Lideranças do Espírito Santo vão para Brasília neste sábado integrar as mobilizações nacionais
O ato foi organizado pela Comissão de Caciques Tupinikim e Guarani e pela Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), contando com lideranças como Paulo Tupinikim e o vereador Vilson Jaguareté (PT).
Paulo, coordenador da Apoinme, conta que um ônibus e uma van sairão de Aracruz neste sábado (26), com caciques e outros representantes da comunidade indígena local. Os Tupinikins e Guaranis de Aracruz se somarão aos mais de 800 indígenas que estão acampados em Brasília, de acordo com dados da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
“Bolsonaro está cumprindo uma de suas promessas de campanha: ‘não demarcar nenhum centímetro de terra mais […] O PL 490 já havia sido arquivado, mas como o interesse do agronegócio é avançar, seus empreendimentos acabam invadindo os territórios indígenas, desmatando as florestas, passando a boiada por cima de tudo e todos”, critica Paulo, que atribui o descaso não só ao Congresso Nacional, mas também ao governo federal.
Lideranças indígenas de várias partes do Brasil se posicionam contra o PL 490. Um dos principais riscos apontados na matéria é o estabelecimento do Marco Temporal. A tese considera como terra indígena apenas aqueles territórios que estavam habitados em caráter permanente por indígenas na promulgação da Constituição de 1988.
A Apib aponta que o projeto pode inviabilizar as demarcações, promover a anulação de Terras Indígenas e tornar esses territórios expostos a empreendimentos predatórios, como garimpo, estradas e grandes hidrelétricas.
Paulo Tupinikim ressalta que terras indígenas do Espírito Santo também serão afetadas caso o projeto seja aprovado. De acordo com ele, além dos riscos com o estabelecimento do Marco Temporal, a matéria pode servir de incentivo para o avanço de empreendimentos que já cercam os territórios. “Esses projetos de lei acabam fortalecendo esses empresários. Podem acabar se sentindo no direito de quererem esbulhar nosso território”, afirma.
Para a moradora da aldeia Pau Brasil, em Aracruz, Janaína Tupinikim, o projeto de lei é um retrocesso. “É muito frustrante. Nós estamos vivendo um governo que só pensa em recursos, em seus próprios interesses […] Vamos lutar, porque o índio é força, é raça. Enquanto tiver índio lutando nessa terra, nós vamos lutar pelos nossos direitos”, ressalta.
O projeto
Por 40 votos a 21, o texto-base do projeto de lei PL 490 foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ) nessa quarta-feira (23). Após a votação de destaques, prevista para a próxima segunda-feira (28), o texto segue para apreciação no Plenário e, em sequência, para o Senado Federal.
A proposta de lei é de 2007, mas o texto aprovado foi o substitutivo do relator, deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA). Além do Marco Temporal, o texto abriria escopo para a instalação de bases, unidades e postos militares, expansão da malha viária, e exploração de alternativas energéticas em territórios indígenas, tendo como base a “política de defesa e soberania nacional”.
Durante a reunião da comissão, que é presidida pela deputada Bia Kicis (PSL-DF), parlamentares como a deputada Joenia Wapichana (Rede – RR) pediram que o projeto fosse retirado de pauta para que uma audiência pública fosse realizada, com a presença dos povos indígenas. A retirada não foi aceita e o texto seguiu para votação.
“Os direitos dos povos indígenas foram garantidos pela nossa Constituição como cláusula pétrea e não podem ser mudados por qualquer interesse egoísta, individual, de quem tem olhar de cobiça para as terras indígenas”, disse Joenia.
Guajajara, Guarani Kayowa, Guarani Mbya, Guarani Nhandeva, Imboré, Juruna. Ao todo, são mais de 48 povos indígenas diferentes acampados ao lado do Teatro Nacional, em Brasília. Eles realizam protestos contra o projeto em frente à Câmara dos Deputados e chegaram a ser reprimidos de forma violenta pela Polícia Militar, com balas de borracha e bombas de efeito moral.
Luta em terras capixabas
A discussão do projeto de demarcação de terras voltou à tona recentemente, mas a luta pela defesa dos territórios originários é antiga. No Espírito Santo, conflitos com a Aracruz Celulose, hoje incorporada pela Suzano, marcaram a história do movimento indígena no Estado, que reconquistou parte do seu território explorado pelas papeleiras após décadas de luta.
“Hoje, o nosso maior problema ainda é com a Vale e Samarco e BHP, devido ao rompimento da barragem de Fundão em Mariana, que impactou o nosso rio Piraquê-Açu e as nossas praias, mas o nosso território é cercado de empreendimentos”, aponta Paulo Tupinikim.
Em novembro de 2020, lideranças indígenas fecharam a Rodovia ES-269 cobrando a compensação dos danos do rompimento da Barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP, em 2015.
Paulo lembra que o norte do Espírito Santo é um local de expansão de grandes empresas, que olham para as terras indígenas como potenciais locais de desenvolvimento. “Nossas terras hoje são as mais assediadas pelos empreendimentos e o órgão indigenista, a Funai [Fundação Nacional do Índio], que era para proteger os territórios e os nossos direitos, tem à frente uma pessoa que é contra as populações indígenas, que oprime os povos indígenas. Então temos que contar com as nossas forças e dos nossos aliados para nos defender contra esses ataques”, pontua.