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Médica denuncia serviço de saúde indígena no Estado: ‘não é humano’

Alda Regina relatou na Assembleia Legislativa cenário precário no atendimento às aldeias de Aracruz 

Ana Salles/Ales

Uma médica que atua na aldeia de Caieiras Velha, em Aracruz, norte do Estado, descreve um cenário precário no atendimento de Saúde aos indígenas do Espírito Santo. Os problemas vão desde falta de insumo à escassez de Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s). “Não é ético, não é humano”, ressalta.

Juntamente com lideranças Tupinikim e Guarani, ela defende o desmembramento do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) de Governador Valadares (MG) e pede uma gerência dentro do próprio Estado.

Alda atua nessa área desde setembro de 2020. Desde então, conta que tem observado uma série de precariedades no atendimento da população indígena local. “Aqui nós temos falta de tudo. Não temos um aparelho de aferir pressão, a gente tem que trazer. Não temos uma sala digna para separar o que é a síndrome respiratória. É tudo junto e misturado”, relata.

A profissional também denuncia a falta de materiais para os médicos. “É uma assistência de qualquer jeito. Os EPIs, normalmente, são todos doados. Desde que eu cheguei aqui, não vi mandando nada para gente”, destaca a médica que, só em junho, atendeu mais de 360 indígenas.

Alda, que também já foi subsecretária de Saúde em Aracruz, entre 1993 e 1996, afirma que o cenário atual é de completa desorganização. “Não há condições de trabalho. O Dsei mal manda para gente uma pia. Tem que comprar uma torneira, como eu já comprei. A própria dentista, ela que faz toda a manutenção estrutural do consultório, com o dinheiro dela”, destaca.

Para a profissional, um dos principais problemas é a centralização da gerência de Saúde Indígena no Dsei de Governador Valadares (MG), que atende tanto as aldeias de Minas Gerais quanto do Espírito Santo. “Eles vêm aqui duas, três vezes por ano. A gente não tem um técnico de segurança nosso para avaliar as condições de trabalho”, prossegue.

Os Distritos Sanitários Especiais Indígena (Dsei’s) pertencem à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde. Ao todo, são 34 Dseis em todo o Brasil.

Alda afirma que, em reunião com lideranças indígenas, o pedido de separação é unânime. “É também um ponto de vista dos caciques do Estado, das aldeias e das lideranças. É um consenso deles, que deveria haver um desmembramento”, reforça.

Wellington Moura Pego é Tupinikim e presidente do Conselho Municipal de Saúde de Aracruz. Ele afirma que a dependência do Dsei de Minas Gerais faz com que a assistência chegue ao Espírito Santo de maneira desfalcada, com a dificuldade de compra de medicamentos e curativos, por exemplo. “Até mesmo de combustível, porque chega até um certo nível do mês, ele para. Não tem mais recurso para abastecer os carros”, descreve, se referindo aos veículos que fazem o transporte de indígenas para a sede de Aracruz e Vitória.

Ana Salles/Ales

A falta de recursos atinge ainda a estrutura das Unidades de Saúde Indígenas, que são subdivididas entre as aldeias. “O material odontológico também acaba, e tem que ficar emprestando, ou fazendo barganha com outras instituições. É complicado”, diz Wellington.

Paulo Tupinikim, coordenador geral da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), reitera a falta de assistência provocada pela ligação ao distrito de Minas Gerais.

“Nós não sabemos nem qual é o valor de recurso que é destinado aqui pro Espírito Santo e, com isso, vem a falta de insumo, de medicamento, as unidades de saúde todas precárias, falta de mobiliário para as unidades”, enumera. Ele também defende a criação de um distrito sanitário local. “Mas isso depende muito de força política, né?”, questiona.

Tati Beling/Ales

Alda informa que cinco médicos atendem os povos indígenas de Aracruz. Além dela, em Caieiras Velha, há um profissional em Boa Esperança, Pau Brasil, Irajá e Comboios.

“Todas aldeias têm as mesmas situações, os mesmos dilemas, as mesmas precariedades e as mesmas deficiências em relação à assistência e à humanização na saúde indígena […] A ‘melhorzinha’ que tem é a Irajá, porque foi reformada pela própria associação indígena do Irajá”, aponta.

Denúncias à Assembleia

Na última terça-feira (29), Alda e Wellington participaram de uma reunião virtual com a Comissão de Saúde da Assembleia Legislativa, apresentando os problemas para os parlamentares. “Eu fiz esse apelo, que não deixassem ficar só no papel, mas que também tomasse uma atitude real”, pontua Alda.

O deputado e presidente da comissão, Doutor Hércules (MDB), sugeriu que uma audiência seja realizada com a Secretaria de Estado da Saúde (Sesa), Ministério Público e membros dos conselhos estadual e municipal de Saúde. “Não tem sentido mais o Dsei não ser aqui no Espírito Santo. Isso é um absurdo”, criticou o parlamentar.

‘Não abro mão’

Alta relata ter passado por represálias administrativas após se posicionar a favor do desmembramento e acredita que pode ser demitida em breve. “É difícil você lutar contra um sistema, muito difícil (…) Mas eu não estou interessada se vão me mandar embora, eu não me importo com isso. Eu me importo com a boa qualidade, com a ética, com o bom atendimento, com a humanização da saúde e não abro mão de ser médica, não abro mão de gostar de gente, de me importar com gente. Não abro mão de lutar pela etnia indígena”, assevera.

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