O espaço será lançado em 23 de julho, com a presença da ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves. Edna recorda que, durante a gestão de Damares, tem acontecido uma desestruturação da política de enfrentamento à violência contra a mulher, inclusive do ponto de vista orçamentário. Um dos retrocessos é justamente no que diz respeito à Casa da Mulher Brasileira.
Segundo Edna, o projeto inicial, concebido no Governo Lula e colocado em prática na gestão de Dilma Rousseff, quando foi inaugurada a primeira Casa, em 2015, previa que o governo federal, por meio de convênio com o estadual, encaminhasse o recurso financeiro para custeio da Casa durante dois anos. Atualmente, a manutenção financeira é responsabilidade do município.
Ela questiona se a gestão municipal terá condições de custear, uma vez que a criação da Casa já havia sido discutida em 2019, e o então prefeito de Cariacica, Geraldo Luzia de Oliveira Júnior (Cidadania), o Juninho, argumentou, na ocasião, que o município não teria recursos.
Outra mudança feita no projeto da Casa da Mulher Brasileira a partir do Governo Bolsonaro (sem partido) foi na estrutura. De acordo com Edna, o projeto inicial previa uma estrutura padrão. Agora, são três tipos de casa. Entretanto, não há transparência por parte do Ministério de Damares sobre como é cada uma delas, nem qual será instalada em Cariacica.
Edna informa que, quando foi idealizada, a Casa da Mulher Brasileira foi concebida como um espaço único para congregar todos serviços de enfrentamento à violência contra a mulher, como delegacias especializadas, Ministério Público, Defensoria Pública, serviço de autonomia econômica e outros mecanismos para atendimentos multidisciplinares.
“Que tipo de Casa será essa? Tem perspectiva de integralidade total e humanizada? Vir aqui lançar pedra fundamental de algo que a gente nem sabe como vai funcionar, é preocupante”, questiona Edna, que aponta a necessidade de serviços como os de saúde e psicossocial, alojamento de passagem para as mulheres, e brinquedoteca para as crianças.
Criação de Comitê Gestor
O Fórum de Mulheres de Cariacica, segundo uma de suas integrantes, Penha Lopes, defende a criação de um comitê gestor com participação do poder público e da sociedade civil para fiscalizar o atendimento da Casa da Mulher Brasileira.
O grupo também quer acompanhar a implantação do espaço. “Os movimentos de mulheres já vêm na luta por esse serviço há muito tempo, por um espaço para organizar diversos atendimentos, mas entendemos que não adianta ter o espaço, sem a continuidade no atendimento”, aponta.
Assim como Edna, ela destaca que o projeto da Casa da Mulher Brasileira sofreu retrocessos a partir do Governo Bolsonaro, como a redução de atendimentos para diminuir custo, estando mais voltada para questões jurídicas.
De novo
“Que tipo de campanha de combate ao abuso e exploração da criança e do adolescente é essa? Foi convidada uma ministra que tentou impedir o acesso legal ao abortamento para uma criança que corria risco de morte”, criticou a entidade, referindo-se à menina de 11 anos estuprada pelo tio em São Mateus, norte do Estado, que teve que interromper a gravidez em Pernambuco em 2020, por ter esse direito negado no Espírito Santo.
O lançamento da campanha Maio Laranja 2021 foi realizado no viaduto Araceli Cabrera Crespo, em Jardim Camburi. Na mesma solenidade, houve a entrega da Comenda Araceli Cabrera Crespo para a ministra, a pedido do presidente da Câmara, Davi Esmael (PSD), aliado de Pazolini. A homenagem foi encarada pelo Movimento Mulheres em Luta (MML/ES) como “bastante demagógica”, uma vez que “o governo do qual Damares faz parte não tem cuidado nenhum com a infância”, sendo também, segundo o Movimento, um desrespeito à memória da menina Araceli, assassinada em 18 de maio de 1973, tendo seu corpo sido desfigurado por ácido, além de ter sofrido violência sexual.
A vereadora Camila Valadão (Psol) também se pronunciou sobre a homenagem a Damares. “Vitória, além de ser a cidade do assassinato de Araceli Cabrera Crespo, recebeu hoje [terça-feira, 18] o que tem de pior na política brasileira: Damares e Bia Kicis [deputada federal do PSL-DF apontada como incentivadora de um motim de policiais militares na Bahia, em março deste ano]. Araceli não merece isso! Nós não merecemos isso!”, disse Camila em suas redes sociais.
O mesmo fez a vereadora Karla Coser (PT): “Não acredito que Damares mereça essa Comenda que leva o nome e a história da Araceli, uma vez que nada faz pela luta contra o abuso de crianças e adolescentes, muito pelo contrário, só fica com seu discurso vazio de que a violência acabou e, pior, promove o desmonte do Ministério deixando de executar quase metade do orçamento! Os dados são de que o Disque 100 registrou mais de 6 mil denúncias de violência sexual contra crianças e adolescentes em 2021. Não basta só receber as denúncias, precisamos agir, precisamos de investimento do poder público”.
Homenagem na Assembleia Legislativa
Em maio de 2019, também por ocasião do Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, Damares Alves foi homenageada por Lorenzo Pazolini, quando ele era deputado, com a Ordem do Mérito Domingos Martins, no grau Grã-Cruz, a mais alta homenagem concedida pela Casa de Leis. Houve protestos do Fórum de Mulheres e outros movimentos, fazendo com que o então parlamentar afirmasse que os contrários à homenagem eram favoráveis à pedofilia. Além do movimento de mulheres, participaram dos protestos militantes e lideranças ligadas aos Direitos Humanos, direitos da população LGBTI+, dos indígenas e outras minorias.
Cariacica lidera ranking de mortes violentas de mulheres
Edna Martins destaca que Cariacica é uma cidade na qual mulheres vivem uma situação de vulnerabilidade social e econômica. “Sempre foi um município deficitário em serviços específicos para as mulheres em situação de violência”, lamenta. Um dos reflexos disso é o fato de o município estar em primeiro lugar no ranking de mortes de violentas de mulheres em 2021 no Espírito Santo, empatado com Vila Velha.
Até o dia três de julho,
quando Século Diário publicou matéria sobre o assunto, Cariacica liderava o ranking sozinha com o registro de seis assassinatos, enquanto Vila Velha registrava cinco. Agora, essas cidades dividem o triste posto com sete mortes cada. Os dados são do Mapa de Mortes Violentas de Mulheres no ES: de A a Z, do Ministério Público do Estado (MPES), provenientes de boletins de ocorrência da Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp), compartilhados por meio do Convênio de Cooperação Técnica nº 001/2015, firmado no âmbito da coordenação do Núcleo de Enfrentamento às Violências de Gênero em Defesa dos Direitos das Mulheres (Nevid).