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CNJ prepara audiência pública com atingidos pelo crime da Samarco no Rio Doce

“Que a audiência inicie um processo de repactuação com participação social”, anseia MAB

O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu os primeiros sinais de uma possível mudança real na atual forma autoritária de gestão das ações de reparação e compensação dos danos ambientais e socioeconômicos oriundos do rompimento da Barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP, ocorrido em novembro de 2015 em Mariana/MG.

Considerado o maior crime ambiental do país, o rompimento lançou 60 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração sobre centenas de comunidades ao longo de mais de 600 km do leito do Rio Doce, matando 19 pessoas, contaminando também todo o litoral capixaba, com uma pluma de rejeitos que permanece em toda a área atingida.

Até o momento sob execução da Fundação Renova, os programas de reparação estão longe de atingir as metas estabelecidas nos acordos firmados entre as mineradoras criminosas e os órgãos de governo, seja do ponto de vista quantitativo quanto qualitativo.


No centro dessa ineficiência está a insistência da Fundação em não incluir os atingidos pelo crime nos processos de decisão, critério que foi o ponto nevrálgico do último acordo, homologado em 2018, o Termo de Ajustamento de Conduta da Governança (TAC-Gov), que determinou a contratação imediata das Assessorias Técnicas Independentes (ATIs) para auxiliar as comunidades atingidas a reivindicarem seus direitos.

Pois é exatamente a participação social o objetivo da audiência pública prevista para meados deste segundo semestre de 2021 pelo CNJ, por meio do Observatório Nacional sobre Questões Ambientais, Econômicas e Sociais de Alta Complexidade e Grande Impacto e Repercussão, com objetivo de implementar a anunciada repactuação da gestão da reparação dos danos do crime.
A primeira reunião de planejamento da audiência ocorreu na última quarta-feira (14), quando foi iniciada a análise do edital de chamamento às pessoas e entidades interessadas em participar. “A audiência vai dar oportunidade para que vítimas e familiares, especialistas das áreas ambiental e de direitos humanos e outras pessoas e entidades convidadas possam expor suas visões sobre o episódio, os danos decorrentes e o tratamento dado ao caso no âmbito judicial”, afirma o Observatório.

O encontro foi conduzido pela conselheira do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Flávia Pessoa, e teve a participação do também conselheiro Luiz Fernando Bandeira, do presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), Gilson Soares Lemes, e de representantes de outros órgãos públicos e das mineradoras envolvidas. “O rompimento afetou severamente não apenas os estados de Minas e do Espírito Santo, mas o Brasil inteiro”, salientou o presidente do tribunal mineiro, durante a reunião.

Uma das organizações mais atuantes na luta pelos direitos dos atingidos pelo crime, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) entende essa movimentação do CNJ em direção à audiência como positivo.

“A gente espera que a audiência pública não seja ‘só para inglês ver’. Acreditamos que ela já é fruto da mobilização feita desde março pelo MAB junto aos governos estaduais, os órgãos de Justiça e o próprio CNJ. Na audiência anterior, que houve para selar o início dessa repactuação, o ministro Luiz Fux questionou a falta de presença das vítimas, porque ele sabe que sem a participação popular não tem como ter legitimidade, vai seguir o mesmo erro dos acordos anteriores”, avalia Heider José Boza, da coordenação capixaba do MAB.

O erro central, destaca o militante, que é a exclusão dos atingidos, tem impedido o acesso das vítimas à reparação integral, por meio de medidas essenciais, exaustivamente debatidas, negociadas, determinadas e, igualmente, negligenciadas pela Fundação Renova: fim da quitação geral, garantia das assessorias técnicas, necessidade de programa de transferência de renda, criação de fundos para a retomada produtiva e de renda, políticas para as mulheres e programas na área de saúde.

“A gente espera que a audiência acolha essas demandas reais das populações atingidas. Vamos estimular nosso povo, prepará-lo para participar, e vamos exigir que haja outros espaços. Mas já vemos essa audiência como uma primeira vitória nossa e vamos garantir que seja um debate produtivo”.

Atualizando os números sobre a falta de gestão da Renova, o MAB reuniu em um vídeo disponibilizado em suas redes sociais que elenca: o corte de 100% do valor do auxílio financeiro para cinco mil atingidos em plena pandemia de Covid-19; o pagamento de indenizações a apenas um terço das 98 mil pessoas cadastradas até janeiro passado; e o não cadastramento, ainda, de mais de 63 mil pessoas atingidas.

Sobre o sistema de indenização simplificado, imposto pela Renova, o MAB denuncia que, apesar de ser resultado da luta dos atingidos, sua implementação “não simplificou nada; pelo contrário: vimos o direito à indenização justa ser transformado numa verdadeira indústria”.

O MAB critica a corrida de advogados particulares “para captar clientes com falsas promessas e escondendo informações importantes, como os efeitos de uma quitação geral de danos”. “Estamos vivendo uma piora nas condições de vida do povo. Sem assessoria técnica e impedidos de se reunir para encontrar uma saída”, conta.

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