. O primeiro, por exemplo, estabelece que, no caso do Estado, é preciso atingir apenas 42 casos novos de Covid-19 por dia, considerando a população de pouco mais de quatro milhões de habitantes. Hoje a faixa é de dois mil novos casos diários.
O segundo indicador fala de uma taxa de transmissão (Rt) menor que 1 e preferencialmente menor que 0,5 por um período de pelo menos sete dias. Hoje está acima de 1, com a pandemia em crescimento exponencial e sem controle.

Em terceiro, a disponibilidade de leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) na ordem de 75%. Hoje o Estado tem menos de 20% livres.

Há ainda os indicadores sobre previsão de esgotamento de leitos de UTI ser superior a 57 dias – que também não é atendido, considerando a atual taxa de transmissão (Rt) – e a redução do número de óbitos e casos de Síndrome Respiratório Aguda Grave (SRAG).

“Nenhum desses parâmetros têm sido utilizados. Aqui utilizamos o Rt menor que 1 e a ocupação de leitos”, sublinha Ethel, com preocupação.

O sexto indicador não é possível de avaliar, pois é uma informação não disponibilizada no Painel Covid, que é a taxa de positividade menor que 5%, ou seja, o número de positivos ser apenas de 5% em relação ao número de pessoas testadas numa determinada Semana Epidemiológica.

A capacidade de detectar e testar (com testes RT-PCR) todos os suspeitos, de isolar e monitorar os pacientes positivos e seus contatos, consiste no sétimo indicador. “Isso é pessimamente feito no Brasil, um pouco melhor no Espírito Santo, mas ainda muito ruim”, informa a pesquisadora.

O último indicador trata da capacidade de diagnosticar pelo menos 80% dos casos no município ou território, o que está bem longe da realidade brasileira e capixaba também.

“Não se pode falar em retorno seguro se não há condições de testar todo mundo, inclusive seus familiares e contatos”, enfatiza Ethel. Os países europeus e nos Estados Unidos, conta, testam a comunidade escolar com teste rápido e, em caso positivo, com RT-PCR para confirmar. “Testam duas vezes por semana, todos os trabalhadores e os estudantes aleatoriamente”, conta.

Retorno seguro para todos
Outra política pública que o Espírito Santo deveria copiar é a distribuição de máscaras filtrantes, PFF2 ou N95, ou o uso de duas máscaras, uma de tecido e outra cirúrgica, que dá 90% de proteção. “Isso salva vidas. A máscara PFF2 filtra 95% e é muito mais barato do que investir em leitos hospitalares”, acentua, destacando uma vitória conquistada há alguns dias no Rio de Janeiro, em que o prefeito Eduardo Paes (DEM) vai distribuir máscaras PFF2 para todos os trabalhadores da Educação.

Ethel e Gilda ressaltaram que é preciso que toda a sociedade se esforce para que esses indicadores sejam alcançados e as aulas presenciais possam ser retomadas o quanto antes, com segurança, para todos. As escolas particulares funcionam sob concessão do Estado, salientaram as acadêmicas.

“Não podemos criar mais uma desigualdade, é preciso que haja condições de retorno para todos”, afirmou Ethel, salientando que no universo das escolas particulares, há também muitas desigualdades. “Todos aqui acho que, como eu, conhecem pessoas que se contaminaram porque foram obrigadas a retornar presencialmente em escolas privadas”, exemplificou.

O argumento de que os professores que estão recusando as aulas presenciais nesse momento continuam com atividades sociais, como ida ao supermercado e outras interações, também não se sustenta, destacou Ethel. “Esse trabalho [de professor] é diferente de outros. É diferente de um atendente de farmácia, que está em um lugar aberto e que interage menos com as pessoas do que um professor em sala de aula. Tudo isso faz diferença na epidemiologia e transmissão da doença”, comparou.
Novas variantes, novos protocolos
As variantes mudaram a pandemia, reafirmou Ethel. “Antes a gente achava que tinha grupo de risco, hoje sabemos que não existe. O Brasil está no ranking mundial com o maior número de mortes de gestantes e puérperas e como o país em que mais morreram crianças e profissionais de saúde”, disse, lembrando ainda que, entre março e abril, aumentou em mais de 1.000% o número de jovens entre 20 e 29 anos mortos por Covid-19.
“A pandemia mudou e os protocolos precisam mudar. Precisamos vacinar todas as pessoas acima de 18 anos. E quando tivermos dados de crianças e adolescentes com menos de 18 anos, vaciná-los deve ser a nossa luta também”, conclamou.

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