Não é uma briga de santos que querem servir o usuário, mas uma competição feroz por domínio de mercado
No influxo do lançamento do novo iPhone 12, pacote de assinaturas de podcast e iMac, no novo iOS 14.5 se terá esta nova política de privacidade da Apple estabelecida. Tim Cook fez declarações de defesa da privacidade de usuários, o que levou Mark Zuckerberg, do Facebook, a acusar a Apple de práticas anticompetitivas.
As trocas de acusações que envolvem as Big Techs, por sua vez, não são uma briga de santos que querem servir o usuário, mas uma competição feroz por domínio do mercado de tecnologia, que está na berlinda agora por iniciativas diversas de medidas antitruste. Portanto, a pressão vem de fora, por medidas antitruste e por privacidade, e entre as próprias Big Techs, que começam a disputar territórios do mercado de tecnologia, com diferentes estratégias.
A Apple afirma que o usuário poderá não conceder o rastreamento, o que deixará zerado o identificador e o aplicativo utilizado por este usuário, não podendo obter dados sobre a sua navegação. Tal mecanismo novo da Apple pressiona Google e Facebook, por sua vez, pelo fato destas empresas dependerem fortemente de publicidade para sustentar seus negócios, com um big data imenso.
O Facebook, assim que ficou sabendo do mecanismo da Apple, já em dezembro de 2020, se pronunciou, pretensamente em nome de todas as pequenas empresas do mundo, dizendo: “No Facebook, as pequenas empresas estão no centro de nossos negócios Muita gente que está à frente de pequenos negócios vem compartilhando preocupações sobre a atualização forçada do software da Apple, que limitará a capacidade das empresas de veicular anúncios personalizados e alcançar seus clientes de forma eficaz”, disse a empresa.
O Google também depende muito do rastreamento de terceiros para alimentar seus negócios de publicidade, mas já tenta melhorar sua política de privacidade. Em anúncios conjuntos com a Apple, já promete medidas efetivas para realizar uma forma mais amigável de compartilhamento de dados de usuários, isto é, de um modo menos invasivo.
Neste quesito de uso massivo de dados de usuários, a empresa que parece que vai entrar num impasse e sofrer com limitações será, certamente, o Facebook de Mark Zuckerberg, empresa esta que se acomodou numa falta de inventividade, fagocitando ideias novas dos outros, como nas aquisições do WhatsApp e do Instagram.
A competição entre Facebook e Apple não é nada mais do que entre esta empresa que agora vive mais do WhatsApp e do Instagram do que de sua comodidade original, e a empresa que teve Steve Jobs e que se tornou uma das fabricantes de eletrônicos mais valiosas do mundo e a quarta maior empresa do setor de celulares.
O Facebook depende muito dos dados de seus usuários para poder personalizar seu conteúdo, receita e publicidade. Por outro lado, a rede social acusa a Apple de realizar a sua própria coleta de dados, numa posição de domínio como dona dos aparelhos, sistemas operacionais e lojas digitais. Diante disto, o Facebook pensa em processar a Apple por práticas anticompetitivas de mercado.
Pode ser que, no pior cenário de todos, isto tudo possa terminar nos tribunais, virando tema de fiscalização do Congresso dos Estados Unidos ainda em 2021. Agora já chamam estas disputas e suas possíveis consequências o caminho para um modelo de ética de dados.
Existem leis de proteção de dados já em mais de 140 países, em diferentes estágios de avanço, e este mecanismo novo da Apple vai colocar em prática uma parte dessas leis, e o jogo em que o Facebook se acostumou, certamente a empresa mais acomodada das Big Techs neste sentido de controle de dados e em uma dependência profunda dos mesmos, tenha que reaprender, pois a Apple está sendo bem mais esperta.
As leis de privacidade e medidas como a da Apple não vieram para acabar com o big data e a inteligência de negócios web, mas estabelecer um limite e abrir o caminho, agora, dentro das próprias Big Techs, de uma conciliação entre este big data e uma ética dos dados, com recursos menos invasivos.
A Apple não está sendo benevolente, a sua grande jogada é tentar controlar o Facebook, Google e outras plataformas numa tacada só, e obter o seu próprio controle para benefício próprio, mas tal medida vem no influxo das mudanças de modelos de negócios no mercado web.
Por outro lado, sem o ecossistema de personalização de anúncios, pequenos e médios desenvolvedores serão obrigados a cobrar de alguma forma pelos aplicativos, ou na hora de baixar ou via assinatura. E a Apple se beneficia também disto, pois seu interesse será o de cobrar uma comissão desses desenvolvedores em sua loja, a App Store. Por fim, a decisão da Apple diminui o incentivo à criação de aplicativos gratuitos, baseados no modelo atual.
Gustavo Bastos, filósofo e escritor.
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