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Águas que escorrem

As opções que fazemos na vida são pontes que nos ajudam a transpor os cachoeiros

Edgar Gatti

A vida e o vocabulário trapaceiam, nos enganam, impotentes que somos para distinguir as nuances. Ilusão dos sentidos, nem sempre alertas. Ponte, na engenharia, é uma obra de arte, mesmo que seja uma pinguela. Aponte o lápis e releia “As pontes de Madison”. Aponte o dedo, mas não acuse ninguém: por pior que seja, sempre tem alguma virtude escondida em baixo da ponte. As opções que fazemos na vida são pontes que nos ajudam a tranpor os cachoeiros.

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Dois anos escorreram debaixo da ponte – não vi, não passei sobre nem sob as Cinco Pontes. Que somadas, são apenas uma. Mas vale por cinco em beleza, verdadeira obra de arte. Triste ausência devida às correntezas da pandemia. O que perdemos nesses dois anos! Cinco arcos sobre a baía, cinco sentidos, cinco gaivotas no ar. Cinco barcos ao vento, cinco ondas no mar. Cinco moedas na fonte, cinco verdades, cinco faz-de-conta. Cinco pontes de cair o queixo.

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Ponte pressupõe águas que correm, embora nem sempre – elas passam, a ponte espera. Em Veneza, a Ponte dos Suspiros: quem passa em baixo suspira de amor, quem passa em cima suspira de dor. A ponte dos trens era chamada pontilhão – feita com os mesmos trilhos da estrada de ferro. Sobre o Tâmisa corre a Tower Bridge, em Londres, construída em 1894, já com a inovação de ser uma ponte levadiça. Hoje é a maior atração turística do país, a não ser quando algum membro da família real se casa com alguém da plebe.

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A Ponte do Brooklyn, em NY, foi a primeira ponte no mundo suspensa por cabos de aço. Por ela escorrem mais de 100 mil carros por dia. Haja gasolina, tirada do rio negro no subsolo. Oresund Bridge liga Suécia e Dinamarca passando por baixo do oceano – a chamada Ponte Impossível. Nos States, passei por outra ponte-túnel – a belíssima Chesapeake Bay Bridge, com mais de 50 anos. Pontes escoam nosso ir e vir, passar ou ficar, admirar e fotografar, mas custam dinheiro e vidas.

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Aponte o dedo vencedor para a Golden Gate, em São Francisco, não por estar entre as pontes mais famosas do mundo. Quando sua construção começou, em 1933, a estimativa era de uma morte para cada um milhão de dólares gastos em uma ponte. O engenheiro Joseph Strauss mudou essa estatística macabra, exigindo o uso de capacetes, óculos anti-reflexo, e outros artigos de segurança hoje comuns em qualquer construção. A Golden Gate custou 35 milhões e morreram ‘apenas’ 11.

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Na bela imagem acima, a ponte de Colatina, imponente monumento sobre o maltratado Rio Doce. Foi construída em 1928 para facilitar a construção da estrada de ferro que por muitos anos dividiu a cidade. A ferrovia se foi, a ponte ficou. Do jeito que as águas correm, daqui a pouco o rio também se vai – a ponte continua.


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