Na tarde desta quarta-feira (17), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, recebeu em audiência parlamentares e lideranças indígenas para tratar do processo que envolve a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima.
Nessa terça-feira (16), o ministro recebeu os parlamentares da bancada ruralista, que queriam uma saída regimental para o andamento do processo antes mesmo da nomeação de um novo ministro.
O processo foi julgado em março de 2009 pelo plenário do STF e os embargos de declaração estão pendentes de análise. O relator da ação era o ministro Ayres Britto, que se aposentou em novembro do ano passado. Portanto, o processo aguarda a nomeação de um novo ministro pelo presidente Dilma Rousseff, que passará a ser o relator do caso.
Na audiência desta quarta, os deputados Padre Ton (PT-RO), Janete Pietá (PT-SP), Domingos Dutra (PT-MA), Janete Capiberibe (PSB-AP), Chico Alencar (PSOL-RJ) e Erica Kokay (PT-DF), que integram a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos Indígenas, e o senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), além de cinco lideranças indígenas representantes de cada região do País, vieram apresentar suas preocupações sobre o julgamento dos embargos de declaração.
A movimentação do grupo que defende os interesses indígenas ocorreu em resposta à tentativa da bancada ruralista de exercer pressão sobre o Supremo.
Os ruralistas alegaram que o não julgamento dos embargos tem trazido uma corrida de várias etnias que tentam ocupar regiões produtivas do Paraná, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e vários outros estados.
Parlamentares e indígenas que estiveram nesta quarta com Barbosa querem esclarecer se as 19 condicionantes impostas pelo Plenário do STF para a demarcação das terras valem para todo o País, como tem entendido o Poder Executivo, ou se vale apenas para a reserva indígena Raposa Serra do Sol. A regra prevista na Portaria 303 é questionada pelos indígenas.
A Portaria 303 proíbe a ampliação de áreas indígenas já demarcadas, permite a revisão desses processos e os ainda em curso, além de autorizar intervenções no território tradicional, sem consulta prévia.
Embora a decisão do STF não tenha efeito vinculante, nem tenha transitado em julgado, as novas regras estabelecidas pela AGU estendem para todos os processos de demarcação de terras indígenas as 19 condicionantes adotadas no reconhecimento de Raposa Serra do Sol. Entre as obras que poderão ser realizadas no território indígena pelo governo estão construção de rodovias, hidrelétricas, linhas de transmissão de energia e instalações militares dentro das aldeias.
Para não correrem riscos, os ruralistas querem, de imediato, que sejam freados os processos de novas demarcações. Outra demanda da bancada é transferir da Fundação Nacional do Índio (Funai) para o Ministério da Justiça a decisão sobre as terras indígenas.
Na última semana, o ministro José Eduardo Cardozo prometeu apresentar decreto nesse sentido aos parlamentares. Atualmente, a demarcação depende de laudo antropológico feito por técnicos da Funai e da manifestação dos envolvidos – estados, municípios, produtores e índios –, mas a palavra final está a cargo do Executivo.
Em movimentação paralela, a Comissão de Agricultura da Câmara aprovou a convocação da ministra da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, para debater a questão, e ainda a instalação de uma comissão especial que vai analisar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00. O projeto transfere do Executivo para o Congresso a atribuição de demarcar terras indígenas, permitindo a ratificação dos territórios já homologados, além de abrir precedente para a titulação de terras quilombolas e criação de unidades de conservação ambiental.
A manobra para aprovar a PEC 215 acabou gerando um protesto dos índios, que ocuparam as dependências da Câmara nessa terça-feira (16). Nesta quarta (17), o presidente da Câmara, Henrique Alves (PMDB/RN), recuou e anunciou a instalação de um gabinete de negociações com os índios para discutir questões relacionadas à demarcação de terras.
Henrique Alves também se comprometeu a não dar andamento, até o segundo semestre, aos trabalhos da comissão especial que vai analisar a PEC 215/00.
Mobilização
Para fazer frente às investidas da bancara ruralista, mais de 600 representantes dos povos indígenas do país participam do Abril Indígena, que teve início na última segunda (15) e termina nesta sexta (19), em Brasília. O encontro pretende reforçar para a sociedade os direitos indígenas fundamentais e historicamente conquistados que estão sob grave ameaça.
Para o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a criação da comissão especial sobre a PEC, é certamente um dos mais evidentes exemplos dessas propostas de retrocesso. “No nosso entendimento, uma potencial aprovação desta PEC significaria, em última instância, a inviabilização absoluta de toda e qualquer nova demarcação de Terra Indígena no Brasil”, afirma Cleber Buzatto, secretário executivo do Cimi.
Segundo a entidade, outras proposições que prejudicam os povos indígenas são o Projeto de Lei (PL) 1610/96, que aprova a exploração de recursos minerais em terras indígenas sem respeitar os direitos constitucionais e desconsidera as propostas históricas do movimento indígena; e a PEC 237/13, que permite a posse de terras indígenas por produtores rurais.
Já em relação às propostas do Poder Executivo, além da PEC 303, o Cimi enumera a publicação no último mês de março do Decreto 7.957/13, que criou o Gabinete Permanente de Gestão Integrada para a Proteção do Meio Ambiente, um instrumento estatal para a repressão militarizada de toda e qualquer ação de comunidades tradicionais e povos indígenas que se posicionem contra empreendimentos que impactem seus territórios. Outro exemplo é a Portaria Interministerial 419/11, que pretende agilizar os licenciamentos ambientais de empreendimentos de infraestrutura que atingem terras indígenas.
“Ao impor um modelo de 'desenvolvimento' baseado na produção, extração e exportação de commodities agrícolas e minerais e na implementação, a qualquer custo, de mega projetos de infraestrutura para viabilizar este modelo, o governo federal evidencia a opção de atender os interesses privados de uma minoria latifundiária e corporativa, historicamente privilegiada no Brasil, em vez do bem estar da maioria da população e dos povos que têm os seus modos de vida mais vinculados à natureza”.