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O mapeamento cego da violência LGBTQIA+ no Espírito Santo

Desqualificação das vítimas e dificuldade de registro estão entre as causas do problema

Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, lançado nessa quinta-feira (15), indicam um crescimento dos casos de lesão corporal dolosa contra pessoas LGBTQIA+ no Espírito Santo. Apesar de já apresentar um aumento desse tipo de crime, ativistas e pesquisadores alertam para a subnotificação de dados, o que torna ainda mais difícil o mapeamento e combate da violência contra essa população.

De acordo com os dados do anuário, em 2020, o Espírito Santo registrou 12 casos de lesão corporal dolosa contra LGBTQIA+. Em 2019, quatro casos tinham sido registrados, o que indica um crescimento de 200%.

O documento também aponta dois casos de homicídio doloso contra essa população, a mesma quantidade registrada em 2019. Em 2020, os dados apontam apenas um caso de estupro contra LGBTQIA+ em todo o Estado.

Os números são baseados em informações fornecidas pelas secretarias de segurança pública estaduais e pelas polícias civis, militares e federal, entre outras fontes oficiais da Segurança Pública.

Para Viviana Corrêa, presidenta da Câmara Técnica de Monitoramento, Prevenção e Combate à Violência LGBTfóbica do Conselho Estadual de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CELGBT-ES), os números estão subnotificados.

“A população LGBTQIA + não sabe onde e como denunciar, e as informações sobre como fazer e onde ir não são oficialmente divulgadas. Além disso, creio que a recepção desta população nas delegacias seja deficitária, por falta de treinamento específico para lidar com crimes de racismo LGBTfóbico”, explica.

Marcia Rodrigues, professora do departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e pesquisadora na área de sociologia da violência, explica que, nos casos de lesão corporal e estupro, o preconceito e a homofobia da sociedade e dos próprios policiais fazem com que o relato das vítimas seja desqualificado no momento da denúncia. “Em geral, as vítimas não registram o acontecido”, aponta.

Quando se trata de um homicídio, o mapeamento de crimes com motivações LGBTfóbicas se torna ainda mais difícil. “Há um corpo morto, o registro é feito, mas a autoria, em geral, nos casos de pobres, pretos ou do grupo LGBTQIA+, não aparece, pois as investigações tendem a parar e, em geral, se enquadram como briga de gangue de tráfico […] Se o dono do corpo não é considerado um ‘cidadão de bem’, que tenha dinheiro para um advogado, o inquérito para nas investigações”, ressalta.

Sem números que abarquem as violências constantes sofridas pela população LGBTQIA+, o mapeamento é cego e a construção de políticas públicas para diminuir o problema é construída sem nenhum ponto de referência concreto.

“Quando não se tem registros que realmente traduzam a realidade violenta em relação a esses grupos, quer da polícia, dos grupos de milicianos e da população em geral, as medidas de proteção da cidadania não se efetivam e a impunidade impera”, enfatiza Márcia.

Monitoramento no Espírito Santo

De acordo com a Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp), o Espírito Santo já implementou a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), que enquadra homofobia e transfobia como tipo penal definido na Lei do Racismo (Lei 7.716/1989).

No Estado, esse tipo de crime entra no código “G06 – Crimes Diversos – Crime de racismo”. Ainda de acordo com a pasta, as informações sobre motivação e dinâmica do caso são inseridas no campo ‘Histórico do fato’ e o Boletim de Ocorrência também possui campos específicos para que o comunicante informe a orientação sexual, identidade de gênero e nome social.

No entanto, os dados fornecidos ao anuário, e questionados pelos movimentos LGBTQIA+, já foram baseados na decisão do STF e, ainda assim, indicam subnotificação.

Para Viviana, a diminuição dessa distância entre os números e a realidade passa pela divulgação oficial dessa violência, “além da formação de policiais sobre diversidade sexual e de gênero, para que esta população seja melhor atendida e seja possível obter estatísticas fidedignas com relação aos crimes cometidos contra a população LGBTQIA+”.

Respostas à Defensoria Pública

No final de junho, a Defensoria Pública do Espírito Santo (DPES) enviou um ofício à Sesp, solicitando informações sobre a violência contra a população LGBTQIA+ no Estado. O órgão pediu esclarecimentos sobre o registro das denúncias e as formas de abordagem desse público nas delegacias.

O documento, enviado pelo Núcleo de Direitos Humanos da Dpes, explica que a Defensoria recebeu relatos de integrantes de movimentos sociais que informaram dificuldades em registrar as denúncias de crimes motivados pela LGBTfobia.

“Recorrentemente, os boletins de ocorrência são registrados de modo incorreto, em que não se observa a adequação do registro com o nome social do denunciante ou a anotação de sua orientação sexual e identidade de gênero, o que seria extremamente relevante para manter um banco de dados sólidos e verossímil a respeito da temática”, diz um trecho do documento.

A DPES também questionou a existência de um plano estadual de enfrentamento à violência contra a população LGBTQIA+ no Espírito Santo e a formação dos profissionais dos agentes de segurança pública na temática diversidade sexual e de gênero.

A Sesp informou, a Século Diário, que todas as informações solicitadas em ofício estão sendo levantadas e serão repassadas à Defensoria, dentro do prazo solicitado.

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