Salários menores, extinção da folga mensal e do horário especial de entrada e saída para quem tem dois empregos, incerteza sobre pagamento da insalubridade. As atuais condições de trabalho do Hospital Estadual Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves (Himaba), em Vila Velha, estabelecidas pelo Instituto Acqua, estão trazendo grande insatisfação aos técnicos de enfermagem e enfermeiros. Mas, mesmo diante dos pedidos feitos diretamente à nova direção, a situação não apresentou ainda qualquer horizonte de melhora.
À indignação soma-se o medo de represálias, por isso, as informações objetivas sobre as perdas financeiras e benefícios foram repassadas a Século Diário mediante garantia de anonimato da fonte, pois, entre os funcionários, circulam informações de pessoas que foram desligadas do hospital após exigirem melhores condições de trabalho à nova Organização Social de Saúde (OSS) que assumiu a gestão do Himaba.
O áudio de uma reunião realizada na última terça-feira (27) mostra que o diálogo entre o Acqua e os funcionários se dá sob a máxima de “é pegar ou largar” e “se não quer, tem quem queira”. Durante meia hora, entre vozes femininas de chefes e subordinadas da Unidade de Tratamento Intensivo Neonatal (Utin) e Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (Utip), sobressai a de um homem que se identifica como Eric e que está “assumindo a função de diretor do hospital”.
A ele são encaminhados os questionamentos das equipes técnicas. Em mais de uma vez, o Dr. Eric, como é conhecido pelos funcionários, diz que “o que o Acqua consegue oferecer” é garantia do emprego (“todos que optarem por ficar, ninguém vai ser demitido nesse momento”). Já o salário, “não vai ser o mesmo, mas se você incorporar o plano de saúde e o seguro de vida, chega muito próximo do que era praticado”.
Nesse período, a Sesa pagava aos técnicos de enfermagem o salário de R$ 2,2 mil, mais R$ 220 de insalubridade, totalizando R$ 2,4 mil. Já a Acqua, estabeleceu R$ 1,6 mil mais R$ 230 de insalubridade, cerca de 25% menos. A Gnosis pagava R$ 1,3 mil de salário, mais gratificação de R$ 279 e a mesma insalubridade. Ajustando os descontos de vale-transporte, no entanto, a Acqua fica um pouco abaixo também da Gnosis.
Uma das perguntas das funcionárias questiona o porquê do não pagamento de 40% de insalubridade, apesar da previsão legal. “Porque é o que eu tenho à disposição hoje”, responde o diretor.
Segundo o Dr. Eric, o motivo dos salários menores está no Anexo Covid, entregue pelo governador Renato Casagrande na última sexta-feira (30). Construída pelo Departamento de Edificações e de Rodovias (DER-ES), a obra é resultado de um investimento de R$ 9,6 milhões, R$ 5,6 deles destinados pelo governo do Estado para aquisição de equipamentos.
São 30 leitos adultos exclusivos para o atendimento a casos de Covid-19, sendo 15 de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI). A previsão é de que mais 15 leitos de UTI e 27 de enfermaria Covid-19 sejam entregues ainda em maio. “O novo espaço terá acesso independente da unidade pediátrica, assim como equipe médica e assistencial diferentes. O acesso aos leitos será via Regulação Estadual e/ou pelo Samu 192”, informou a Sesa.
O diretor afirma que a princípio o anexo manteria o atendimento pediátrico já prestado pelo hospital, mas em função da pandemia e a necessidade de expansão de leitos para adultos, foi transformado em “covidário”. “O custo do covidário é muito maior e acaba consumindo parte do contrato [com o governo do Estado]”, afirma, sendo então decidido pelo arrocho dos salários da enfermagem.
Valorização
Na metade da reunião, uma das técnicas volta a argumentar pela necessidade de valorização da equipe técnica. “Eu acho que o senhor já sabe que a nossa Utin é de complexidade, a gente recebe bebês cardiopatas, é um serviço diferenciado pela complexidade. E as pessoas que trabalham ali têm que ter uma destreza muito grande. Quando foi passado esse valor agora à tarde, fazendo os cálculos, retirando o INSS e vale-transporte, vai ser um salário menor do que o que a gente recebia com a Gnosis. Para desenvolver um trabalho da complexidade que a gente desenvolve, é desmotivador. Porque o nosso trabalho ali, a delicadeza com os nossos bebês, tanto os prematuros e cardiopatas, é um serviço diferenciado. A gente quer saber a possibilidade de ter algo a mais”.
Em outra argumentação, a funcionária menciona colegas que “pediram conta de outros serviços”, dando preferência ao Himaba, além de “muita gente vindo trabalhar de Uber, porque o transporte [ônibus Transcol, prometido pelo governo do Estado para levar os trabalhadores da saúde às suas unidades de trabalho em toda a Grande Vitória durante a quarentena, quando houve suspensão do transporte coletivo para a população] não passa em alguns bairros”, sendo que o pagamento do Uber tem sido feito pelos próprios funcionários. “Nós somos o coração do hospital, nós não paramos”, expõe a funcionária.
O diretor então nega que o hospital irá custear as despesas de transporte de quem ficou sem ônibus durante a quarentena. “O seu direito é que eu lhe dê vale-transporte, e eu vou te dar. Se não tiver o transporte público pra você vir, eu não tenho como ter ônibus pra trazer vocês. A gente vai avaliar caso a caso quem vai poder ser abonada aquela falta ou meia-falta ou chegou mais tarde”. O Acqua, afirmou o diretor, está “seguindo todas as normas trabalhistas, as convenções trabalhistas de cada profissional”, “não fugindo a nada do que a lei determina”.
Sobre a folga mensal concedida pela Sesa, o instituto irá verificar o que dizem as convenções trabalhistas. Sobre o horário especial de entrada e saída para os que possuem dois empregos (saindo cerca de meia hora antes, para não chegar atrasado no segundo emprego, compensando isso com a chegada meia hora mais cedo no Himaba, ou vice-versa), a decisão ficará a cargo de avaliações individuais, caso a caso. E os 40% de insalubridade para os que trabalham em “setor fechado” como a Utin e Utip, será alvo de análise por um técnico de segurança do trabalho.
“Num prazo de quatro meses a gente senta com uma comissão e tenta rever os salários, se já pudermos desestabilizar esse ‘covidário’ e vamos ver com o Estado a possibilidade de repor aquilo que eles mesmos estavam pagando para vocês. Eu me comprometo a conversar com as chefias todas para saber se posso manter essas folgas”, resumiu o Dr. Eric, voltando a oferecer o plano de saúde e o seguro de vida, sem afirmar, no entanto, qual percentual desses custos será descontado dos salários e qual será pago pelo Acqua.
Já no final da reunião, o diretor declara que “a qualidade do serviço de vocês, eu de forma alguma estou questionando. A importância de vocês jamais vai ser questionada, mas hoje o que eu tenho para seguir é a lei, e a lei me diz que cada profissional tem uma convenção trabalhista, que eu estou respeitando. Quem quiser ficar, essas são as condições que eu tenho hoje e garanto contratar todo mundo que quiser ficar. Quem não quiser, nos avise para poder fazer as substituições”.
Maior responsabilização das OSs
Por ocasião da intervenção feita no Himaba no final de fevereiro, o secretário Nésio Fernandes afirmou que
“o marco legal precisa ser atualizado, nós precisamos caminhar para um maior grau de responsabilização individual dos gestores das OSSs” e que “nós entendemos que o modelo de gestão sobre OSSs do Brasil enfrenta há muitos anos uma grave crise. E o Espírito Santo trabalhará para mudar a legislação do modelo. Nós estamos trabalhando na atualização da lei estadual que trata do modelo de gestão por organizações sociais porque, de fato, com o atual marco legal e a forma como se operam os contratos pelas OSs, implica num alto risco, não somente para o Estado, para a população, mas também para as próprias OSSs”.
A declaração aborda uma questão que vem sendo noticiada por Século Diário desde o início do primeiro pico da pandemia de Covid-19, em junho de 2020, quando mencionou os elevados lucros obtidos pelas OSSs em todo o Brasil, sem que haja sequer a prática regular de auditorias sobre o cumprimento dos contratos, favorecendo seguidos casos de desassistência à população e recontratações de OSSs envolvidas em corrupção, inclusive em território capixaba.
O Himaba é um dos hospitais com mais problemas consecutivos com esse tipo de gestão, onde a falta de insumos, medicamentos e más condições de trabalho são uma constante, causando também atendimento deficitário à população, como ficou demonstrado na morte de quase 30 bebês em menos de três meses no final de 2017, tragédia denunciada com exclusividade por Século Diário.