Observatório Rio Doce mobiliza atingidos do crime da Samarco/Vale-BHP para garantir participação no processo
“O sistema judiciário está operando processos de injustiça. É confiável mais um pacto conduzido por aqueles que fazem outros pactos com as empresas? É confiável um processo de pactuação conduzido ou referendado pelo Conselho Nacional de Justiça [CNJ], que sequer ouve com dignidade as atingidas e os atingidos?”.
São da arquiteta e comunicadora social Dulce Maria Pereira os questionamentos sobre a repactuação conduzida pelo CNJ em relação à governança do processo de reparação e compensação dos danos decorrentes do rompimento da barragem de Fundão, da Samarco/Vale-BHP, ocorrido em Mariana/MG em novembro de 2015.
Professora e coordenadora do Laboratório de Educação Ambiental e Pesquisa da Universidade Federal de Ouro Preto (Lauepas /Ufop), Dulce foi uma das palestrantes da plenária virtual do Observatório Rio Doce, realizada nessa terça-feira (27) nas redes sociais da Justiça Global, sob o tema “Por uma Repactuação justa, com participação e respeito aos acordos assinados”, a primeira desde o lançamento do Observatório, em junho.
Aos questionamentos, a própria pesquisadora afirmou categoricamente que “sem dúvida, não”: não é confiável, para os atingidos, a forma como a repactuação está sendo conduzida. Dulce destacou que “é pela vida que esse observatório se reúne” e para “garantir que a gente construa um coletivo com essa imensa diversidade, dos grupos humanos, de instituições, de interesses e de formas de ver o mundo, mas com um ideal comum”.
O Observatório, salientou, “quer fazer frente ao processo criminoso de fragmentação que as corporações já estão operando e tentam avançar e ampliar nesse território sagrado, sob todos os pontos de vista: por sua natureza, por seus povos, por sua história, e que tem sido alvo e objeto de interesse e controle desde a Guerra dos Botocudos, lá no início do Império”.
E para fazer frente a essa fragmentação, somente a união dos atingidos. “Com toda a dor que estamos vivendo, é preciso dizer que estamos colocando o dedo na história. É uma responsabilidade imensa. Mas é uma luta para ser vencida. Não estamos aqui para perder esse processo; estamos aqui realmente para mudar a história no que diz respeito à relação das empresas com as pessoas, com a vida e com os territórios”, conclamou.
Ao longo da plenária, dezenas de atingidos no Espírito Santo e Minas Gerais relataram as lutas em seus territórios, sob mediação de militantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Moradora da zona rural do município mineiro de Governador Valadares, a maior cidade localizada ao longo dos mais de 600km destruídos pela lama de tóxico de rejeitos de mineração, Joelma Fernandes relatou que Valadares continua sendo abastecida com água do Rio Doce, o que é motivo de muitos problemas e preocupação por parte da população.
“Fizeram escritórios da Renova para tudo que é lado em Valadares, mas fizeram só Dano Água. Mas Valadares não foi impactada só pelo dano água, não. Meu pai era pescador de tarrafa. Mas também tinha pescador que ia no final de tarde pescar, para ter pescado no final de semana”, disse Joelma, elencando um dos tantos grupos impactados. “Como é que vai fechar o cadastro de uma cidade que nem cadastro teve?”, questionou.
A reparação, assinalou, “só vai funcionar a partir do momento em que o atingido estiver junto. Porque nós somos os pés molhados, nós que pisamos na lama, nós que temos que falar por nós”, reivindicou.
Militante do MAB/ES, João Paulo Izoton conta que o Observatório encaminhará pedidos de audiências públicas nas quatro casas legislativas que atendem aos atingidos do Rio Doce: as assembleias do Espírito Santo e Minas Gerais, a Câmara e o Senado Federal, além de reunião com o presidente do CNJ, ministro Luiz Fux.
O Observatório Rio Doce é uma iniciativa do Rede de Pesquisa Rio Doce, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), Amigos da Terra, Justiça Global, Terra de Direitos, Associação Brasileira de Juristas pela Democracia (ABJD), Rede de Advogados e Advogadas Populares (Renap), Organização pelo Direito Humano à Alimentação e à Nutrição Adequadas (Fian Brasil) e o Lauepas/Ufop.