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O horror da supremacia racial

Um retrato do poder ignóbil que vivenciamos e a resistência

A cultura é o retrato mais fiel de um povo, gosto de uma das primeiras definições: “este todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes, ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos pelo homem como membro de uma sociedade” (Tylor,1871).

Quanto mais avançamos no incremento da velocidade do transporte e da comunicação, menos fronteiras culturais permanecem. O povo vai se fundindo nas migrações e imigrações, nos passeios, na mercantilização e globalização como um todo. Vai somando à sua cultura “de berço” os traços assimilados de outros povos, sem se perder de si, num processo constante da nietzschiana “autogenealogia”.

Também não podemos desprezar o conceito de hegemonia, que aplicado ao tema, versa sobre o modo como uma cultura se faz dominante e é imposta ou se impõe sobre as outras, ou o seu contrário, com a imposição de valores considerados universais às culturas locais. Aqui se estabelece uma dialética entre a cultura de um povo e a “universal”, que chega com o multiculturalismo, pondo em cheque muitos desses valores construídos culturalmente em território específico, visto como “característica” ou “marca” desse povo.

Vale ressaltar os valores de igualdade, que massificam as pessoas numa violenta padronização dos desiguais como tentativa de estabelecer uma “forma” em que todos se encaixem.

Em nosso país, o multiculturalismo faz parte de sua fundação, se esta for considerada a partir da invasão portuguesa. Não só à cultura local, dos povos tradicionais indígenas, mas também daqueles em diáspora, foi imposta como cultura hegemônica, a do invasor. Como aconteceu por imposição e não pela convivência e assimilação natural, o processo produziu profundas divergências e ressentimentos, exigindo um esforço inaudito para a autoafirmação étnica e conflitos que perduram até hoje no conjunto da população, agora dita brasileira.

Naturalmente, a violência com essas culturas pré-existentes em nosso território se dá no ato mesmo da invasão com o desrespeito aos “donos da casa” – implícito no ato de “descoberta do que sempre esteve aí”.

Quanto aos povos em diáspora, é desnecessário esclarecer a violência que se deu, explícita no fato da diáspora mesmo, são povos que foram escravizados e retirados à força de suas terras, passando de ser humano à mercadoria, no intitulado novo mundo.

Bem, 500 anos se passaram e esse conglomerado cultural tomou forma de um povo, uma nação multicultural desde sua formação, pois mesmo tendo suas casas invadidas, os indígenas conseguiram manter seus traços culturais e assimilar os do invasor, como também o povo preto se estabeleceu nesta assimilação forçada, sem abrir mão de si mesmo.

Por mais incrível que pareça, o problema maior continua sendo o “semelhante do invasor” e sua pretensão de supremacia racial, ainda explícito nos dominantes, como na ação de utilização de signos da supremacia branca pelo assessor do ministro das Relações Exteriores, ocorrido em rede nacional recentemente.

O Brasil, mestiço por natureza, clama pela paz e harmonia, mesmo com essas injustiças e violências cometidas propositadamente pelos invasores, que já foram elaboradas e fazem parte da dinâmica estrutural de nossas relações, e vão se formando com o tempo e nas lutas cotidianas. O que está cada vez mais difícil é a pretensão da suposta superioridade branca, ainda insistente em se estabelecer, privilegiada pela histórica submissão imposta e por seus privilégios transparentes na estrutura nacional.

O momento histórico de resistência que vivemos, a despeito da política atual do governo federal, efêmera por natureza, é propício a uma grandeza humana, objetivada na desconstrução da supremacia na estrutura social, para a construção da identidade própria e honesta do que podemos chamar verdadeiramente do mestiço POVO BRASILEIRO.

Everaldo Barreto é professor de Filosofia

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