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‘A boiada que o governo quer passar vai encontrar muitas cercas vivas no caminho’

Para Kátia Penha, da Conaq, revogação de normativa ambiental pela Fundação Palmares é parte de ”plano biocida”

A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) estuda juridicamente como impedir a implementação da Portaria nº 118/2021, que revoga a Instrução Normativa nº 01, de 31 de outubro de 2018, que “estabelece procedimentos administrativos a serem observados pela Fundação Cultural Palmares nos processos de licenciamento ambiental de obras, atividades ou empreendimentos que impactem comunidades quilombolas”.

Assinada nessa segunda-feira (31) pelo presidente da Fundação Palmares, Sérgio Nascimento de Camargo, a Portaria 118 é, no entendimento da Coordenação das Comunidades Quilombolas do Espírito Santo Zacimba Gaba (Conaq/ES), mais uma medida que visa “passar a boiada” sobre o patrimônio socioambiental brasileiro, numa alusão à frase dita pelo ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, durante reunião de ministros de Jair Bolsonaro em maio de 2020, quando disse que era preciso aproveitar a atenção da imprensa sobre a pandemia para “passar a boiada” sobre a Amazônia, revogando e burlando leis ambientais.


Ao lado da revogação da IN 01/18, estão outras medidas em curso, como o afrouxamento do Licenciamento Ambiental (PL 3729/2004) e a descaracterização da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), pleiteada no Congresso Nacional pela bancada ruralista.
“É difícil, complexo, desesperador. A gente passa por um processo de emergência climática mundial! E recebe com muito pesar essa notícia e outras que gente sabe que ainda virão. É muito triste ver o Brasil na situação que está. É retrocesso todos os dias. Cada dia a gente é surpreendido por um desmonte não só na política ambiental. E para nós, comunidades quilombolas, a questão ambiental é essencial”, exclama Kátia Penha, coordenadora nacional da Conaq/ES. “Mas a gente vai seguir resistindo. Essa boiada que o governo federal quer passar vai encontrar muitas cercas, cervas vivas, que lutam por igualdade e direitos”, proclama.
Coordenador-executivo da Conaq/ES, Arilson Ventura afirma que sem as normativas legais que a “boiada” de Ricardo Salles e companhia querem destruir, as comunidades estarão ainda mais vulneráveis aos grandes empreendimentos que historicamente cobiçam os territórios de povos tradicionais, como os setores de petróleo, mineração, celulose e energia elétrica.
“Sem essa proteção ambiental, os empreendimentos vão entrar sem dar satisfação nenhuma para as comunidades. E quando se aplica uma medida de revogação legal como essa, é porque já tem um monte de projetos querendo ser implementados, mas que não conseguem por causa dessas normativas”, alerta. Diante da ameaça, “o jurídico da Conaq já está debruçado sobre essa questão para buscar medidas junto aos órgãos competentes para revogar a portaria”, conta Arilson.
Kátia Penha reafirma que “Sergio Camargo não representa nenhum povo preto desse país”, pois desde que assumiu a Fundação Palmares, tem tomado uma série de decisões que visam destruir a construção histórica de garantia de direitos dos povos quilombolas, seguindo o receituário de Jair Bolsonaro (sem partido). “Entre uma mineradora e as famílias, seres humanos, esse governo sempre escolhe a mineradora, as empresas de eucalipto, de cana. E aí a gente vai para onde? Querem nos expulsar de todas as maneiras de nossos territórios”, denuncia.

Uma década de construção
A IN 01/18 começou a ser gestada em 2013, conta a coordenadora da Conaq/ES, por meio de um Grupo de Trabalho criado dentro do Ministério do Meio Ambiente, que dialogava com a Secretaria de Povos Tradicionais, no sentido de construir um regramento jurídico para proteger as áreas ambientalmente sensíveis localizadas dentro dos territórios quilombolas.
“Em 2016, o golpe contra a presidente Dilma Roussef (PT) começou a desmanchar esse trabalho, mas mesmo assim, em 2018, o Ministério se comprometeu com a Conaq e publicou a Instrução Normativa, que contempla a convenção 169, estabelecendo que as comunidades quilombolas precisavam ser consultadas nos licenciamentos ambientais de empreendimentos”, relata.
Às vésperas do Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado no próximo sábado (5), Katia Penha lembra que o meio ambiente não é só fauna e flora. “Não é de ‘meio ambiente de florzinha’ que a gente está falando. Tem que pensar na questão hídrica, na questão alimentar. A gente não vai viver comendo apenas agrotóxicos. A Amazônia vai virar um pasto? A gente só tem 12% de Mata Atlântica numa extensão territorial que vai do Rio Grande do Sul ao Rio Grande do Norte! Todos os biomas estão pedindo socorro e as comunidades quilombolas estão dentro desses biomas”, contextualiza.

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