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‘Concessão da BR-101 não deveria ter iniciado sem considerar a relevância da Rebio’

Cientistas realizam live em prol da proteção da Reserva de Sooretama no Dia Mundial do Meio Ambiente

Leonardo Merçon/Instituto Últimos Refúgios

Ameaçada por um processo de concessão mal planejado e mal executado desde o início, a Reserva Biológica (Rebio) de Sooretama, em Linhares, norte do Estado, é tema de uma live organizada por um conjunto de cientistas e institutos de pesquisa e conservação ambiental capixabas no próximo sábado (5), Dia Mundial do Meio Ambiente.

O “Sooretama Viva!” será transmitido a partir das 9h, reunindo parte significativa dos pesquisadores que se dedicam ao estudo e à proteção da Rebio nos últimos anos. E são muitas as instituições públicas e privadas que se debruçam a descobrir, compreender e divulgar os processos ecológicos e socioambientais que acontecem dentro dos 27 mil hectares da Reserva, bem como suas repercussões positivas para muito além do seu entorno oficial, pois os serviços ecossistêmicos que Sooretama fornece permanentemente extrapolam, em muito, os limites dos municípios locais, as divisas do Estado e mesmo as fronteiras brasileiras.


Unidade de conservação de proteção integral, a Rebio protege, juntamente com a contígua Reserva da Vale, o maior remanescente de Mata Atlântica de Tabuleiro do país. O bioma atlântico do Espírito Santo é um dos 34 hotspots do planeta, os ecossistemas ao mesmo tempo mais ricos em biodiversidade e mais ameaçados.
Em tempos pandêmicos, quando a preservação e conservação das florestas foi içada ao topo das ações mais urgentes e vitais para a humanidade – mesmo que ainda não implementado pelos gestores públicos – qualquer planejamento de empreendimento de grande porte, como o licenciamento de mais de 400 km de rodovia federal, deve obrigatoriamente elevar a proteção ambiental ao status de prioridade e ponto pacífico, especialmente quando tratam-se de áreas protegidas por lei da grandeza da Rebio Sooretama.
Iniciado em 2013, com a concessão da gestão da BR-101 para o consórcio ECO 101, o licenciamento ambiental do trecho norte da estrada anda a passos muito lentos, como igualmente lenta tem sido a implementação das obras previstas no trecho sul, onde o licenciamento ambiental não encontrou divergências.
O sucateamento dos órgãos ambientais – no caso em tela, os institutos Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Chico Mendes de Conservação (ICMBio) – aliado à falta de visão sustentável da Agência Nacional de Transporte Terrestre (ANTT) e do consórcio vencedor, que tem Eco só nome, explicam a lentidão e os absurdos que ainda trafegam desgovernados pela estrada da concessão.
O processo começou errado. A concessão nunca deveria ter sido iniciada sem considerar a relevância da Rebio. Não pode uma agência estatal ignorar a existência de um patrimônio natural público e as implicâncias que haveria contra ele uma obra dessa magnitude”, expõe Marcelo Renan de Deus Santos, presidente do Instituto Marcos Daniel, uma das entidades a realizar a live Sooretama Viva!
O ambientalista conta que, em uma das reuniões que o grupo de cientistas pró Sooretama fez com os órgãos envolvidos na concessão da rodovia, foi afirmado que o licenciamento ambiental para o projeto de duplicação abrange todo o trecho norte da BR, não podendo ser parcelado em trechos menores.
Sustentabilidade como paradigma
“Esse não é o melhor caminho, não é inteligente”, afirma, combatendo a proposta feita pela ANTT e a ECO 101, de não duplicar nenhum quilômetro da via a partir de Linhares, por conta da recusa do Ibama em permitir a duplicação nos 25 km que atravessam a Rebio.
“Esse argumento de não duplicar nada acima de Linhares é para colocar a sociedade contra a Rebio”, aponta, destacando a estranheza causada pela ação de uma agência pública federal (ANTT) defender não a sociedade, mas os interesses meramente comerciais de uma empresa privada, que não mostra em nenhum momento uma visão de futuro, de sustentabilidade e de diálogo com a sociedade. “Nem as ações de comunicação sobre proteção da fauna ela aceitou que fizéssemos! Não autorizou a instalação das nossas placas, que não teria custo algum!”, conta.
A defesa dos cientistas e ambientalistas, reforça Marcelo Renan, é pela duplicação sim da rodovia, mas com desvio a oeste da Reserva. “A região leste tem relevância biológica semelhante à da Rebio. E a região oeste está degradada e carente de um eixo de desenvolvimento”, explica.
A leste, detalha a descrição, estão alagados, restingas e florestas de altíssima relevância ecológica para o Espírito Santo, protegidos por um Mosaico de Unidades de Conservação da Foz do Rio Doce que se ligam até a Rebio Comboios, em Regência, criada na década de 1980 para proteger o único sítio reprodutivo da tartaruga-gigante ou de-couro no país e um dos maiores da tartaruga-cabeçuda de todo o litoral brasileiro. Por isso, a região “requer outro tipo de desenvolvimento, com medidas mais sustentáveis”. Já o contorno a oeste “pode seguir o traçado de estradas já existentes, consolidadas e asfaltadas”, relata.
Ser uma estrada eco, sublinha, não é cortar áreas naturais sensíveis e relevantes para permitir belas fotos dos transeuntes cercados de verde e beleza nas redes sociais, mas sim preservar reservas florestais e promover desenvolvimento sustentável em regiões degradadas e empobrecidas. “Enquanto o oeste precisa mesmo de uma estrada duplicada, como eixo de desenvolvimento, o leste precisa de proteção socioambiental”, resume, ecoando a posição já manifestada pelo deputado estadual Fabrício Gandini (Cidadania), presidente da Frente Parlamentar de Fiscalização da BR-101.
Um novo paradigma de planejamento e desenvolvimento precisa ser assumido nesse caso emblemático da duplicação da BR-101 norte. “Se não mudarmos o pressuposto atual, vamos seguir no caminho da devastação do que resta da Mata Atlântica, eliminando os serviços ambientais que a gente depende para sobreviver. Todos queremos uma rodovia segura. Eu quero chegar lá em Sooretama de forma mais rápida e segura e não quero pagar pedágios caros para isso, como todo mundo. Mas não abro mão de proteger a natureza”, sentencia.
‘Sooretama Viva!’
A live “Sooretama Viva!” acontece neste sábado (5), de 9h às 12h30, no canal do Herpeto Capixaba no YouTube, com palestras relacionadas à Rebio Sooretama e arredores, com ênfase em sua biodiversidade especialmente das espécies e grupos mais pesquisados pelas entidades organizadoras do evento, como grandes herbívoros, tatu-canastra, surucucu-pico-de-jaca e outros répteis raros, grandes felinos e harpias. Outros temas centrais são a fotografia de natureza e, claro, os impactos diretos e indiretos da rodovia BR-101 sobre toda essa biodiversidade.
A live fará o lançamento do documentário Quanto vale uma vida? O impacto da BR-101 nos teiús da Reserva Biológica de Sooretama, do Herpeto Capixaba. Ao final, haverá uma mesa-redonda aberta às perguntas dos internautas.
A iniciativa é de vários projetos e entidades que têm realizado pesquisa e conservação na Mata Atlântica de Tabuleiro do complexo de áreas protegidas de Sooretama e Linhares: Herpeto Capixaba, Projeto Surucucu, Instituto Últimos Refúgios, Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Projeto Harpia Mata Atlântica, Projeto Felinos, Pró-Tapir, Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB), Instituto Marcos Daniel, Projeto Caiman, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), PPBio.ma, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Projeto Tatu Canastra Brasil e Instituto de Conservação de Animais Silvestres.

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