Decisão reconhece indenizações baixas da Fundação Renova, mas alega que pedido de suspeição foi feito fora do prazo
Mesmo reconhecendo o baixo valor das indenizações pagas pela Fundação Renova aos atingidos pelo crime das mineradoras Samarco, Vale e BHP contra o Rio Doce, há quase seis anos, a desembargadora Daniele Maranhão Costam, do Tribuna Regional Federal da 1ª Região, negou o pedido de suspeição do juiz federal substituto da 12ª Vara Federal de Belo Horizonte, Mário de Paula Franco Junior, que em mais de uma vez, já se autodeclarou o “juiz Moro do caso Samarco”.
O pedido de suspeição foi efetuado por cinco instituições de justiça que defendem os direitos das vítimas do maior crime socioambiental do país e um dos maiores do mundo: os Ministérios Públicos Federal e Estadual de Minas Gerais e as Defensorias Públicas da União, do Espírito Santo e de Minas Gerais.
Em sua decisão, publicada nessa segunda-feira (24), a magistrada nomeia, por mais de uma vez, o rompimento da barragem como “Acidente de Mariana”, contrapondo-se ao entendimento de “crime” do MPF, e defende que a atual “fase de cumprimento [das indenizações] deva se dar de forma mais individualizada entre Renova e atingidos, haja vista a plena capacidade das partes, não se esquecendo da fragilidade da comunidade (representada por advogados)”. Fragilidade essa, alega, que “não se converte em ausência de capacidade para decidir a maneira como deve se dar a indenização”.
Daniele Maranhão também entende que a plataforma Novel, disponibilizada pela Fundação Renova em seu site, com aval do juiz Mário de Paula, é “mais célere e simplificada” que o processo estabelecido no Termo de Ajustamento de Conduta sobre a governança da reparação dos danos do crime (TAC-Gov), firmado em 2018 – entre as empresas criminosas, seis instituições de justiça (MPF, MPMG, MPES, DPU, DPES e DPMG) e nove órgãos públicos – e homologado pelo mesmo juiz, com objetivo de criar “novas estruturas para garantir a efetiva participação dos atingidos nas decisões referentes à reparação dos danos”, por meio, principalmente, da contratação das assessorias técnicas independentes.
Ocorre que, apesar de firmado e homologado, o TAC Gov nunca foi cumprido. No Espírito Santo, apenas a comunidade quilombola de Degredo, em Linhares, norte do Estado, conseguiu sua assessoria técnica. Assim, os atingidos foram submetidos a continuar fragilizados pela falta de assessoria técnica, que inclui orientação jurídica para reivindicar seus direitos legais.
Essa representação legal por meio de advogados particulares, alega a desembargadora, associada à plataforma da Renova, “pode resultar em recebimento de uma indenização aquém daquela eventualmente devida”, mas dá aos atingidos a possibilidade de “optar por um processo mais longo, mas que represente indenização mais adequada”.
“Penso que os atingidos podem melhor dizer como deve ser a condução dos processos de indenização, de acordo com suas necessidades urgentes, inclusive de sobrevivência. Ao que parece, considerando a grande adesão ao ‘Sistema Simplificado de Indenização’, os atingidos têm se mostrado satisfeitos com a indenização simplificada, dentro do exequível”, afirma Daniele Maranhão.
A argumentação, no entanto, não menciona toda a exposição de fatos feita pelas cinco instituições de justiça sobre o contexto que tem levado esses atingidos a aceitarem a plataforma Novel, as comissões apócrifas, os advogados e seus honorários e os valores baixos de indenizações, contexto esse que tem a parcialidade do juiz Mário de Paula como um dos problemas que precisam ser sanados pelo sistema de Justiça brasileiro.
Também não considera diversas manifestações feitas por coletivos de atingidos, reivindicando um sistema judiciário que lhe garanta os direitos com a mesma integridade e celeridade que vem ocorrendo em Brumadinho, em outro caso de rompimento de barragem de responsabilidade da Vale.
Ao contrário, a magistrada afirma que “a urgência [do pedido de suspeição] não se evidencia, pois eventual vício de vontade que, se averiguado, poderá resultar em nulidade das tratativas. O prejuízo inverso é patente”.
Outro ponto de destaque da decisão da desembargadora é a interpretação limitada sobre os motivos que levaram as instituições de justiça a denunciarem a conduta parcial do juiz Mário de Paula, em favor da Fundação Renova e suas empresas mantenedoras e contra os direitos dos atingidos. Segundo Daniele Maranhão o pedido de suspeição se baseia em “publicação de matéria no site Agência Pública, em 25 de fevereiro de 2021″, em que é tornado público o vídeo de uma reunião ocorrida em 17 de janeiro, que “supostamente revelaria ameaças e intimidação de advogada da Renova aos atingidos pelo desastre de Mariana”.
Como o pedido de suspeição só foi protocolado no dia 14 de abril de 2021, a desembargadora afirma que o prazo legal para tal ação já teria se esgotado, pois segundo o Art. 145 do Código de Processo Civil, ele ocorre em quinze dias, a contar do conhecimento do fato questionado. O mesmo Código de Processo Civil, no entanto, em seu Art. 180, estabelece que “O Ministério Público gozará de prazo em dobro para manifestar-se nos autos, que terá início a partir de sua intimação pessoal, nos termos do art. 183, § 1º”, havendo semelhante exceção para a Defensoria Pública no Art. 186.