“O que nós queremos do governo do Estado é diálogo”. A afirmação, feita por uma estudante secundarista ouvida por Século Diário, expõe a forma autoritária e antidemocrática da gestão da Educação no Espírito Santo e é também um preâmbulo para a pauta de reivindicações que os estudantes secundaristas irão reafirmar no ato “Estudantes contra o retorno obrigatório”, marcado para esta sexta-feira (23), às 17h30, na escadaria do Palácio Anchieta, Centro de Vitória.
Reafirmar porque, há um ano, têm sido seguidamente postas à mesa para a abertura de um diálogo que nunca teve a adesão do Poder Público. No cartaz de divulgação do ato, as reivindicações estão elencadas da seguinte forma: “Ensino presencial com mais segurança sanitária – vacina para os estudantes, testagem em massa, distribuição de máscara PFF2. Ensino remoto inclusivo – com distribuição de computadores para todos os estudantes, auxílio internet e distribuição de cesta básica completa. Ações mínimas para garantir a permanência estudantil. Continuidade do presencial de forma facultativa. Continuidade do revezamento semanal”.
O rol de medidas pleiteadas contrasta com a falta de conexão com a realidade dos estudantes e suas famílias, exasperada pelos gestores públicos. “Eles não estão olhando o que está acontecendo. Tomam essas decisões, parece, para mostrar que está tudo bem. Mas não está. Não sei o que eles pensam de fato”, observa a estudante Julia Oliveira Alves, presidente do Grêmio Estudantil Ernesto Guevara da Escola Estadual de Ensino Médio (EEEM) Maria Ortiz, localizada no Centro de Vitória, a mesma da frase do início da matéria.
A realização do ato desta sexta-feira foi decidida em assembleia realizada na terça-feira (20), envolvendo estudantes de várias outras escolas secundaristas da Grande Vitória. “A gente espera que a nossa pressão surta efeito, porque queremos mostrar a situação das escolas, a falta de condições para o retorno presencial em massa e as más condições do ensino remoto. Tentamos contato com a Secretaria de Educação e com o governador via redes sociais, mas não tivemos resposta. Vamos ainda enviar um ofício e encaminhar mais formalmente”, relata.
A líder estudantil afirma que, até hoje, os estudantes não receberam os computadores e a internet solicitadas. “É, desde o início, um EAD sem eficácia, porque a gente não tem o aparato. Muitos alunos em casa com um único celular para cinco irmãos e com internet ruim. Mas a solução não é essa volta forçada, e sim investir na educação de fato”, dispara.
Na tarde desta quarta-feira (21), o governador Renato Casagrande (PSB) twitou: “Estamos liberando recursos para adquirir equipamentos para Educação. São pen modens que permitirão acesso à internet e serão entregues aos alunos junto aos 60 mil PCs já adquiridos para focarmos na recuperação dos alunos. Vacina e reforço na educação são nossas prioridades”.
O anúncio, no entanto, não melhora a realidade atual, lamenta a estudante. “Ele sempre anuncia, mas não fala quando será distribuído. Em fevereiro ele falou que em quatro meses os estudantes já estariam com o computador, mas até hoje nada”, informa.
Insegurança
Além da falta de equipamentos, outra medida que tem sido usada como justificativa para dar legitimidade à obrigatoriedade do retorno presencial é a vacinação. “Queremos garantia de vacina. Os professores só tomaram a primeira dose. Os demais trabalhadores não tomaram, nem os estudantes”.
De fato,
segundo dados do Vacinômetro dessa segunda-feira (19), apenas 3,4% tomaram a segunda dose. E, apesar de constar no painel como “trabalhadores da Educação”, em campo, afirma Júlia, o que se vê são apenas os professores sendo imunizados, sem inclusão real de demais profissionais, como porteiros, merendeiras, pessoal da administração e outros.
Já a vacinação dos alunos ainda não tem horizonte de ser implementada, apesar da liberação, feita pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), de aplicação da Pfizer para pessoas com 12 anos de idade ou mais.
Há ainda a distribuição de máscaras filtrantes – N95 ou PFF2 – que não aconteceu. “O governo do Estado disponibilizou máscara para os alunos de tecido. Um ano e meio depois a gente tem consciência de que é necessário ser a PFF2”, conta a estudante.
E por fim, a testagem sistemática do público escolar também precisa ser garantida. “A maior parte dos alunos usa transporte público e não apresenta sintoma ou tem sintomas gripais leves. Sem testagem garantida, vai haver muita contaminação dentro da escola”, adverte.
“Não nos apresentaram esse planejamento, essa segurança, então surgem muitas incertezas. Tem muitos alunos que estão trabalhando para ajudar no sustento da família, ou que cuidam dos irmãos mais novos. Tem muita gente falando que não vai voltar e vai evadir a escola, que é o que ninguém quer”, descreve.
O entendimento dos estudantes, relata a presidente do Grêmio Ernesto Guevara, é que não é momento para trazer obrigatoriedade de ensino presencial nem para a modificação do revezamento do ensino remoto, que tem sido semanal e passará a ser em dias intercalados. “Só temos mais um trimestre de aula. A adaptação dos professores e das famílias a essas mudanças dos estudantes é muito mais complexa”.
Ministro
O retorno presencial determinado pelo governo de Renato Casagrande está alinhado com o discurso feito nessa terça-feira (20) pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro. “Fornecemos protocolos de segurança para todas as escolas”, disse o atual titular da pasta federal. “O governo federal investiu mais de R$ 1,7 bilhão para enfrentamento da Covid nas escolas públicas”, destacou. “Estamos preparados”, argumentou.
Assopaes
A obrigatoriedade do retorno presencial é uma das pautas da 1ª Plenária Estadual da Associação dos Pais de Alunos do Espírito Santo (Assopaes) de 2021, que acontece na próxima segunda-feira (26), às 19h, de forma virtual, onde a proposta de uma medida judicial – mandado de segurança – será discutida.
A Plenária irá analisar ainda a mudança do “revezamento de sistema híbrido”, o “sistema híbrido com escolas analógicas”, e “respostas ao ofício da Sedu sobre demandas de segurança das escolas”.