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​Privatização da Codesa não trará ganhos ao Estado, afirmam especialistas

Mudança na gestão portuária não atrairá investimentos e prejudicará trabalhadores e empresas 

Não será benéfica à economia do Espírito Santo, segundo especialistas, a privatização dos portos de Vitória e Barra do Riacho, e da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), que começou a tomar forma no último dia 23, com a abertura da sala para recebimento de propostas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Em entrevista a Século Diário, eles apontam equívocos geradores de prejuízos a empresas e aos trabalhadores e condenam a omissão da classe política na questão, ressaltando dificuldades para atrair investimentos no setor.

Adotam posicionamento contrário ao governo federal, que justifica a medida, anunciada em 2017, com o “objetivo de modernizar a gestão portuária, atrair investimentos e melhorar a operação do setor, estando aderente à política setorial e às diretrizes do governo federal de busca por investimentos em infraestrutura por meio de parcerias com o setor privado”.

“Considero que o Espírito Santo mais uma vez sairá prejudicado. O governo federal está usando a Codesa e o Estado como ‘cobaias’. Ocorre, de novo, o mesmo que aconteceu na privatização da Escelsa, que foi a primeira distribuidora de energia a ser privatizada”, pontua Guilherme Lacerda, doutor em Economia, que identifica fragilidades no modelo proposto.

“A proposta de alienação das ações apenas levará em conta a melhor oferta, ou seja, a maior outorga a ser paga para assumir o controle acionário da empresa. Quem vai ganhar com essa alternativa é exclusivamente o governo federal, que receberá um recurso financeiro adicional para o caixa”, diz, e lança um desafio: “O discurso de que haverá um número muito grande de investimentos [e de empregos] com a privatização é falso, uma grande ‘fake news’ e convido a quem discorde de demonstrar o contrário, com argumentos sólidos, econômicos, e não com meros desejos”.
Ele critica a passividade do governo estadual e da classe política diante do que está sendo proposto e que “é prejudicial ao Espírito Santo”. O debate, para Lacerda, deveria ser ampliado para envolver a sociedade capixaba. “Estão muito enganados aqueles que acham que tem de privatizar a qualquer custo. Essa é uma visão estreita que, infelizmente, tem predominado no país”, reforçou.
“Aquele que se dispõe a questionar é logo criticado. Não se debate a questão em si e o que deve ser melhor para nosso Estado. Equivocam-se aqueles que acham que essa crítica é oriunda de postura ideológica”, aponta.
O economista afirma ainda que, “apenas os trabalhadores do setor têm chamado a atenção para o problema. Mas quem mais corre riscos nem são eles. Os operadores de terminais passarão a ser apenas clientes da empresa controladora do Porto e, evidentemente, o jogo será estabelecido em função do que é melhor para gerar mais dividendos financeiros no curto e médio prazo”.
Da mesma opinião, Eduardo Guterra, presidente da Federação Nacional dos Portuários (FNP) e membro da executiva da Central Única dos Trabalhadores (CUT), afirma que “essa política de privatização vai esvaziar a política portuária no Espírito Santo e beneficiar o Porto Açu, no Rio de Janeiro, e a bancada capixaba está conivente com essa situação”.
Ele ressalta que a Codesa é autossustentável, não recebe recursos para bancar a folha salarial e detém a Autoridade Portuária, um poder público federal, incluído no texto constitucional, que garante poder de polícia à gestão dos portos, impossibilitando essa condição a uma empresa administradora. E cita uma análise elaborada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócioeconômicos (Dieese), segundo a qual “os portos públicos brasileiros – e toda a complexa estrutura que os coloca em funcionamento – sofrem, neste momento, uma intensificação dos ataques liberais privatistas”.
A análise aponta que o modelo de exploração dos portos possui uma Autoridade Portuária, geralmente municipal ou estadual, que tem o papel de fiscalizar e regular a atividade. É o modelo que vigora nos portos da Europa. Nesse modelo os investimentos em infraestrutura portuária, administração do porto e propriedade da terra e dos ativos são públicos, enquanto os investimentos em superestrutura e em equipamentos, assim como a operação portuária, são privados.
O presidente da FNP destaca uma situação desfavorável para a classe trabalhadora e afirma que a privatização irá, também, excluir os pequenos e médios operadores portuários e gerar aumento de tarifas. Para Guterra, o modelo mais eficiente, de acordo com especialistas em gestão portuária, é o Landlord Port, da forma como é colocado pelo Dieese. “(…) A concessão ao setor privado ocorre somente nas atividades de administração do condomínio portuário e na zeladoria. As demais funções, como regulação, fiscalização e planejamento portuário, permanecem com o setor público”.
Guilherme Lacerda, por sua vez, afirma: “O modelo proposto é o de alienação das ações pertencentes ao governo federal da companhia que tem a prerrogativa de ser a Autoridade Portuária. O modelo proposto não é utilizado em nenhum dos portos modernos e eficientes do mundo. O único caso que tem semelhança é o que foi feito na Austrália e não há qualquer informação de que a alteração feita foi a motivadora de maior eficiência e venha a ser um exemplo de sucesso”.
Ao ressaltar a importância da Codesa na história do desenvolvimento econômico do Espírito Santo, Guilherme Lacerda enfatiza: “Quem vai ganhar com essa alternativa é exclusivamente o governo federal, que receberá um recurso financeiro adicional para o caixa do tesouro nacional. Não há compromisso de se apresentar um programa de investimentos. Há apenas restrições para se ter uma gestão que atenda às prerrogativas regulatórias. Mas, como está proposto, toda a programação estratégica e as ações regulatórias serão exclusivamente tratadas entre a empresa privada e a agência federal de regulação, a Antaq”.
“Essa alternativa, a meu ver, é um escândalo”, afirma, apontando que “na prática, haverá a transferência de um ativo localizado no Estado para simplesmente fazer caixa no orçamento público federal”, diz. O economista acrescenta: “Esse modelo, como se a Codesa fosse um shopping center e os operadores os lojistas, é uma insensatez, se olhamos para o desenvolvimento do Estado”.
Lacerda lembra que “ainda há tempo para as autoridades estaduais questionarem o processo, mas a cada dia esse tempo fica menor. É também muito lamentável fazer uma privatização, a toque de caixa, como está sendo feito; querem testar para usarem o mesmo modelo para outros portos, no caso, o de Santos”.
Ele sugere a busca de alternativas para agilizar investimentos no setor portuário e entende ser “preciso superar o estágio atual de dificuldades burocráticas para uma contratação de serviços de dragagem e derrocagem [retirada de rochas] do canal ou de obras para ampliar e melhorar as vias de acesso e as retroáreas. Mas a alienação das ações não é a única e nem a melhor alternativa para destravar investimentos”. 
E destaca: “Aqueles que defendem a privatização como está proposta, sempre se referem a ‘cabide de empregos’ e a eventuais irregularidades por relações políticas. Essas são colocações impróprias. É claro que devem ser aprofundadas as medidas de transparência e eficiência para se ter uma governança moderna. Mas não tem cabimento ‘jogar o bebê junto com a água’, como se diz nesses casos”.

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