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Depois de um ano e meio estagnado, PNAE começa a voltar em municípios do ES

Em Nova Venécia, um bom exemplo: contratos com agricultura familiar somam quase R$ 1 milhão, sendo 30% de orgânicos

Coletivo de Comunicação MPA/ES

A praticamente paralisação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) durante esse primeiro ano da pandemia de Covid-19 é uma das mais incômodas manifestações de incompetência e insensibilidade humanitária dos gestores públicos. Pois desde a necessária suspensão das aulas presenciais, em março de 2020, os contratos de compras de alimentos com agricultores familiares, agroecológicos e orgânicos foram abandonados, deixando as famílias na iminência de enormes prejuízos, com produtos estragando na lavoura, e privando das famílias dos estudantes o direito à alimentação saudável, justamente num momento de necessidade inédita de fortalecimento intenso e rápido da imunidade diante de um novo vírus tão agressivo.

As prometidas entregas de cestas de alimentos para as famílias mais carentes não aconteceram como deveriam, havendo casos em que as escolas fizeram apenas duas entregas ao longo de todo o ano de 2020, e sem alimentos frescos da agricultura familiar, apenas com produtos congelados e empacotados, adquiridos em supermercados.

Não fossem as ações solidárias de doações de cestas por parte de organizações como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), ONGs e grupos nas cidades, além de iniciativas do próprio governo do Estado, a insegurança alimentar das famílias mais vulneráveis teria sido ainda maior. E não fosse a consciência de milhares de consumidores que passaram a encomendar cestas para entregas em domicilio, o desamparo econômico dos agricultores teria sido uma tragédia.

Já é quase final de maio e, apenas agora, com o retorno presencial das aulas em algumas redes e expectativa de retorno também nas demais, é que as prefeituras, muitas delas com novos gestores após as eleições, providenciam honrar os contratos de PNAE.

Em Nova Venécia, noroeste do Estado, um bom exemplo de reativação do programa está em curso, com a celebração de contratos que, somente com agricultores familiares, somam R$ 998 mil. Um terço desse montante de quase R$ 1 milhão é de alimentos orgânicos e agroecológicos, com destaque para dois produtos processados, ambos de forma coletiva: o aipim minimamente processado e o biscoito.

A organização dessa retomada tem a presença forte do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural (Incaper), intermediando o diálogo entre os agricultores e a Secretaria Municipal de Educação.

Extensionista e coordenador do escritório local do Incaper, Moizés Marré conta que a entidade conduziu, em novembro e dezembro passado, o levantamento dos produtos disponíveis no campo e a elaboração de um calendário sazonal das culturas previstas para 2021.

O chamamento público municipal foi feito em abril e aceito por cerca de 100 famílias – nem todas optaram pelo limite máximo de R$ 20 mil/ano – envolvendo associações e organizações locais, como a Associação Universo Orgânico, a Associação Barra da Boa Vista e o MPA.

“Em Nova Venécia, quando acontece a chamada pública da prefeitura, o Incaper chama todas as associações, conversa sobre o PNAE, divulga a chamada pública, faz o calendário sazonal, faz o projeto de venda com elas, organiza toda a documentação necessária, as certidões negativas, cartas de aptidão”, descreve. “Se a extensão rural não fizer isso, nada acontece”, avalia.

Foram selecionados 16 itens: abóbora madura, aipim minimamente processada, alface, banana da terra, banana prata, batata doce, biscoito caseiro, cenoura, couve, inhame, laranja, limão galego, melancia, mexerica, ovos e pepino. A expectativa é de que as entregas comecem ainda no final deste mês de maio.

O PNAE, enfatiza Moizés, é uma política pública extremamente importante, pois ajuda a organizar as associações de produtores, a diversificar a produção e aumentar a renda das famílias agricultoras. E exige, do órgão público, “um trabalho diferenciado de extensão rural, voltado à logística, ao incentivo e à melhoria da qualidade do produto e à comercialização”, num “processo mútuo de aprendizagem”.

O trabalho de apoio continua durante todo o ano. “A cada pedido quinzenal da prefeitura, o Incaper senta com as associações e ajuda a organizar as entregas, para garantir qualidade do produto e pontualidade”, conta Moizés.

Cultura alimentar
Participante do PNAE em Nova Venécia e diversos outros municípios no norte e noroeste do Estado, o MPA avalia como grave a situação de suspensão das chamadas públicas de 2020 e lenta retomada em 2021.

“Desde 2016, o PNAE e o PAA [Programa de Aquisição de Alimentos] vêm perdendo a força. Desde 2018 o Brasil está de novo no mapa da fome e isso foi agravado seriamente pela pandemia, afetando a imunidade das pessoas, aumentando os gastos com saúde. O problema é que se elas não têm dinheiro para comprar alimento, como vão ter para comprar remédio?”, expõe o facilitador em Agroecologia e militante do MPA Douglas Evaristo, ressaltando que a negligência dos municípios é injustificável. “É um recurso que está empenhado pra isso, grande parte vem do governo federal”, lembra.

“O PNAE faz geração de renda no campo para alimentar parcela da população carente e essa receita vai contribuir para o dinamismo da economia do município. Nos anos que nós executamos essas políticas públicas, o agricultor recebe e repassa ao comércio do município, comprando insumos agrícolas, fazendo manutenção no veículo, adquire item que não produz na propriedade…”, descreve.

E a outra questão é a segurança alimentar da comunidade urbana, ressalta. “A criação de uma cultura alimentar saudável! Ao deixar de alimentar um jovem com alimentos frescos, hortaliças, ele vai crescer sem essa cultura alimentar e depois vai ser muito mais desafiador associar a condição de saúde a uma boa alimentação”, explica.

Sem as políticas públicas, complementa, as possibilidades de movimentação dessa economia saudável são estreitas. “Há dificuldade de inserção dos produtos da agricultura familiar no mercado convencional, porque as escalas e as formas de comercialização são diferentes”, enuncia.

O mercado convencional, exemplifica, determina a entrega de itens sazonais durante o ano todo, não respeitando a diversidade natural de culturas. E para atender a essa demanda artificial, produtores se submetem a fazer intervenções significativas no processo produtivo, com uso cada vez mais intenso de agrotóxicos e adubos químicos. “Quando você compara o tempo-natureza e o tempo-indústria, vê que o supermercado tem um tempo diferente da agricultura camponesa”, diz.

Venda direta
A comercialização direta tem funcionado bem, avalia Douglas, tendo sido uma importante alternativa à geração de renda para as famílias em transição. “Mas tem limite, porque conta muito com a postura do comércio solidário e justo, das pessoas que têm consciência da qualidade e importância desse alimento. Há uma dificuldade de escalonamento, o que acaba tornando o processo caro”.
É o que conta a agricultura agroecológica Joselma Maria Pereira, do Assentamento Vale da Esperança, no Córrego Seco, em Santa Teresa, região serrana. No início do ano passado, ela e o esposo Dimas Pereira de Melo se dedicaram a produzir para atender ao contrato de PNAE estabelecido com a prefeitura e o Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) locais. Mas com a suspensão das aulas presenciais, ambos suspenderam as compras.

Quase em desespero, Joselma e o companheiro colheram mais de uma tonelada de alimento perecíveis, como cenouras, repolhos, beterrabas, hortaliças…e se viram diante da quase perda de meses de trabalho e investimentos. Imediatamente recorreram aos amigos professores e estudantes do Ifes, oferecendo cestas de R$ 25,00.

Os amigos responderam imediatamente com compras de cestas para si mesmos e para doações a pessoas necessitadas. “No boca-a-boca, nós conseguimos vender toda a produção e a lista de amigos clientes foi crescendo até um ponto que a gente precisou manter o número de entregas, para não correr o risco de não conseguir atender a todo mundo”, conta emocionada.

O sistema de entregas de cestas continua até hoje e o casal aguarda também a retomada do PNAE. “Para ter realmente uma segurança, de que a produção de alimentos seja capaz de prover toda a nossa necessidade financeira, é fundamental que haja políticas públicas como o PNAE”, afirma.

Histórico
Criado com o nome de Campanha de Merenda Escolar, em 1955, o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), executado e gerenciado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), é a mais antiga política pública de segurança alimentar e nutricional do Brasil. O programa vem sendo aprimorado ao longo dos anos e visa contribuir com o desenvolvimento, o aprendizado, o rendimento escolar dos estudantes e a formação de hábitos alimentares saudáveis, por meio da oferta de alimentação escolar e de ações de educação alimentar e nutricional.

Um dos marcos é a aprovação da Lei nº 11.947, em 2009, ao definir que 30% dos recursos repassados pelo FNDE para alimentação escolar devem ser utilizados na compra direta de alimentos da agricultura familiar.

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