Camila Valadão critica Pazolini, fala sobre ataques sofridos e futuro na política. Leia entrevista ou ouça em podcast
Dando início a uma série de entrevistas, Século Diário recebeu a vereadora de Vitória Camila Valadão (Psol), que falou sobre sua trajetória no movimento estudantil, atuação parlamentar, os ataques machistas que vem recebendo na Câmara, o futuro do Psol capixaba e suas apostas para as eleições de 2022.
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Você foi uma novidade nesse panorama político-eleitoral a partir da última eleição conquistando um mandato. Quero começar trazendo um pouco da sua trajetória…você que é assistente social e já era uma figura destacada da política desde o movimento estudantil, fez parte de uma geração que se formou durante os governos do PT, tecendo críticas à esquerda e às políticas do governo federal, e também na cena estadual aos governos do Paulo Hartung e Renato Casagrande.
Por que no meio de tantos militantes, acredito que a maioria dessa geração continua na luta, você se destacou como uma figura que teve maior visibilidade e conseguiu conquistar um mandato parlamentar e talvez ser hoje a figura mais destacada de uma esquerda mais radical no âmbito institucional?
Primeiro, eu quero fazer um salve à minha geração! Você resgata um processo fundamental. Essa geração que esteve no movimento estudantil. Eu entrei na universidade em 2004, mas já acompanhava o movimento estudantil antes. Então participei de 2002 a 2010, mais ou menos.
É uma geração que teve um protagonismo muito grande no Estado em todas as lutas. Lutas para além do movimento estudantil. Eu me recordo na época de vários processos de mobilização, em defesa da demarcação das terras indígenas, da política de cotas. Foi uma geração marcada por muitas lutas, em defesa da universidade pública, de um projeto político também. E que teve como resultado dessa construção muitos enfrentamentos, tanto ao governo federal, aos governos petistas, do Lula, como também aos governos estaduais, Paulo Hartung e, como você mencionou, depois, Casagrande. A gente teve oportunidade de participar na época, por exemplo, das enormes manifestações contra o aumento da passagem na época de Paulo Hartung, que teve tratamento com a polícia, BME [o extinto Batalhão de Missões Especiais], muito violenta, uma ação muito truculenta por parte do governo do Estado. Então a gente poderia ficar falando horas de toda essa trajetória.
Minha militância política é forjada nesse contexto, de maneira muito coletiva, num processo de aprendizado muito grande com toda essa geração. Muitas pessoas me inspiraram nesse processo de formação e compartilharam comigo essa época. E eu penso que talvez, entre as outras lideranças, cada um foi tocando um pouco uma frente. E dessa ação alguns foram para luta sindical, outros se inseriram no movimento negro, movimento de mulheres, cada um tocando diversas frentes.
Assim é o meu caso. Eu acabei ficando muito com a tarefa de construção partidária. Fui da executiva nacional do Psol em um momento importante do nosso partido, quando implementamos a paridade de gênero na direção nacional. Então eu era ainda muito jovem e a gente tinha no âmbito da direção partidária só aqueles quadros tradicionais. No partido eu tive a oportunidade de experimentar, ainda muito jovem, uma direção que estava se recompondo a partir da paridade.
A partir daí, fui construindo uma trajetória político-partidária coerente, o que me fez, sem dúvida nenhuma, ter uma confiança da população. Fui candidata em 2014, em 2016 mantive os mesmos princípios políticos. Muitos falavam que eu era uma idealista, que não queria fazer coligação. Depois mudou a legislação e eu fui eleita. A gente nunca aceitou dinheiro de empresa e todo mundo falava: “ah, então nunca vai ganhar”, mas sempre inovamos a partir da lógica de financiamento colaborativo
Então, sobre a minha vitória em 2020, gosto de dizer que ela é resultado dessa construção política, de longa data. Começa com trajetória em movimentos, passa por alguns espaços importantes – fui do Conselho Regional de Serviço Social, do Conselho Estadual de Direitos Humanos -, vai passando pelo diálogo com diversos setores, e sempre no Psol. Porque na minha avaliação, o resultado eleitoral é resultado dessa construção e não o contrário. Então acho que a gente acabou colhendo frutos de uma coerência política e programática ao longo dessa história.
Eu sempre dizia que quero ganhar eleição, mas quero ganhar mantendo meus princípios, a coerência. Se for para ganhar abrindo mão disso, prefiro não ganhar. Eu não vivo de política. Sou assistente social, trabalhei muito tempo como professora, não sou política profissional, não estou na política para me satisfazer do ponto de vista privado, para ter benefícios privados.
E como está sendo essa experiência em que você além de vereadora, também é mãe e doutoranda. Como você está conciliando nesses primeiros meses de atuação?
Não estou conciliando (risos). Está tudo um caos, de fato são muitos desafios. Eu já sabia que o exercício parlamentar não seria fácil. Várias pessoas que já estiveram nesse espaço me falavam. Eu lembro de uma vez que encontrei com a Iriny Lopes [hoje deputada estadual pelo PT] e ela me disse: “Camila, o parlamento é um lugar muito duro”. Ela me disse isso e isso me marcou profundamente. E de fato não só ela, outras tinham compartilhado essa experiência.
É duríssimo porque a gente está falando de uma espaço muito diverso, composto majoritariamente por homens, com amplíssima maioria, o que torna o espaço difícil de atuar para uma mulher, para uma mulher mãe, e a maternidade demanda muito. A gente ainda vive numa sociedade em que há toda uma construção de um ideal de mãe, que tem que ter determinadas características.
Vem sendo um exercício, portanto, difícil de conciliar, maternidade, política, tarefas de casa, responsabilidades familiares e um doutorado. Porque sou estudante do programa de pós graduação em Política Social. Na verdade sou finalista, já estou na reta final do meu doutorado. Está sendo ainda mais desafiador tentar concluir uma tese no meio desse processo, mas tenho um compromisso enorme que eu assumi com o programa, com colegas, professores. Então eu vou concluir e essa tese vai sair, não sabemos quando, mas vai sair. Tenho me esforçado nos poucos tempos livres, estudando muito à noite, virando noite.
É importante dizer que há uma parceria enorme do meu companheiro, com o pessoal que atua no mandato, na militância política, no sentido de revezar tarefas, de algumas coisas outras pessoas irem tocando. A gente tem essa perspectiva de construção de um mandato coletivo. Então tenho total confiança nas pessoas que estão na nossa assessoria hoje, todas elas dão conta de tarefas, sabem muito mais do que eu, vão lá tocam, e a gente tem tentado fazer esse movimento também.
Entrando já nessa questão do mandato, é inevitável falar que você e a vereadora Karla Coser, do PT, têm sofrido uma série de ataques e agressões dentro da Câmara desde que assumiram, em janeiro de 2021. Você já esperava esse tipo de atitude? E se mesmo já esperando, é diferente quando acontece? Como você tem se preparado, o que tem sentido quando acontece esse tipo de ataque, e a que você atribui?
Eu já esperava, porque a gente já vem acompanhando o que outras parlamentares mulheres negras vêm enfrentando em outros estados, como a Talíria Petrone [RJ], deputada federal do Psol. Principalmente pelo perfil que foi eleito aqui em Vitória, a gente já imaginava que nós teríamos muito enfrentamento.
Mas, sem dúvidas, vivenciar isso é muito duro. Nós não estamos preparadas para essas questões não, sabe? Porque a gente vive em um espaço que, embora seja de debate de ideias, de divergências, o que é típico de um parlamento, há um regimento, uma legislação que vai estabelecer condutas éticas, decoro parlamentar. E embora com muitas diferenças com todos vereadores praticamente, eu sempre prezei pelo respeito. Divirjo, mas com respeito.
Então vem sendo muito duro porque, além de ser sistemático, não temos o repúdio dos demais vereadores da Casa. Uma coisa é ter um vereador com determinada postura e ele não contar com o apoio dos demais que entendem que há, sim, naquele espaço, a necessidade de ter ali um determinado tipo de comportamento. Mas não está tudo bem. Tanto que nós fizemos uma representação na Corregedoria da Câmara por quebra de decoro [contra o vereador Gilvan da Federal, do Patriota], e essa denúncia sequer foi aceita. Isso para nós explicita que na Câmara de Vitória está permitido xingar uma vereadora, dizer que ela não tem moral, que ela não se dá ao respeito, chamar de canalha e de covarde, do que eu e a vereadora Karla já fomos adjetivadas em sessão da Câmara. Então é uma autorização para que essas condutas aconteçam.
Por que elas vêm acontecendo e vem acontecendo com muita frequência? A gente tem falado muito de violência política de gênero. A violência política sempre existiu no Brasil e sempre teve a marca de gênero como algo muito forte. Mas vem ganhando novos contornos nos últimos tempos com o crescimento desses grupos fascistas, racistas, LGBTfóbicos, enfim. Na medida em que esses grupos vão crescendo, também vão proferindo mais ataques. E a violência política tem um objetivo: nos silenciar, nos intimidar, ou até nos excluir, como foi o caso da Marielle [Franco], executada num crime em que a gente ainda não sabe quem mandou.
A violência política quer nos intimidar, fazer com que eu tenha medo, por exemplo, de ir para a Câmara falar o que eu penso, de defender minhas ideias. Que eu tenha medo de circular pela cidade, de levar determinados projetos de lei, de me posicionar contra os ataques aos direitos. Então a violência política tem esse objetivo e temos muita clareza disso. A gente vem enfrentando ela desde o dia em que tomamos posse. E temos enfrentado com muito apoio dos movimentos. Isso nos dá uma grandeza, no sentido de que seguiremos e de que não estamos sozinhas, que tem muita gente com a gente. Isso nos fortalece muito.
Agora falando da política de Vitória, geralmente a Câmara se move muito de acordo com o prefeito, com os acordos que são travados. Você inclusive apoiou o João Coser, do PT, no segundo turno, então já era oposição ao Lorenzo Pazolini, do Republicanos, até mesmo antes dele ser eleito. Aí ele saiu vencedor já com conjuntura favorável na Câmara e ainda conseguiu ampliar. Como avalia esses primeiros meses do Pazolini à frente da prefeitura e o que pensa da sua atuação nessa conjuntura bastante desfavorável na Câmara como oposição?
Hoje a administração do Pazolini conta com uma base de apoio considerável na Câmara Municipal. Temos apenas dois mandatos de oposição na cidade, que é o meu e o da vereadora Karla, das duas mulheres, que não por acaso vêm sofrendo agressões. Porque além de sermos mulheres, nós somos mulheres com posicionamento político de oposição.
Então os ataques a nós têm esse duplo caráter. Por isso são tão violentos. Temos os únicos dois mandatos declaradamente de oposição, enquanto há um conjunto de projetos que tramitam na Câmara e que contam com total apoio da ampla maioria dos vereadores. Uma demonstração foi a aprovação da reforma da Previdência Municipal.
Esse foi um tema delicadíssimo, porque foi aprovado no início da legislatura, em 4 de janeiro, em sessão extraordinária, em que os vereadores estavam chegando ainda. O início do trabalho legislativo seria em fevereiro e foi antecipado de uma maneira muito violenta.
Nós argumentávamos muito na época, eu e a vereadora Karla, que a gente queria tempo para ler o projeto, que reforma da Previdência é um tema sério, que mexe com direitos adquiridos, com direitos de trabalhadores e aposentados, que mexe com a vida das pessoas, que estamos em um contexto pandêmico. A gente tentou usar todos os argumentos, que não queríamos votar esse projeto, porque a gente precisava ler. O projeto foi aprovado “a toque de caixa”, que foi a expressão que eu utilizei na época.
O projeto chegou às 17h15 da tarde na Câmara e foi aprovado às 17h30, em 15 minutos. Ninguém nem leu concretamente, com atenção aos detalhes. E os impactos estão aí: temos aposentados com descontos abusivos, que estão impossibilitados, por exemplo, de comprar medicamentos, outros para pagar o plano de saúde. Enfim, um processo duríssimo para todos trabalhadores, em especial para os aposentados.
Essa configuração da Câmara hoje possibilita à administração do Pazolini aprovar projetos com muita tranquilidade. Teve o exemplo da reforma da Previdência, mas a gente poderia falar dos projetos de reversão de fundos como, por exemplo, do fundo da habitação, do meio ambiente, para o Tesouro Municipal, que também chegou à Câmara em um regime de urgência e foi aprovado.
A minha crítica não é nem sobre aprovar projetos em regime de urgência, porque, sim, há temas que são urgentes. Por exemplo, o auxílio emergencial municipal. O projeto chegou na Câmara e falamos: “vamos aprovar em regime de urgência”. Mas é preciso pensar o que são essas urgências. Hoje todos projetos do executivo são aprovados tranquilamente por essa configuração.
Há uma confiança de ampla maioria de vereadores no prefeito. Confiança essa que nós não temos. Não porque eu tenha um problema pessoal com o Lorenzo Pazolini, na verdade eu nem o conheço do ponto de vista pessoal. Mas porque tenho diferenças políticas e programáticas, que se expressaram inclusive na época da eleição.
Eu li detalhadamente na época o programa do Pazolini e tinha diferenças em muitas áreas. Não estou dizendo que o fato de eu ter diferenças significa que o prefeito não vá fazer alguma medida positiva para a cidade, obviamente a gente espera que sim.
Mas eu penso que esses primeiros meses de administração, um pouco mais de seis meses, são marcados por uma gestão que não prioriza, por exemplo, algumas áreas como mulheres, população negra, população LGBT, que não tem uma política de enfrentamento da pandemia de maneira consistente, pensando por exemplo a assistência social e outras áreas. Vitória tem comemorado muito o fato de ser a que mais vacina, o que é excelente e é uma vitória, mas isso se dá porque nós temos aqui na nossa cidade uma rede de saúde muito bem estruturada, o que possibilita esses números. É excelente que estejamos vacinando, mas precisamos de mais.
Nosso mandato tem utilizado nossos instrumentos jurídicos e políticos exatamente para sinalizar que mais é esse e qual o direcionamento das políticas públicas nesse momento da pandemia. Nós já queremos a ampliação do auxílio emergencial. Foram duas parcelas, já cobramos do executivo que tenha no mínimo mais duas parcelas. Então a gente tem tensionado a partir dos nossos instrumentos jurídicos e políticos.
O que acha que se pode esperar dos próximos anos desse mandato do Pazolini? O que tem observado, sentido, ouvido sobre o que vem por aí?
A política é engraçada, as coisas mudam de uma maneira muito rápida. Inclusive as pessoas ficam querendo fazer esses cenários e projeções para 2022, mas até 2022 tem muita água para rolar debaixo dessa ponte.
A política tem uma movimentação muito dinâmica. Falei que o prefeito contaria com ampla maioria na Câmara, mas a gente não sabe até quando essa ampla maioria permanece, porque tem a ver com essa coisa da política mesmo, com essas movimentações.
Na nossa avaliação, tem muitas preocupações, posso explicitar algumas. Por exemplo, na área da cultura, sobre quais serão as prioridades, se teremos investimentos. Também o que nós teremos na área da segurança. Temos preocupações no sentido de pensar qual perfil da Guarda Municipal, qual direcionamento das ações de segurança pública da nossa cidade, se teremos valorização para a categoria Guarda Municipal.
Outro tema complicado está na área da população em situação de rua. Já fizemos denúncia em plenário sobre o tratamento dado a essa população na nossa cidade. Nós achamos que falta investimentos da prefeitura nesse sentido, falta estabelecer essa política como uma política importante, entendida a partir da lógica dos direitos humanos, e não da violação dos direitos humanos dessa população.
Na área de saúde temos uma preocupação especial com nossos equipamentos públicos. Vitória tem uma ampla rede de unidades básicas, pronto atendimentos, e não queremos retroceder. Precisamos avançar, a gente tem a ausência de vários profissionais nessas unidades básicas como psicólogos, assistentes sociais, e queremos que esses profissionais sejam convocados.
Vale ressaltar que eu estou me referindo a algo não só dessa gestão, são temas que já estão colocados na cidade há alguma tempo. Então há também uma implicação das outras gestões municipais, estou falando da área da saúde, mas não é algo que está posto agora, já existia. A gente tem preocupação com uma possibilidade que está colocada, se aventa muito sobre isso, que é uma privatização de equipamentos na área da saúde
Tem algumas preocupações ainda que têm a ver com o direcionamento político. Lorenzo Pazolini gosta muito do discurso da contenção das despesas, da austeridade, mas eu acho que tem uma lógica equivocada aí, que é de achar que o poder público é uma empresa.
O poder público precisa garantir direitos. Tem que ter compromisso com as contas públicas, ninguém está negando isso, mas austeridade a qualquer custo nós não defendemos. Estamos falando da Capital, a cidade mais rica do nosso Estado, que tem mais recursos. Às vezes, parece que Vitória está quebrada. Na nossa avaliação, isso não procede. Então esse discurso da austeridade nós não compramos, a gente quer garantir direitos. Para isso a gente precisa de uma prefeitura com servidores públicos efetivos, bem remunerados, valorizados, para que consiga ter serviços de referência.
É um desafio, porque acho que vale ressaltar, que eu sou oposição ao prefeito municipal. Com meus colegas da Câmara tenho muito respeito no dia a dia do exercício parlamentar. A gente tem muitas diferenças, elas se explicitam nos debates, por exemplo, mas eu explicito todas elas sempre respeitando muito a trajetória deles e o trabalho que eles desenvolvem. Eles têm um respeito com o meu também e a gente vai tentando, por exemplo, levar propostas no nosso mandato a partir do diálogo com os colegas.
A gente tem uma assessoria muito comprometida no sentido de buscar proposições que são relevantes de fato. E vai tentando dialogar essa proposições com os colegas, buscando sensibilizá-los, e é sempre um desafio. Mas o legislativo é isso, esse desafio do diálogo que a gente precisa tentar exercer. Não sei como vai ser dar, vamos ver como vai ser.
Uma das coisas que a gente sempre vem pensando é, que acima de tudo, nossos instrumentos jurídicos e políticos estão colocados a serviço dos movimentos. Quando nosso mandato apresenta uma proposição na Câmara, a ideia é que não seja só do mandato, que tenha por trás segmentos da sociedade também, que tenha apoio. A gente tem tentado fazer esse movimento.
Você mencionou a concepção de mandato coletivo. Como tem pensado a participação política desses movimentos junto ao mandato?
Essa foi uma das nossas propostas de campanha. Um dos nossos compromissos era essa ideia de construir atividade parlamentar coletiva mesmo. E para dar consequência a essa concepção, tentamos estruturar e ainda estamos construindo três eixos, três instrumentos fundamentais.
O primeiro é um conselho político, que é um espaço em que convidamos várias pessoas de diferentes espaços para estarem com a gente num processo de acompanhamento mais cotidiano do mandato, tanto no sentido de dar opiniões e enviar sugestões, como de servir também como uma assessoria para determinados temas e discussões.
A outra instância que a gente tem começado é o Pluraleis, que é o laboratório de leis do nosso mandato. A partir da nossa assessoria técnica e jurídica, temos um cronograma de debates. A ideia é que a gente faça reuniões praticamente mensais, a partir de eixos. Nesses eixos, a gente chama movimentos, pesquisadores, pessoas que atuam, e dali vai construindo projetos de lei ou proposições diversas.
E o outro é a ideia do mandato na rua. Esse eixo está sendo mais prejudicado por dois aspectos principais. O primeiro é a pandemia e o segundo tem a ver com o processo de que eu estou terminando o doutorado. A ideia do mandato na rua é estar em vários locais, comunidades, feiras, atividades diversas, rodar mesmo a cidade prestando contas, ouvindo a população. Eu cheguei a fazer em duas feiras de Vitória, em Bairro República e Jardim Camburi. Fomos com panfletos de prestação de contas, conversando: “estamos aqui para prestar conta, não basta pedir voto, tem que vir depois conversar com as pessoas”. A gente fez isso e logo depois Vitória entrou na faixa de classificação vermelha. Aí a gente acabou suspendendo um pouco, mas a ideia é nesse segundo semestre retomar esse eixo como um dos principais, colocar esse mandato de fato na rua.
Para fechar o tema Vitória, tem uma questão curiosa, muito pouco comentada. Mas pela Constituição Federal, Vitória poderia ter até 21 vereadores e hoje tem 15. A proposição de um vereador na legislatura passada foi de reduzir para 9, numa cidade como Vitória com quase 400 mil habitantes. Isso enquadra muito no discurso da antipolítica, da austeridade, de cortar custos, mas a gente sabe que a democracia tem seu custo. Você considera que Vitória está de alguma maneira subrepresentada? Ali os partidos, os movimentos, os bairros, poderiam ter mais representantes legislativos? Acha que seria viável aumentar o número de vereadores?
Acho que deveria. Penso que a gente está defasado e que é fundamental que a Câmara seja mais diversa, e mais diversidade seria conseguir hoje equalizar, vou usar essa expressão, não sei se é a melhor, mas equalizar o número populacional com a representatividade na Câmara. Entendo que não temos que reduzir prerrogativa parlamentar, temos que reduzir prerrogativa de executivo, porque se dependesse de prefeitos de maneira geral, não existiria câmara municipal não, porque prefeito certamente gostaria de comandar uma cidade sem passar pelo crivo da fiscalização, da autorização, da consulta ao legislativo.
É interessante, porque se a gente pensa o processo histórico, é exatamente o contrário: o executivo vem depois do legislativo. Essa ideia de prefeito é posterior, a lógica era ter um espaço colegiado, coletivo, no processo de gestão da cidade, e não o contrário. Então eu penso que Vitória deveria sim ter 21 vereadores, conforme a previsão populacional. Não ter esse número faz com que a gente tenha menor representatividade nesse espaço hoje.
É obvio que isso significa custos, como a gente está falando aqui, mas custos esses que são importantes para a democracia. É óbvio que com isso não estou idealizando os formatos das câmaras municipais, sei que são espaços contraditórios, no sentido de que você tem problemas também.
Na verdade, na minha avaliação, o problema está situado no nosso próprio sistema político de maneira geral, um sistema político que reproduz desigualdades. Tanto que a gente tem duas mulheres de 15 vereadores, isso é um sintoma bastante expressivo do que é nosso sistema político. Mas eu não acho que a gente resolve os problemas enxugando, eu acho que se amplia os problemas assim. Porque aí você centraliza mais poder. Penso que nosso desafio é descentralizar mais o poder, garantir mais participação política nos debates e nas construções da cidade.
Falando um pouco sobre seu partido, o Psol, um partido relativamente pequeno no âmbito nacional, mas que tem tido crescimento significativo nos últimos anos, especialmente na Região Sudeste. No Espírito Santo, só em 2020, com sua eleição, que teve primeiro mandato eleito no Estado, embora valha ressaltar que Brice Bragato chegou a exercer mandato pelo Psol como deputada estadual, quando o partido foi fundado ela era deputada do PT e saiu para o Psol, então parte do mandato dela foi feito pelo Psol. Por que acredita que o Psol capixaba não tem a mesma expressão que em outros estados do Sudeste e até do Sul, Nordeste e Norte do país. E o que é preciso para avançar nesse sentido?
Vale dizer que é o primeiro mandato do Psol, mas o partido tem uma trajetória de inserção muito grande em movimentos, nas lutas políticas do nosso Estado. É difícil pensar uma luta que o Psol não participe de alguma maneira, porque é um partido que tem essa trajetória de inserção nos movimento e nas lutas sociais no nosso Estado.
Acho que a gente tem um desafio, que é crescer o partido não só do ponto de vista quantitativo, que significa ter mais filiados, mas ter filiações que cumpram o conteúdo programático esperado pelo partido. Não defendo que qualquer um se filie ao Psol, tem que ter acordo com o programa do partido, com as bandeiras que o partido defende. Então entendo que a gente precisa ampliar quantitativamente, mas mantendo a qualidade política
Para além disso, tem o desafio de estruturar melhor o funcionamento do nosso partido e acho que nossa vitória pode cumprir bastante esse papel. Tenho falado disso, como que nosso mandato deve servir para que a gente ganhe outros mandatos para o Psol. Em 2022, a gente tem eleições, quem sabe consegue conquistar algum outro mandato?
A gente precisa construir melhor a nossa estratégia eleitoral e também organizativa. No sentido de ser um partido que tenha mais diretórios municipais, que consiga eleger vereadores. Lembrando que não é porque eu acredito que a política institucional tem que resumir nossas ações, eu não acho isso, mas o mandato, para nós, cumpre um papel importante, e a gente está vendo isso agora em Vitória, como que o mandato do Psol faz diferença, como que o mandato do Psol é importante para os movimentos, para os setores organizados, para a luta política. Todos os movimentos na nossa cidade hoje que reivindicam por direitos, setores que são ameaçados, têm em nosso mandato uma referência.
Então precisamos ampliar essa representatividade para outras cidades também. Eu penso que esse é um desafio interno do Psol, avançar do ponto de vista organizativo e construir melhor as estratégias de intervenção político-eleitoral. Isso não significa abrir mão dos princípios, vejam, não se trata disso. Se trata de planejar melhor, de construir mais antecipadamente, de pensar a composição das chapas proporcionais, fazer esse debate de uma maneira mais antecipada. A gente acaba muitas vezes fazendo debate da eleição só na véspera, porque estamos tocando tantas coisas, tantas lutas, é um partido de trabalhadores e a gente está inserido em entidades, em movimentos, as pessoas estão focadas em suas lutas. Aí quando chega o ano da eleição a gente fala: “quem a gente vai lançar candidato?”. Precisa tentar construir um planejamento prévio.
Como você disse, até 2022 tem muita água para rolar ainda, mas já estão acontecendo articulações nos bastidores. O que você pensa sobre o governo do Estado? O Psol tem lançado candidatura própria. Você acha que esse deve ser o caminho ou acha possível uma composição, já que se abriu com a possibilidade do senador Fabiano Contarato ir para o PT e ser candidato ao governo com uma candidata de esquerda em oposição a Casagrande. Acha possível construir uma frente viável nesse sentido?
É, ainda tem muita água para rolar. Os partidos tradicionais nunca param de discutir eleição. Estão sempre discutindo, porque vivem disso, saem de uma eleição e já estão projetando a outra e, aliás, a gente vê isso aqui na nossa cidade, os debates e disputas são em torno de 2022 já.
Acho que o Psol tem nacionalmente um desafio enorme, precisa fazer um processo de discussão. Temos nitidez de que a conjuntura política de 2022 não será igual à conjuntura política de outros momentos. Vivenciamos um momento muito difícil da nossa história, o que requer de todos nós forças políticas de esquerda, comprometidas com direitos, uma análise descarnada do momento que a gente vive. Uma análise séria para a gente poder construir de fato uma alternativa viável também, mas que seja programaticamente coerente.
Eu nacionalmente sou defensora de que o Psol tem que ter candidatura própria. Tem que lançar esse debate, não pode esperar 2022 para pensar o que vai fazer. Acho que já deveríamos estar fazendo esse debate. Candidatura própria significa atacar as que já estão aí? Não, não significa isso. Significa o contrário, a gente disputar na sociedade um conjunto de debates, porque o debate eleitoral cumpre também esse papel na sociedade.
Penso que Psol precisa entrar nessa discussão. É óbvio que esperamos derrotar Bolsonaro antes de 2022, eu acredito nisso, que é possível, acho que só a luta garante isso, o impeachment de Bolsonaro é nas ruas que a gente consegue. Então penso que é possível, mas não sendo possível, temos que ter como tarefa na próxima eleição a derrota de Bolsonaro. Aí a construção no Psol tem que se dar considerando isso.
Estadualmente, o cenário é também muito complexo, porque temos um conjunto de elementos que não estão colocados. Quem serão os candidatos que vão disputar? Isso não está colocado ainda. Por exemplo: nós teremos candidato do Republicanos? Casagrande é candidato à reeleição. Mas o Contarato vai estar no PT? Esse debate não está encerrado e está só começando. Por ora, defendo que o Psol tenha candidatura própria, sim, e acho pouco provável que a gente deva aqui abrir mão dessa candidatura.
Eleição no Brasil são dois turnos, pelo menos até agora é isso que está colocado. Não há por enquanto nenhuma sinalização que a gente vença no primeiro turno. E na minha avaliação, não apresentar um programa radical de esquerda é se abster de apresentar essa alternativa programática para os trabalhadores e trabalhadoras. A gente pode perfeitamente apresentar uma candidatura de esquerda radical que toque em temas importantes nacionalmente localmente e, no segundo turno, fazer um apoio sim e se somar, assim como fiz em Vitória na eleição entre João Coser e Pazolini, se somar contra candidatos bolsonaristas.
E você, Camila Valadão, uma candidatura novamente para deputada estadual seria o caminho natural? Você é o maior quadro eleitoral do partido.
Se fala na Câmara: “já está eleita”. Mas a gente sabe que não é assim, que eleição é algo duríssimo. E eleição para estadual estamos falando de um número grande de votos. Espero que nosso partido tenha condições de lançar uma chapa que tenha capacidade de disputar uma cadeira no legislativo estadual. Que a gente faça as contas, que pense na composição dessa chapa. O meu nome está à disposição do partido para contribuir naquela trincheira que for melhor. Acho que se meu nome estiver na chapa proporcional, talvez a gente possa aumentar ainda mais essas possibilidades. Mas isso também ainda não está dado.
Eu ouço às vezes de eleitores de Vitória: “Não saia não, a gente precisa tanto de você na Câmara de Vitória”. E eu falo: “Olha, eu só vou fazer esse debate para deputada em diálogo com as pessoas também”. Então pretendo conversar com as pessoas em torno disso. E eu tenho confiança, porque quem está como meu suplente em Vitória é o André Moreira, advogado, militante dos direitos humanos, pessoa seríssima na qual eu tenho confiança.
Então eu tenho certeza que se eu tiver que ir para a Assembleia, o Psol estará muito bem representado na Câmara de Vitória pelo meu suplente. Mas esse voo vai exigir de nós muito trabalho político. Eu estou à disposição do partido para contribuir. Eu tenho certeza que faz falta um mandato do Psol na Assembleia Legislativa, embora a gente tenha parlamentar de luta lá, tem parlamentar séria, comprometida, mas sem dúvida a gente precisa ter outras também.
Eu acho que o desafio é conseguir consolidar uma chapa que tenha peso em cidades do interior. Tivemos muitos candidatos a vereadores e vereadoras, acho que podem cumprir um papel nessa chapa. E esses sujeitos políticos que ainda não se lançaram, penso que têm que se lançar. Lideranças em movimentos, em várias categorias, devem entrar para a gente engrossar esse caldo da legenda.
Tá em discussão no Congresso, como em todos os anos pré-eleitorais, um conjunto de mudanças. A gente ainda não sabe como serão essas mudanças, se volta no formato antigo para cláusula de barreira, se mantém como está, tem a discussão do Distritão que está colocada. Tudo isso também vai condicionar como será a disputa em 2022. Essas mudanças impactam diretamente em qual a tática eleitoral que a gente vai ter que apresentar para conseguir chegar à Assembleia Legislativa.
Para finalizar, quero abrir para sua análise a atual conjuntura do país e os rumos que acredita que o Brasil precisa tomar para sair dessa crise tão profunda que a gente passa. Você tem participado inclusive das manifestações que têm acontecido nas ruas nos últimos meses. Como enxerga esse cenário? Ainda é possível sonhar? Como a gente tem que atuar nesse sentido?
Precisamos sonhar, devemos. Porque é sonhando que a gente vai construindo o possível, vai traçando nosso caminho para o possível. Nós vivemos um momento de tragédia. Já sabíamos que a vitória de Jair Bolsonaro em 2018 representaria muitos retrocessos. A gente ficou 2019 inteiro com cada dia um sofrimento novo, tomando porrada atrás de porrada.
E esse momento da pandemia é duríssimo. Um momento de muita dor e de muita preocupação, muitos medos e angústias. A gente tem constatado isso no nosso dia a dia atuando como parlamentar, quanto sofrimento. Então eu penso que o projeto político genocida que a gente já denunciava lá atrás vem se materializando dia após dia. Mais de 500 mil mortes no nosso país e um presidente que tentou boicotar a vacina, as medidas restritivas, que fala contra o uso de máscara, ou seja, a morte é um projeto nesse país.
Ao lado disso, a gente vivencia um processo de retirada de direitos extremamente brutal, reforma da Previdência, veio se acumulando um conjunto de retiradas nas diferentes áreas, direitos que a gente já tinha conquistado, temas que a gente já tinha avançado, e a gente está precisando dizer o óbvio nesses tempos.
Penso que o momento é muito duro, que exige de nós cada vez mais capacidade de se indignar e se rebelar. Eu tenho dito que eles nos querem anestesiados. Parece que querem retirar de nós até nossa capacidade de se indignar e se revoltar. Acho que a gente tem um combustível com base nessa indignação, nessa revolta, para construção do novo, para pavimentar uma outra alternativa possível no nosso país
Os processos de mobilização nas ruas têm nos dito que o descontentamento é enorme e muita gente não está na rua por medo, porque não está vacinado, mas na hora que estiver vacinado vai para a rua. Para mim a derrota de Jair Bolsonaro já está colocada, porque não é possível a gente entrar num estágio de letargia em relação a tudo isso que vem acontecendo. O projeto é terminar de entregar as nossas riquezas, a nossa soberania, o nosso solo, a nossa cultura, tudo aquilo que a gente lutou tanto para poder preservar.